sexta-feira, 30 de março de 2012

UMA MEMÓRIA VIVIDA

.
.
Os homens da família



Lentamente, dia-a-dia, vai-se desapegando de mim a recordação do corpo, da existência física.
Vai-se esbatendo a imagem da “tenda” que dá forma física ao espírito e à alma.

Essa recordação vai dando lugar a algo mais perene, mais para sempre, mais eterno.

Talvez não me recorde do corpo, da voz, mas recordo fortemente o espírito, aquele espírito que comandava a vontade e o fazia estar sempre disponível para os outros.

Vejo claramente também a imagem da semente, que nos é dada em ensinamento por Jesus Cristo.

Sentados naquele sofá, naquela tarde, esperançosos de uma cura milagrosa, falava-lhe dessa semente que os nossos pais nos plantaram na vida, no coração, que por vezes não regávamos, nem deixávamos germinar.

E ele olhava-me, com aqueles olhos vivos, tentando ver em mim algo para além de mim e dizia-me numa voz firme e muito doce: «Não te preocupes, meu mano, é Ele quem me tem ajudado.»

Mas eu não ficava descansado e insistia, o mais delicadamente que me era possível, com medo de estragar aquele momento tão sentido, tão vivido: «Mas Zézinho, eu conheço um padre muito boa pessoa e que sei tu gostarias dele e vive aqui na cidade.»

E lá veio a resposta, cheio da paciência, ele que era tão impaciente, como todos nós, aliás:
«Não te preocupes, meu mano, já falei com um Franciscano meu amigo. Está tudo tratado.»

Repousei, deixei-me ficar assim calado, pois algo em mim me dizia que a paz estava com ele, tal era a serenidade com que comigo falava.

E depois … depois Deus é grande e é amor perfeito e por isso reconhece o amor naqueles que amam.

E o Zézinho, (que tinha as suas “coisas” como todos nós temos), nunca dizia que não a um pedido de ajuda.
Se ele conseguisse deslocar-se com a velocidade da luz, acredito que no momento em que lhe disséssemos pelo telefone, «Zézinho preciso de ti», ele se “materializaria” junto de nós.

Conseguia coisas que ninguém conseguia, com aquele seu jeito descontraído de fazer de cada pessoa que encontrava, um conhecido, um amigo.
Para ele não havia portas fechadas, havia sim portas que ainda não tinham sido abertas.

Havia nele uma ternura, um modo de se dar, que por vezes nos confundia, até porque não tinha medo dos gestos, (cumprimentávamo-nos de beijo na cara), das palavras, (chamava-me muitas vezes à frente fosse de quem fosse, meu mano querido), não que eu fosse especial, mas porque era assim que sentia os seus irmãos.

Se tinha defeitos?
Claro que tinha! Não os temos todos nós?

Mas a força da sua entrega aos que dele precisavam, o seu desprendimento do pouco ou muito que tinha, a sua ânsia de ajudar, de ser útil, acabavam por prevalecer sobre os defeitos, ou melhor as fraquezas, que deixavam de ter importância, até pela alegria que ele colocava na sua vida.

Por isso não me importo nada que a recordação do corpo, da forma física, da “tenda”, se esbata na minha memória, (o corpo, a existência física, é efémero), porque ao assim acontecer torna muito mais viva a recordação do espírito, da alma, que eternamente, pela graça de Deus, vive a paz e a felicidade que tanto perseguiu, e agora alcançou.

Até logo, Zézinho, como dizemos em Monte Real, mesmo que o logo possa ser ainda distante.



Monte Real, 30 de Março de 2012
.
.

domingo, 25 de março de 2012

AO MEU IRMÃO ZÉZINHO

.
.


Agora,
meu irmão Zézinho,
começa o tempo do amor perfeito.


Tu que tanto amaste,
e tanto te deste,
conheces agora o amor,
o verdadeiro,
o sem limites,
aquele que não deixa dor,
porque é só em tudo amor.


Fica a saudade,
que não é nada,
por sabermos que Deus ama,
os que amam,
e que junto d’Ele,
lhes concede a felicidade.


Vai,
meu irmão Zézinho,
e junto a Ele,
vai preparando caminho,
para nós,
que te havemos de seguir,
quando Deus quiser,
amanhã,
ou no porvir.


Descansa agora,
nos braços do Criador,
adormece em paz
e na serenidade,
(que a tua cara espelha),
agora que afastada a dor,
já liberto da humanidade,
vives o completo amor.


Adeus,
meu mano querido!


Lembras-te,
meu mano querido
que é moda em Monte Real,
quando nos encontramos à chegada,
dizer o adeus,
que os outros dizem
á despedida?



Por isso adeus,
Zézinho
porque agora aqui chegaste,
ao fundo do meu coração,
de onde nunca partirás.


A Deus,
o que é de Deus,
e tu amor doado,
deixas agora os teus,
para os levares em recado,
aos braços,
do nosso Deus.


Marinha Grande, 24 de Março de 2012


Os homens da família

O Pai, (está em Deus), o Manuel José, (está em Deus), o João Duarte, o António Duarte, o José Olympio, (o Zézinho que está agora em Deus), o Pedro António, e eu, o Joaquim Manuel. Faltam a Mãe, (está em Deus), a Maria Filomena, (Mena), a Maria da Trindade, (Trinda), a Maria Isabel, (Belinha, que está em Deus).

.
.

terça-feira, 20 de março de 2012

O MEU PAI

.
.
Ver nota sobre a fotografia




O meu pai era um homem alto, forte, uma figura que chamava a atenção, tanto mais que tendo nascido em 1899, não havia muita gente do seu tamanho, naquele tempo.

Se bem me lembro nunca o vi fazer uso desse seu tamanho para impor fosse o que fosse, mas era antes um homem calmo, ponderado, de quem emanava uma forte autoridade, sustentada por um testemunho de vida coerente com tudo aquilo em que acreditava.

Tendo servido cargos de estado, nunca se serviu deles, (até por eles terá sido prejudicado), tal como nunca foi contra os seus princípios, sendo um homem livre e independente, nunca permitindo que as suas obrigações colocassem em causa a sua coerência de vida.

Não me lembro de o ouvir alguma vez gritar, mas impunha-se pela sua presença e autoridade imanente.

Embora lhe tivesse um enorme respeito, um quase temor reverencial, sempre senti nele, apesar da austeridade de tratamento, um amor forte, profundo, paternal, que me fazia sentir seguro não só no momento, mas também no futuro.

O meu pai “transformava-se” nas festas de família, sobretudo no Natal e na Páscoa.

Parecia-me que nesses dias se aproximava de mim, (“falo” por mim, mas julgo que o que escrevo poderá ser subscrito pelos meus irmãos), se tornava mais perto, mais terno, mais carinhoso, mais pai de amor, embora e sempre educador.

Muitos diriam ou pensariam que com um pai assim, austero e educador intransigente, a minha infância teria sido dura ou menos feliz.
Estão completamente errados, pois tenho saudades imensas da minha infância, da minha adolescência, do meu crescer suportado nos seus ensinamentos, em palavras e testemunho de vida.
Julgo até que seria impossível ter sido mais feliz!

Mas uma das suas características mais marcantes, para mim, era a profundidade da sua Fé!

Ainda a Igreja, (suponho eu), não tinha falado da família como “igreja doméstica”, e já, olhando agora para trás, eu vejo como o meu pai, (sempre com a minha mãe, claro), moldava a sua/nossa família como uma “igreja doméstica”, sobretudo nesses dias de festa religiosa.

Haveria tanta coisa para escrever, para testemunhar sobre o meu pai, que não pararia de escrever e tornaria este texto de tal maneira longo, que perderia o sentido que lhe quero dar: uma homenagem ao meu pai, para lembrando-me dele, novamente aprender com ele a ser pai nestes tempos tão difíceis que a família agora atravessa.

Mas uma coisa não posso deixar de testemunhar, pois é algo que ainda hoje em dia me toca profundamente.

Sendo, como afirmei no inicio, um homem “imponente”, quando entrava numa igreja para rezar, para participar na Eucaristia, tornava-se “pequeno”, como que desaparecia aos olhos dos outros, e durante todo aquele tempo nada o perturbava, numa comunhão intima com Deus, numa profundidade de oração que ainda hoje me toca e gostaria de imitar.

Hoje, apesar da minha idade, sinto falta da sua segurança, sinto falta da sua presença forte e conselheira, mas sei, no íntimo de mim mesmo, que tenho a sua contínua intercessão no Céu, junto de Deus, que foi a sua razão de viver, que foi o “segredo” da família que criou e moldou, de tal modo, que apesar dos tempos que se vivem, a marca de Deus pelo meu pai deixada, contínua viva no coração de todos nós, sua família, até naqueles que não vivem a fé no seu dia-a-dia.

Louvado seja Deus, pelo pai que me deu, pela mãe que me deu, pela família em que me fez crescer, e pela família que colocou nas minhas mãos de pai e avô.


Marinha Grande, 19 de Março de 2012


Nota:

O meu pai e eu.
Fotografia tirada em 1 de Dezembro de 1971, 20 dias antes da minha partida para uma comissão militar na Guiné.
.
.
.
.

quinta-feira, 15 de março de 2012

«OS QUE VÃO À IGREJA SÃO OS PIORES»

.
.






«Os que vão à igreja são os piores!»

Ouvimos tantas vezes esta frase, que por vezes até a assumimos como verdadeira!
Mas terá alguma realidade, alguma verdade, esta frase?

Tenho para mim que há duas maneiras de a apreciar, ou melhor, de apreciar aqueles que “vão à igreja”.
Deixo para depois esta frase específica “vão à igreja”.

Com efeito, se aqueles que “vão à igreja” forem apreciados pelos que “não vão à igreja”, então a frase carece de realidade, de verdade, porque aqueles que “não vão à igreja” não deveriam apreciar os primeiros segundo as “regras” da igreja, mas sim segundo as regras que impõem a si mesmos.

E então podemos perguntar se realmente aqueles que “vão à igreja” são piores do que aqueles que não vão, e pelo que me é dado ver e a cada um de nós, não julgo que sejam piores, mas talvez iguais, e em certas coisas até melhores, segundo os padrões daqueles que vivem sem “ir à igreja”.

Mas retomemos as palavras “vão à igreja”.
Porque uma coisa são os que “vão à igreja” e outra bem diferente são aqueles que “são Igreja”!

E aqui reside uma grande diferença, e talvez até a frase do título pudesse ser em parte verdadeira, se os que “vão à igreja” fossem apreciados pelos que “são Igreja”.
Mas, uma coisa importante nos ensina a Palavra de Deus, é que não devemos julgar, até para que não sejamos julgados.

É que os que querem “ser Igreja”, sabem-se fracos e pecadores e por isso mesmo querem “ser Igreja”, para em comunidade, em oração, em meditação, ouvindo e aprendendo os ensinamentos da Igreja, melhorarem, deixarem-se transformar em suas vidas, para imitando Cristo, darem testemunho do amor, sabendo no entanto que vão cair muitas vezes nas suas fraquezas, mas colocando sempre a sua confiança e a sua esperança no perdão e no amor de Deus.

Já os que apenas “vão à igreja”, vão apenas ao edifício “ouvir e ver”as celebrações, tentando servir-se da Igreja para dela retirarem apenas o que lhes interessa, e colocando de lado a conversão diária, que custa e exige esforço.

Ou seja, os que apenas “vão à igreja”, vão como se fossem a um super-mercado onde podem escolher o que lhes interessa, e colocar de lado o que não lhes “serve”.
Assim, são na igreja uma coisa, e na sua vida diária outra coisa, conforme as particularidades de cada momento.

E quantas vezes eu próprio não sou assim, também!?

Por isso mesmo quero ser Igreja, e assim sendo agradeço a frase do título deste texto, tomando-a positivamente e não pejorativamente, como uma chamada de atenção à minha conversão diária, de modo a que o meu testemunho de cristão católico seja coerente com a fé que afirmo professar.


Monte Real, 15 de Março de 2012
.
.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O CATETERISMO DE DEUS

.
.



Nestes últimos dois dias, (regressei há pouco a casa), por causa de algumas “suspeitas” com a minha saúde, tive de fazer um cateterismo no hospital.

Um cateterismo, em palavras muito simples, é um exame médico, que também pode servir de tratamento, e que é, “grosso modo”, a introdução de um cateter numa veia para poder examinar o estado das artérias, bem como do coração.
Para além do exame, por contraste, esse mesmo cateter também pode introduzir medicamentos onde necessário e desobstruir os vasos sanguíneos que possam estar de alguma forma obstruídos, pelas “gorduras”, etc.

Que me perdoem os profissionais de saúde pela explicação “bacoca”, mas o meu fim não é explicar o que é um cateterismo, mas sim a reflexão que fiz sobre o que o Espírito Santo me quis “dizer” acerca de tal facto na minha vida.
E perdoem-me também os conceitos que possam envolver a medicina no seguimento do texto, mas que são apenas para fazer a analogia que me foi suscitada pela minha reflexão.

Podemos então entender que o cateterismo, ao servir para “examinar, tratar e curar” o que possa estar mal no coração, bem como em todo o processo de afluxo sanguíneo no corpo humano, acaba por “tocar” todas as vertentes do mesmo, visto que nenhum órgão pode viver sem o sangue que lhe dá vida.

Temos no nosso corpo vários sistemas, dos quais saliento o sanguíneo e o nervoso, por serem aqueles que, de uma forma simplista, mais tocam toda a nossa existência.

Tenho então para mim, que temos também um “sistema espiritual”, e que esse sim, toca toda e qualquer parte do nosso corpo, porque é aquele que nos faz exactamente o que somos e como somos, «feitos à imagem e semelhança de Deus», ou seja, a presença de Deus em nós é no todo que nós somos, e não apenas numa parte específica do nosso corpo.

Ora, se para tratar do coração e do nosso sistema sanguíneo Deus deu ao homem a capacidade de descobrir o cateterismo, sem dúvida que Deus também tem para o homem um “tratamento” para o seu “sistema espiritual”!

E é claro que tem e todos nós o conhecemos muito bem, pois chama-se Confissão.

Para fazermos um cateterismo, temos que ir ao hospital, colocarmo-nos nas mãos de um médico, e disponibilizarmo-nos para receber o tratamento, para além de nos comprometermos a seguir as indicações do médico quanto à nossa vida futura, o que por vezes irá implicar alguns sacrifícios de mudança de vida, no que diz respeito a hábitos alimentares, de comportamento, etc.

Para recebermos o “cateterismo de Deus”, a Confissão, temos que nos dirigir à Igreja, (e não me refiro a um edifício), colocarmo-nos nas mãos de um sacerdote, aceitarmos o perdão que nos é dado e fazermos um firme compromisso, um firme propósito de emenda, que também nos irá exigir vigilância contínua e o desistirmos de algumas práticas mundanas que põe em causa os efeitos perenes do “tratamento”.

No cateterismo, o cateter percorre o “sistema sanguíneo”, até ao coração, (“fonte” do nosso sangue/vida), tudo examinando para descobrir problemas que possam existir, e, se for necessário, vai deixando o medicamento apropriado para curar, tratando o que é necessário tratar.

Podemos então reflectir que na Confissão, o cateter é o amor de Deus, que percorrendo o nosso “sistema espiritual” nos vai fazendo examinar a nós próprios, até chegarmos ao coração, receptáculo e fonte do amor de Deus.
Perante a evidência de alguma “doença”, (rancor, falta de perdão, vícios vários, etc.), é necessário o “medicamento” apropriado, pelo que, o amor de Deus, (o cateter da Confissão), leva o perdão a todos os pontos doentes de modo a que, libertos do mal que os envolvia, possam então cumprir a sua missão de, (fazendo o homem completo), ser testemunhas do amor de Deus.

Tal como no seguimento de um cateterismo é necessário que a pessoa tome muito cuidado com o modo de viver no seu futuro, também após a Confissão o homem deve ficar vigilante e fugir do pecado, resistindo-lhe com todas as armas que Deus lhe der.

Obviamente que as diferenças entre um cateterismo e a Confissão são imensas, (não são aliás comparáveis), mas este texto serve apenas para meditarmos mais um pouco neste tempo de Quaresma, (como se fossemos ao hospital fazer o tal cateterismo!), e por isso mesmo gostaria de salientar pelo menos duas dessas diferenças:

O cateterismo tem sempre, apesar de tudo, um risco para a saúde do doente, e até alguns possíveis efeitos secundários, por força da “invasão” a que sujeita o paciente, bem como, não pode ser repetido demasiadas vezes ou muito frequentemente.

A Confissão não tem qualquer risco para a saúde espiritual, mental ou física do homem, (antes pelo contrário), não tem quaisquer efeitos secundários que não sejam bons, (até porque nunca se trata de uma “invasão”, mas de uma aceitação), pode ser repetida sempre e até o deve ser muito frequentemente.

O cateterismo, embora muito bem feito e com todas as condições, pode não resultar, e o doente ter que ser sujeito a outros tratamentos mais complicados e perigosos.

A Confissão bem celebrada alcança sempre o melhor resultado, pela graça de Deus, e o homem fica totalmente curado, até que, por sua exclusiva vontade, volte a pecar.

E no mundo tão materialista em que vivemos, ainda podemos perceber que, enquanto o cateterismo tem custos financeiros para o doente e para o estado, a Confissão é fruto gratuito do “imensamente” infinito amor de Deus.

Por isso mesmo, preparei o cateterismo que fui fazer, com uma prévia Confissão, pois de uma coisa tenho a certeza: o “cateterismo de Deus” não falha, e por Sua graça, alcança-me a salvação.

Deus seja louvado!


Marinha Grande, 7 de Março de 2012


Nota:
«O cateterismo cardíaco é um procedimento no qual é inserido um pequeno tubo (cateter) através de um grande vaso sanguíneo no braço ou na perna, que, em seguida, é dirigido até ao coração. Os médicos utilizam o cateter para medir a pressão e os níveis de oxigénio dentro das câmaras cardíacas e, assim, avaliar o funcionamento do coração. Através do cateter, os médicos podem igualmente injectar um corante especial que proporciona uma imagem radiológica da estrutura interna do coração e dos padrões de fluxo de sangue. Em alguns doentes, o corante radiológico é igualmente injectado nas artérias coronárias para identificar áreas que se tornaram estreitadas, procedimento denominado angiografia coronária.
Os cateteres cardíacos podem ser utilizados para transportar instrumentos cirúrgicos especiais até ao coração, possibilitando abrir artérias coronárias estreitadas (um procedimento denominado angioplastia coronária) ou corrigir determinados defeitos cardíacos congénitos (de nascença) nas crianças.»