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Sou hoje confrontado com o falecimento do “meu Capitão” Bordalo, que nunca chegou a ser “meu Capitão”, mas era e foi sempre o meu Capitão Bordalo.
Quando fui enviado a comandar tropas guineenses, muito especialmente o Pelotão de Caçadores Nativos 52, conheci em Bambadinca o então Cap. Bordalo, que era o comandante da Companhia de Caçadores 12, constituída também por militares guineenses, enquadrados por oficiais e sargentos da então metrópole.
Ambos temos o curso de Operações Especiais, (ele bem antes de mim), hoje conhecidos como Rangers.
A amizade entre os dois foi imediata e a nossa maneira de ser e de pensar tornou-nos extremamente unidos.
O Capitão Bordalo era um homem simples, sem alardes, (como são sempre os grandes homens), e um combatente extraordinário, que galvanizava as suas tropas por ser sempre o primeiro a liderar, mas também o primeiro a defender aqueles que estavam debaixo das suas ordens e, isso mesmo, incutiu em mim, o que nos trouxe alguns “amargos de boca” com alguns superiores nossos.
Nunca servi directamente sob as suas ordens, mas fizemos algumas operações militares conjuntas da sua C. Caç. 12 com o meu Pel. Caç. Nat. 52.
Numa altura em que as condições de vida a que eu com outros, estávamos sujeitos, o Cap. Bordalo foi o garante da minha “sanidade mental”, com o seu apoio sempre próximo, franco e amigo.
Retenho na memória, há uns anos em Monte Real, quando eu estava ao fim da tarde a jogar ténis no campo frente ao Hotel das Termas e vejo parar um carro e dele sair uma pessoa que me pareceu o Cap. Bordalo.
Achei que não podia ser, mas roído pela curiosidade pedi desculpa ao meu parceiro e fui perguntar ao porteiro do Hotel quem era a pessoa que tinha chegado.
A resposta deu como certa a minha suposição. Não o via desde a Guiné.
Imediatamente pedi ao porteiro que ligasse para o quarto e pedisse ao Capitão para vir à recepção por um motivo qualquer.
Quando nos vimos, demos num abraço em que literalmente lhe peguei ao colo, (o Cap Bordalo Xavier era bem mais baixo do que eu), e ficámos ali não sei quanto tempo abraçados, com as lágrimas nos olhos.
O hall do Hotel estava cheio de gente, que ficou muito espantada por me ver assim abraçado a um homem de barbas.
Passados uns tempos, recebi uma convocatória para um encontro de Rangers em Lamego e decidi meter-me no carro e fazer a viagem.
Quem estava a receber os camaradas de armas era, como não podia deixar de ser, o então Major Bordalo.
Mais um abraço daqueles que faz tremer o chão, e a “obrigação” de imediatamente me fazer sócio da AOE – Associação de Operações Especiais que, com um padrinho como ele, não podia de forma nenhuma recusar.
Seguiram-se anos de vários encontros em Lamego, até que a vida com as suas voltas, não me permitiu, ou eu não me disponibilizei para isso, e deixámos de nos encontrar.
Repetidamente me prometi a mim mesmo que iria a Lamego dar-lhe um abraço novamente e repetidamente o comodismo me “impediu” de o fazer, o que hoje, neste dia, me dói verdadeiramente no coração e na vida.
Podia ficar horas a escrever, a falar sobre o Cap. Bordalo, de como ele era um homem de coração grande, como era um verdadeiro Comandante que comandava pelo exemplo, como era um amigo sempre pronto a me apoiar, mas também a fazer ver os erros que eu ia cometendo, como me safou de levar uma punição pela minha forma de reagir a ordens sem sentido, enfim, de como me fez mais homem, mais militar, mais oficial, mais amigo.
Ontem escrevia sobre as lágrimas.
Hoje as lágrimas são minhas, e sim, um homem chora e eu choro a saudade de um homem bom que tornou a minha vida melhor.
À sua família o meu sentido abraço.
A ti, (agora trato-te por tu), meu Capitão Bordalo, até já, quando nos encontramos no cantinho do céu que recolhe os Rangers no seu eterno descanso.
Marinha Grande, 13 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves
1 comentário:
Belíssimo texto!
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