quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

ANO VELHO, ANO NOVO

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Será que é mesmo um ano velho que se desapega de nós, para dar lugar a um novo ano, ou será que os dias continuam iguais e a coisa nova só acontece quando nós nos abrimos ao Novo?
Que interessa verdadeiramente que um ano acabe e outro comece, se em nós tudo continua igual e os momentos se sucedem numa continuidade de noites e dias, em que tudo permanece igual e a rotina se instala?
E podemos nós fazer diferente, sentir diferente, viver diferente?
E podemos nós fazer de cada momento um tempo novo, cheio de novidade, de confiança, de esperança?
Não, nunca o poderemos fazer, sentir ou viver se continuarmos a confiar apenas em nós, nas nossas capacidades, no nosso querer!
Não nunca o poderemos fazer, sentir ou viver, porque somos seres diminutos, num mundo enorme que não nos olha, não nos conhece, que nos toma a todos como coisa igual e sempre efémera!
Onde está então o golpe de asa que faz de nós mais além, que faz de nós coisa nova sempre diferente, que faz de nós iguais nessas diferenças, que faz de nós senhores do mundo e da nossa liberdade?
Está ali, está aqui, está em todo o lugar e em todo o momento, está em cada um, e em todos ao mesmo tempo!
Não se agarra, não se possui, mas sente-se e vive-se em cada um!
Se retido no egoísmo perde-se e não se encontra, se dado no amor, transforma-se e faz-se encontrado na vida!
Se vivido, comungado, partilhado, faz-se Um em todos e todos no Um, e vive-se na alegria da paz serena, porque é confiança e esperança sem fim!
Por isso, o ano velho não acaba em Dezembro, tal como o ano novo não começa em Janeiro!
O ano velho acaba quando saímos de nós, e o ano novo começa quando O deixamos viver em nós!
Porque então é tudo novo!
A tristeza que era só triste, veste-se agora de esperança, a alegria que era só ruído, torna-se agora paz e serenidade!
A saúde que era estar bem, agradece-se e faz-se graça, a doença que era dor, entrega-se agora, e faz-se amor!
A adversidade que era triste companheira, faz-se agora apenas coisa passageira, e a felicidade que era efémera, faz-se agora coisa eterna!
Até a vida que parecia acabar na morte, percebe agora a morte como passagem para a vida!
Ah sim, acaba então o ano velho, do passado sem vida, da igualdade dos dias à espera do esperado fim, para começar o ano novo, vivido na esperança de cada novo e diferente dia, na confiança do prometido amanhã!
E tudo isto porque o Jesus que nasceu, para todos e cada um, se faz assim Deus entregue, dado por simples amor, para ser vida em nós todos, por ser vida em cada um.
E então não há mais ano velho, porque tudo n’Ele é sempre novo!
Podemos mudar os dias, fazê-los sempre diferentes, podemos viver o mundo, vivendo em liberdade, podemos ser todos diferentes, fazendo-nos mais iguais, e podemos tudo isto, tudo isto e muito mais, porque nós nada fazemos, a não ser darmos o que somos, para que Ele tudo faça em nós, e nos demais.
Já não tenho ano velho, nem dele me posso desapegar, porque em mim é ano novo, ano novo permanente, porque é assim que Ele me transforma, a mim e a toda a gente, que a Ele se quer entregar!


Monte Real, 30 de Dezembro de 2009
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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

NATAL - AMOR DE DEUS

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Quem já esteve com um recém-nascido ao colo apercebe-se bem da pequenez, da fragilidade, da simplicidade desse pequenino ser que, envolvido nas nossas mãos, ali se deixa estar, muito mais confiante, do que se estiver no berço, mesmo que seja o mais rico e confortável.

Lembro-me que, tendo eu umas mãos grandes, a minha mulher sorria ao ver os nossos filhos deitados na palma de uma das minhas mãos.

Tão frágeis, tão à mercê do mundo, tão sensíveis a tudo quanto à sua volta acontece, e no entanto tão confiantes naqueles que os rodeiam.

Penso então neste Menino que é Natal para cada um de nós e fico extasiado perante o amor de Deus.

O Deus Pai que nos criou e nos conhece bem melhor do que nós nos conhecemos, que conhece as nossas qualidades e os nossos defeitos, que percebe as nossas infidelidades e inconstâncias, ama-nos de tal modo que confia absolutamente em nós.

Se assim não fosse, como daria Ele o Seu Filho ao mundo, não para nascer como um rei de poder imenso, mas com a fragilidade de um recém-nascido que em tudo depende dos seus pais, daqueles que o rodeiam, que se deixa tocar e se sente confiante nas mãos dos homens que O tocam.

Este Filho que tem logo, desde o inicio da Sua vida no mundo, de fugir para não perecer pela maldade dos homens.

Este Filho que, tendo nascido como nós, é também um recém-nascido frágil e à mercê de tudo aquilo que qualquer homem queira fazer d’Ele.

Que amor, que humildade, que simplicidade, que entrega, é este nosso Deus em tudo o que se revela.

Podemos imaginar Aquele Menino nos braços de Sua mãe, na palma da mão de Seu pai na terra, e percebemos toda a fragilidade e simplicidade com que se entrega.

Transportemo-nos para o aqui e agora.
Outro tanto não é a Eucaristia?
Não se faz Ele pedaço de Pão, que colocado nas nossas mãos fica ao sabor da nossa vontade?
Não é Aquele pedaço de Pão nas nossas mãos, tão frágil como aquele Menino nos braços de Sua mãe?

Queria tanto conseguir explicar o que sinto, o que me vai na alma, o que me vai no coração, mas não encontro palavras, talvez porque não haja palavras, ou talvez porque qualquer palavra já seja demais para transmitir o que é o amor, a humildade, a simplicidade de Deus.

Perdemo-nos às vezes em discussões intermináveis sobre as coisas de Deus, tentamos fazer vingar os nossos pontos de vista, queremos mudar os outros com as nossas palavras e não entendemos que enquanto não alcançarmos a humildade, enquanto não nos deixarmos atingir pela simplicidade, enquanto não formos feitos de amor, nada do que dissermos fará sentido, nada do que dissermos transmitirá Deus aos outros, nada do que vivermos será testemunho de Deus em nós.

Se Jesus Cristo não fosse assim, Homem de pé no chão, feito de oração, amor transmitido em palavras simples, mais humilde do que os humildes, vergando-se à vontade dos homens, alguma vez as Suas Palavras teriam chegado tão longe?

Não, com certeza que não, porque o Pai nos conhece tão bem, que sabe muito bem que só na fragilidade os homens são tocados, só na simplicidade os homens melhor entendem, só na humildade os homens se tornam Homens.

Saberemos nós, verdadeiramente, alguma coisa de Deus, para além de sabermos que Ele nos ama e quer a nossa Salvação, a nossa felicidade?

Provavelmente não, mas afadigamo-nos em construir tantas vezes um deus à nossa medida, um deus que sirva a nossa vontade, que nem nos apercebemos que se a nossa vontade for o amor, for a humildade, for a simplicidade, Ele fará sempre a nossa vontade.

Então façamos nós ao contrário agora:
Façamo-nos nós recém-nascidos nos braços de Deus, deixemos que Ele nos coloque na palma das Suas mãos, façamo-nos frágeis, humildes, simples, e assim confiadamente abandonemo-nos n’Aquele que tudo pode e nada de mal nos acontecerá, e as nossas vidas serão testemunho, e os nossos gestos serão amor, e o nosso viver será humildade, e as nossas palavras serão simplicidade, porque serão d’Ele que fala por nós, tal como a mãe e o pai falam pelo seu filho que ainda não sabe falar.

Então poderemos dizer em Igreja e com a Igreja:
Vem Senhor Jesus, que eu quero renascer em Ti, por Ti e para Ti.


Monte Real, 24 de Dezembro de 2009
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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

CONTO DE NATAL 2009

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Curvado, mais pelo frio do que pelo peso da idade, caminhava apressado, arrastando os pés pela rua molhada, nem sequer sentindo que a água entrava pelos buracos dos sapatos já velhos e rotos.

Fosse esse o seu pior mal!

Tinha perdido a noção das horas e dos dias já há muito tempo, mas esta noite ele sabia qual era, e uma profunda tristeza juntava-se ao desespero da sua vida.

Era noite Natal, não tinha dúvidas, pois bastava olhar para as pessoas que por ele passavam, para perceber isso mesmo.

Enquanto caminhava naquela noite fria e chuvosa, a memória transportou-o para uma sala, onde uma lareira grande aquecia a casa e os corações à sua volta.
Mesmo ao lado da lareira o presépio, feito com todo o esmero, com musgo como deve ser, e com as figuras tradicionais que representavam aquilo que deviam representar.
No canto esquerdo da sala, a árvore de Natal, simples e discreta, porque devia ser o presépio a ocupar o lugar de destaque.
Por baixo da árvore, embrulhos de todas as cores e feitios, os presentes de Natal.

Não tinha a certeza, mas pareceu-lhe que, por debaixo da barba por fazer há tanto tempo, um sorriso se tinha aproximado dos seus lábios.

Pieguices, pensou ele, coisas do passado que já não voltam!

Mas isso obrigou-o a recordar a sua infância no Natal em casa dos seus pais, à volta do presépio, e a voz profunda do seu pai repetindo todos os anos:
Se deixarmos Jesus nascer nos nossos corações e se com Ele vivermos, nada nem ninguém nos pode tirar a paz e a alegria, e Ele nunca nos deixará sozinhos.

Tretas, disse ele entre dentes, tretas, basta bem olhar para mim!

Lembrou-se então que tinha seguido o conselho do seu pai durante uns anos.
O curso acabado, o primeiro trabalho, a primeira empresa, o seu casamento, a filha e o filho, a casa boa e a boa vida, uma aparente felicidade e a certeza de que nada lhe faltaria.
Algures durante esses anos afastou-se do conselho do pai e Jesus deixou de fazer parte da sua vida, embora, claro, comemorasse o Natal, tentando dar sempre os melhores presentes, até para mostrar como estava bem na vida.

E depois veio aquele ano terrível!
As finanças entraram em colapso, as encomendas deixaram de existir, deixou de haver dinheiro para os ordenados e finalmente os bancos exigiram o pagamento dos valores que tinha pedido para investir na empresa.
Num instante viu-se na rua, sem empresa, sem casa, sem nada e com uma vergonha impossível de suportar.
O mundo tinha-se abatido sobre ele e nada nem ninguém o podia ajudar!
Achava-se um nada, um ninguém, uma vida sem sentido e só a falta de “coragem” é que o impedia de pôr fim à vida.

Um dia não podendo suportar mais a vergonha, afastou-se definitivamente da família, dos filhos, e embrenhou-se na rua, onde passou a viver da esmola, da caridade, dos expedientes de momento, sem qualquer rumo, sem qualquer sentido, esperando apenas que a morte o levasse.

Tinha desistido de si próprio!

Tinha reparado como esta vida de rua, onde andrajoso e sujo agora vivia, podia transformar um homem em coisa nenhuma.
Havia pessoas que ele conhecia e passavam por ele na rua e, se ao princípio lhe parecia que o evitavam, rapidamente começou a perceber que agora nem o reconheciam, aliás, era um sentimento como se não existisse, ou seja, viam-no, mas era como se ele fosse transparente.

Já não havia nada a fazer, já não era ninguém, já não tinha sequer existência!

Lembrou-se então, nem percebia porquê, do conselho do seu pai, e pensou na sua miséria:
Será que se eu tivesse continuado a deixar nascer Jesus no meu coração, e a viver com Ele todos os dias, agora estaria melhor? Seria verdade que Ele estaria sempre comigo, até aqui na rua onde estou?

Voltou-lhe ao pensamento a frase que há um pouco tinha sussurrado entre dentes:
Tretas, basta bem olhar para mim!

Mas levado não sabia bem porquê, num murmúrio para si, quase desafiou Jesus dizendo:
Olha Jesus, hoje é noite de Natal. Por aqueles tempos em que Te segui arranja lá qualquer coisa que me faça sentir melhor!

Riu-se de si próprio, pensando que agora já não estava apenas só e sem nada, agora também estava louco!

Continuou a caminhar apressado, pois sabia bem que a carrinha daqueles jovens que lhes levavam à noite, comida e bebida quentes, devia estar a chegar ao sítio do costume, e ele queria ser dos primeiros, para ainda ter de beber e de comer.

Chegou enfim ao local quase ao mesmo tempo em que a carrinha aparecia, e reparou que felizmente ainda estavam poucos colegas de infortúnio à espera da distribuição da comida e da bebida.

Olhou para a carrinha e reparou que eram dois rapazes e duas raparigas que faziam a distribuição, mas logo desviou o olhar, porque se tinha vergonha de tudo, dos jovens ainda pior, talvez porque apesar de tudo, sentisse que lhes estava a dar um mau testemunho de vida, a eles que afinal ainda tinham a vida toda pela frente.

Aproximou-se de cabeça baixa e recebeu das mãos de uma das jovens uma caneca fumegante e um pedaço de pão com carne.
A jovem disse-lhe então com uma voz suave:
Ao menos olhe para mim!

Num momento fugaz levantou a cabeça de olhos fechados, com vergonha, e baixou-a imediatamente, afastando-se rapidamente do local.

Não tinha dado três passos sentiu uma mão no ombro e ouviu uma voz que lhe dizia agora mais insistentemente, quase numa súplica:
Olhe para mim!

Havia naquela voz algo familiar que o levou a levantar a cabeça e olhar nos olhos da jovem que lhe tocava.

Nesse momento ouviu outra vez aquela voz que lhe atingiu o coração, e dizia agora repassada de tristeza e alegria ao mesmo tempo:
Pai, ó pai, és tu?!

Deixou cair tudo no chão, pois aqueles braços apertavam-no de tal maneira que ele não podia quase respirar.

Abraçou-se a ela também, tremendo, a garganta seca, não o deixava proferir palavra.

Ouviu então novamente a voz da sua filha que lhe dizia:
Anda pai, vamos para casa. Temos estado todos os dias à tua espera!

Aquelas e aqueles que ali estavam à volta daquela cena, podiam jurar que naquele momento tinham ouvido um coro celestial que cantava:
Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados!


Monte Real, 3 de Dezembro de 2009
Com este Conto de Natal, quero desejar um SANTO NATAL a todas e todos os que visitam este espaço, comentando ou não.
Que o Nosso Salvador, Jesus Cristo Senhor, vos cubra e às vossas famílias, de bençãos, de paz, de alegria.
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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

SÃO JOSÉ

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Fico assim a olhar para as figuras do Presépio e os meus olhos detêm-se na figura de São José.

Quantas vezes meditamos na vida de São José?

Claro que o nascimento de Jesus Cristo prevalece sobre todos, sobre tudo e sobre todas as coisas.
Claro que a Virgem Maria é figura incontornável, porque disse sim, porque é a Mãe de Jesus Cristo, o Salvador.

E São José?

Podemos não compreender o Mistério da Encarnação de Cristo, a Sua concepção por obra e graça do Espírito Santo, pelo sim de Maria, mas compreendemos que nos planos de Deus estava o Nascimento do Seu Filho, como Homem igual em tudo e a todos, excepto no pecado.

Ora esse plano teria que incluir uma família, humanamente simbolizada num pai e numa mãe.

Temos então que nos deter também na grandeza de alma, na humildade e na entrega de José, que também ele disse sim à vontade de Deus, que também ele se entregou para que fosse feita na sua vida a vontade do Pai.

E não era fácil naquele tempo, como não é agora, saber que a sua noiva está grávida e que eles ainda não se «conheceram». Lc 1,34; Mt 1,25

Calculemos nós o que terá vivido José naquele tempo?
As suas dúvidas, as suas angústias, o seu receio de magoar Maria com uma lei que mandava apedrejar as mulheres adulteras.
E no entanto, muito provavelmente no seu coração vivia o sentimento de que tudo aquilo ultrapassava a sua compreensão, e que devia vir de Deus.

Homem justo, de oração e temente a Deus, tinha com certeza o seu coração aberto à vontade de Deus, pelo que a aparição do anjo em sonhos, Lc 2,20-24, o leva, do mesmo modo que Maria, a dizer sim à vontade do Pai.

E se José tivesse dito não?
Como seria possível a vinda do Salvador no seio de uma família?

Comparável à humildade de Maria, só a humildade de José, que em tudo se entrega para fazer a vontade de Deus.

E não era despicienda a figura de José, porque Deus o encarrega efectivamente de velar por aquela família, pois é a José que são mostrados os caminhos que devem percorrer para proteger Jesus Cristo, para proteger Maria, como na fuga para o Egipto, Lc 2, 13-15 e no regresso a casa, Lc 3, 19-21 e até e ainda onde a família devia morar Lc 3, 22-23.

E José era efectivamente na terra o pai de Jesus, pois Ele lhe era submisso. Lc 3, 51

E depois, nada mais os Evangelhos nos dizem sobre José, que tendo assistido ao Nascimento de Jesus, que tendo visto as maravilhas operadas no Seu Nascimento, já não tinha dúvidas no seu coração, e no entanto permaneceu na sombra, na humildade, na doação total da sua vida.

Como temos nós tanto a aprender com São José, que de tão humilde e entregue a Deus, ainda hoje passa tantas vezes despercebido em toda a vivência do Natal!
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