segunda-feira, 18 de março de 2024

CAMINHO DE QUARESMA XIII

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Olho para a minha cruz e sinto-a tão pesada.

Quero, então, arranjar desculpas para todo esse peso.

Penso que são coisas da vida, são coisas do mundo, foram os outros que lhe deram peso, ou até o demónio que a faz pesar, e tudo serve para me desculpar do peso da minha cruz.

Mas tenho que reconhecer que a verdade é que muito desse peso da minha cruz, foram as minhas más escolhas, as minhas más atitudes, os meus erros, os meus vícios, as minhas fraquezas, o meu feitio que não quis corrigir, e tantas coisas erradas que fui fazendo ao longo da minha vida.

Olho para a minha cruz e, resignado, coloco-a sobre os meus ombros para a levar.

Outros à minha volta pedem-me ajuda para levarem as suas cruzes, mas eu não lhes dou atenção, porque acho que a minha cruz me basta.

Ouço então a voz d’Aquele que carregou as nossas cruzes feitas Sua Cruz, que me diz:
Não carregues a tua cruz com resignação, mas sim com aceitação, percebendo que à medida que a carregas, a podes ir aliviando do seu peso com a tua conversão, com o teu propósito de emenda, com a tua reconciliação Comigo e com os outros, e lembra-te sempre que Eu carreguei a tua cruz e a de todos na Minha Cruz, por isso ajuda o teu irmão, como Eu te ajudo a ti a levares a tua cruz.

Percebo então o que dizes e já com mais alento, sabendo que Tu a carregas comigo, faço-me à estrada da vida para ir ao Teu encontro.

Pelo caminho vou tentando ajudar outros a levarem as suas cruzes, como também a mim eles me ajudam.

Não sei se é alegria, se é paz, se é amor, mas desde que aceitei a minha cruz e a coloquei aos ombros, parece que já não me pesa tanto.

És Tu Senhor sem dúvida, que me ajudas a levá-la aliviando o seu peso.


Senhor
perdoa-me por tantas vezes recusar a minha cruz, fruto das minhas fraquezas e falta de perseverança.
Faz-me forte, Senhor, não só para carregar a minha cruz, mas também para ajudar os outros com as suas cruzes.
E obrigado, Senhor, porque na maior parte do tempo és Tu que carregas a minha cruz sozinho, quando eu me afasto de Ti.
Tem compaixão, Senhor, que eu sou pecador.
Amen.







Marinha Grande, 18 de Março de 2024
Joaquim Mexia Alves

sexta-feira, 15 de março de 2024

CAMINHO DE QUARESMA XII

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Neste caminho quaresmal que queremos percorrer, também nos pedes, Senhor, que passemos à outra margem (Mc 4, 35).

Pedes-nos que abandonemos a falsa segurança da margem em que vivemos, do nosso conforto, da nossa rotina, dos nossos saberes e sentires, das nossas “coisinhas”, e que, confiando inteiramente em Ti, passemos à outra margem, aquela margem onde Tu nos esperas.

Mas nós temos muitas vezes medo de abandonar o que damos por adquirido, mesmo que não seja o ideal.

Temos medo de arrostar com o mar que nos separa da outra margem, porque não sabemos navegar e a barca da nossa vida é muito insegura e fraca, e mais vale estar nesta margem parado sem nada fazer, do que fazer caminho para Te encontrar verdadeiramente nas nossas vidas.

Mas Tu, Senhor, dizes-nos cheio de amor e compaixão que, apesar de nos esperares na outra margem, também atravessas connosco os mares das nossas vidas.

E repetes-nos aos ouvidos, “homens de pouca fé”, e depois acalmas as tempestades dos nossos mares, mandas calar o vento que sopra ameaçador, vens ter connosco sobre as águas e, quando por fraqueza nos afundamos, dás-nos a Tua mão e salvas-nos dos abismos.

E tantas vezes que nós, mesmo assim, deixamos a nossa barca da nossa vida em terra, julgando-nos seguros, e não a queremos colocar na água, para passarmos à outra margem.

Empurra, Senhor, nós Te pedimos, a barca da nossa vida para o mar, faz-nos desfraldar as velas deixando que o vento do Espírito Santo sopre sobre elas e nos leve mar fora ao Teu encontro.



Senhor
mostra-me o mar que devo atravessar para chegar à outra margem.
Vem comigo a navegar e faz soprar o vento do Espírito Santo na barca da minha vida.
Aumenta a minha fé, a minha confiança, a minha esperança.
E abraça-me, Senhor, na outra margem a que me queres levar.
Amen.







Marinha Grande, 15 de Março de 2024
Joaquim Mexia Alves

quarta-feira, 13 de março de 2024

CAMINHO DE QUARESMA XI

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E o perdão, Senhor?
É tão difícil, por vezes perdoar.

Eu sei, meu filho, mas lembra-te do que dizes quando rezas o Pai Nosso que Eu te ensinei.

É verdade, Senhor, por vezes é tão “mecânica” a forma como o rezo, que nem me detenho a pensar se realmente já perdoei as ofensas que me fizeram.
Mas, Senhor, há certas ofensas muito difíceis de perdoar.

Sim meu filho, com certeza que há. Mas são precisamente essas mais difíceis de perdoar que mais necessitam da tua atenção e da tua vontade de perdoar, porque são essas que te retiram a paz e a tranquilidade e, por vezes, até te provocam mau estar, mesmo físico.

Eu tento, Senhor, mas por vezes até me parece que não estou a ser verdadeiramente sincero nesse meu desejo de perdoar.

O que interessa, meu filho, é a recta intenção do teu coração, a tua vontade firme de querer perdoar, e depois, abre-te ao Meu amor em oração por quem te ofendeu ou tu ofendeste, e deixa que no Meu amor, deixa que o Espírito Santo, vá fazendo do perdão vida em ti.

Porque é tão importante, Senhor, o perdão?

Meu filho, como queres tu amar-Me se o teu coração rejeita alguém?
Como queres tu amar-Me, se não vives no amor?
Como queres tu ser comunhão Comigo, se estás dividido em ti?
Como queres tu viver a paz que Eu te dou, se não tens paz em ti?
Como queres tu sentir a minha alegria, se o teu coração está triste, porque ainda não perdoaste?

É verdade, Senhor, reconheço tudo isso, mas sou tão fraco!

Meu filho, já nem te lembro do que Eu fiz quando morri por ti e por todos, e perdoei aos meus algozes, mas lembro-te de Estevão, que apedrejado, pedia por aqueles que o matavam.

Oh, Senhor, mas Estevão era Estevão e eu sou nada comparado com ele.

Isso não é verdade, meu filho. Tu és como Estevão, um homem exactamente como ele a quem Eu amo com amor idêntico.
Dentro de ti está a mesma centelha divina que estava em Estevão, como está em todos.
Só tens que te agarrar a ela, deixar que ela seja vida em ti e encontrarás então toda a força que necessitas para perdoar e amar os outros com o Meu amor.

Obrigado, Senhor! 
Como sempre estas conversas Contigo trazem-me sempre a paz e o amor que necessito para viver.


Senhor
atrevo-me a pedir-Te o que sabes ser necessário para eu viver o perdão, para viver em amor.
Que o Espírito Santo me recorde continuamente que se estou dividido, se não estou em paz, se não amo, se não perdoo, também não posso estar em comunhão Contigo, porque estou a excluir alguém dessa comunhão.
Creio, Senhor, firmemente que no Teu amor posso perdoar sempre e sempre ser amor para os outros.
Obrigado, Senhor.






Marinha Grande, 13 de Março de 2024
Joaquim Mexia Alves

segunda-feira, 11 de março de 2024

CAMINHO DE QUARESMA X

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Não queres viver na escuridão, mas por vezes parece que também não queres a luz.

Viver na escuridão é viver sem horizonte, é viver sem esperança, é viver fechado em si mesmo, é viver sem caminho, é viver sem alegria, é viver sem viver.

Ah, mas na luz, tudo é diferente!

O horizonte está à nossa frente, vivemos a esperança de o alcançar, vivemos vendo os outros que se cruzam nas nossas vidas, vemos o caminho, vemos as cores da vida e alegramo-nos com elas.

Para vencer verdadeiramente a escuridão, as trevas, só uma luz o consegue fazer, e essa Luz é Jesus.

E Ele é sempre a Luz que nos quer guiar, que nos quer mostrar o caminho, que nos quer libertar de toda a escuridão que sempre nos rodeia.

Por vezes queremos seguir caminhos sem luz, e, então, a Luz de Jesus apaga-se em nós, (embora fique sempre a brilhar no fundo do nosso coração), e nós perdemo-nos no caminho, tropeçamos, caímos, talvez nos levantemos, mas voltamos sempre a cair, porque a escuridão nos rodeia, nos aprisiona e não nos deixa ver a vida que se esvai sem sentido.

Mas porque a Luz de Jesus fica sempre a brilhar, mesmo no fundo do nosso coração, basta-nos abrir o coração e deixar que a Luz de Jesus tome conta de nós, e ilumine o caminho que Ele mesmo é, e se nos oferece constantemente.

«Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.» Jo 14, 25-26

“Acendamos” o Espírito Santo em nós, ou melhor, deixemos que Ele se faça vida em nós, que nos faça sentir o amor do Pai, que nos revele verdadeiramente Jesus, porque como diz o salmista «é na Tua luz que vemos a luz» Sl 36, 10







Marinha Grande, 11 de Março de 2024
Joaquim Mexia Alves

sexta-feira, 8 de março de 2024

CAMINHO DE QUARESMA IX

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Entras na igreja, ajoelhaste, rezas, pedes a Deus que te ajude na confissão que queres fazer de todos os teus pecados.

Já fizeste o teu exame de consciência, mas ainda tens aquele receio de te esqueceres de qualquer coisa que tenhas feito mais segundo a tua vontade do que segundo a vontade de Deus.

Lembras-te, no entanto, que a Igreja te ensina que aqueles pecados que não confessares por verdadeiramente não te lembrares deles no momento do Sacramento da Reconciliação, te são também perdoados, pois a tua recta intenção era confessá-los também.

Colocas a cabeça entre as mãos e deixas-te ficar ali, frente ao sacrário, aguardando o momento de te confessares, pensando que Deus extraordinário é este que se coloca assim de braços abertos para acolher e perdoar os Seus filhos.

No teu coração e na tua mente arrependes-te sinceramente de teres cometido tais faltas e ali, frente a Jesus sacramentado, tomas o compromisso sério e firme de não voltar a cometer tais faltas.

Aproximas-te do sacerdote que te espera no confessionário.

Vem ao teu coração que a Igreja também ensina que o sacerdote ali presente para o Sacramento da Reconciliação, está “in persona Christi”, ou seja, é Jesus Cristo que ali está, por meio do sacerdote, para te ouvir e abraçar no perdão.

Fazes o sinal da cruz e interiormente dás graças desde já a Deus por te ter trazido até ali e por estar ali naquele sacerdote para te ouvir e perdoar.

Desfias os teus pecados, começando por aqueles que te parecem mais “pesados”, para depois, baixando a cabeça envergonhado, contares aqueles que te atormentam todos os dias e ainda não conseguiste vencer totalmente, por isso os vais repetindo tantas vezes.

O sacerdote olha para ti, sorri, e começa por te dizer que essas faltas que repetes, são uma constante das nossas vidas, mas que, se tomamos consciência delas e as combatemos, só podemos esperar que, com a ajuda do Espírito santo, um dia venceremos essas nossas fraquezas.

Reconheces, num instante, no teu coração que já deixaste para trás muitas dessas fraquezas que te assaltavam todos os dias, embora ainda tenhas outras para combater diariamente.

Ouves atentamente o sacerdote e vais sentindo a leveza do perdão entrando em ti.

Rezas convictamente o acto de contrição e recebes humildemente a absolvição que te é dada pelo Senhor Jesus Cristo, que age por meio do sacerdote ali presente, e que Se entregou por ti, que Se fez homem como tu, que concedeu aos Apóstolos e seus sucessores essa graça imensa de em Seu Nome, perdoarem os pecados dos homens arrependidos.

Sais do confessionário com um sorriso no rosto, sentes-te aliviado, sentes-te renovado, sentes-te reconciliado com Deus e contigo próprio.

Ajoelhas-te mais uma vez frente ao sacrário para rezares a penitência que te foi dada.

Mas deixas-te ficar ali mais um pouco a gozar aquele momento de paz interior e até exterior que sentes agora.

No teu coração, na tua mente, na tua boca, sai apenas um agradecimento profundo ao Deus que te abraça e acolhe como um filho querido e amado, e vais repetindo:
Obrigado, meu Senhor e meu Deus, obrigado!






Marinha Grande, 8 de Março de 2024
Joaquim Mexia Alves

quarta-feira, 6 de março de 2024

CAMINHO DE QUARESMA VIII

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Como é a minha oração?

Rezo para cumprir uma espécie de obrigação, ou rezo para estar na relação de amor com Deus?

Rezo, se calhar, até quase como uma “superstição”, como que com medo do que possa acontecer se não rezar, ou rezo porque me quero unir no meu dia a dia a Deus?

Tantas perguntas que poderíamos fazer sobre a nossa oração.

Neste tempo de Quaresma demos mais tempo à nossa oração, sobretudo tentemos perceber como é a nossa oração.

Que diria qualquer amigo nosso se em cada encontro que tivéssemos apenas lhe pedíssemos coisas?

Ainda mal o encontrávamos, quase nem lhe perguntávamos como estava, e já estávamos a pedir tudo e mais alguma coisa.
Talvez que esse amigo um dia se cansasse de nós.

Felizmente com Deus tal nunca se passará, porque Ele nunca se cansa de nós, mesmo que as nossas conversas, ou seja, as nossas orações, sejam apenas só para pedir.

Mas realmente não fica bem melhor começar sempre uma conversa seja com quem for, cumprimentando primeiro, perguntado pela pessoa e até, por vezes, fazendo algum elogio à sua figura, à sua vida.

E Deus, precisa que façamos isso com Ele?

Claro que não, mas, com certeza, humanamente falando, ficará bem mais agradado se começarmos a nossa conversa, a nossa oração, portanto, louvando e dando graças a Deus por Ele se fazer sempre presente para nós.

Às vezes é tão mais simples percebermos a nossa relação com Deus, quando percebemos as nossas relações com os que nos rodeiam.

Quando somos crianças e queremos qualquer coisa dos nossos pais, começamos sempre a conversa dizendo do nosso amor por eles, para depois então pedirmos o que queremos.

E com Deus, não será assim também?

Comecemos as nossas conversas com Deus, as nossas orações, louvando-O, bendizendo-O, agradecendo desde logo porque nos ouve e nos atende sempre segundo a Sua vontade e no Seu tempo, que é sempre, (embora por vezes não o percebamos), o melhor para nós e para as nossas vidas.

E depois peçamos, com humildade e, sobretudo, reconhecendo Deus como o Todo Poderoso, Aquele que tudo pode, entregando-nos à Sua vontade.

Aliás, tomemos como exemplo a oração do leproso e, com certeza, estaremos a rezar como convém pelos outros e por nós:

«Senhor, se quiseres, podes purificar-me.» Mt 8, 2







Marinha Grande, 6 de Março de 2024
Joaquim Mexia Alves

segunda-feira, 4 de março de 2024

CAMINHO DE QUARESMA VII

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Porque não Me ouves e fazes a Minha vontade Meu filho?

Julgas por acaso que quero a tua obediência para mandar em ti?

Não sabes tu que te criei livre e é em liberdade que Eu quero que vivas?

O Meu amor por ti é tão grande que nunca te tiraria a liberdade que te dei.

Se te peço, ouve bem, peço, não obrigo, que ouças a Minha voz e faças a Minha vontade para ti, é porque sei bem o que é melhor para a vida que te dei.

É porque sei que só fazendo a minha vontade és realmente livre, porque Eu sou o único que não te aprisiono, nem exijo por obrigação nada de ti.

Eu não exijo, Meu filho, Eu mostro-te, Eu faço-te sentir, que só em Mim podes encontrar a verdadeira vida.

Sabes bem que Eu sou o caminho, a verdade e a vida.

E sabes também que o pecado, qualquer que ele seja, te aprisiona e condiciona, vicia-te, porque já viveste essas situações.

Eu não sou um vício, sou a liberdade, porque sou só amor, e o amor verdadeiro não vicia, antes liberta, porque o que ama nunca quer condicionar o que é amado.

E porque sou só amor, também sou verdade, porque Aquele que ama verdadeiramente é sempre verdade para o amado.

E, sendo Eu, amor, e por isso mesmo, sendo liberdade e verdade, sou então caminho seguro para ti e para todos.

Porque só um caminho de amor, de liberdade e de verdade é que te pode levar à felicidade, à salvação, que te alcancei pela minha entrega total por ti, em amor.

Ouve a minha voz, entrega-te em amor, para no Meu amor, seres amor em Mim e para os outros.


Senhor
aqui estou!
Muitas vezes os ouvidos do meu coração, da minha vida, estão surdos e não querem ouvir a Tua voz.
Por isso Te peço que os abras para que, ouvindo a Tua voz na minha vida, me entregue e viva no Teu amor, para Ti, e em Ti para os outros.
Amen.




Marinha Grande, 4 de Março de 2024
Joaquim Mexia Alves

sexta-feira, 1 de março de 2024

CAMINHO DE QUARESMA VI

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Pergunto-me, neste caminho interior que vou fazendo na Quaresma, se a minha entrega a Ti é real, verdadeira, ou se não passa de uma intenção em que eu deixo sempre de fora o que eu quero e o que acho que devo viver.

Se quiser ser verdadeiramente honesto comigo próprio, preciso de perceber que nesta entrega que Te faço de mim deixo muitas coisas fora, como se as guardasse para me servir da minha própria vontade, consoante o que eu penso ser melhor para mim.

Mas então isso significa que a minha confiança em Ti, ou seja, a minha confiança de que Tu só queres o meu bem e o meu melhor, é uma confiança fraca, cheia de “buracos”, porque me guardo afinal de me entregar por completo.

Pobre de mim quando constato isto mesmo.
Saberei eu por acaso o que é melhor para mim?
Saberei eu por mim mesmo, que caminho devo seguir?
Poderei eu salvar-me a mim próprio?

E, no entanto, guardo-me, escondo-me, (como se me pudesse esconder de Ti), e dou-Te aquilo que eu penso que queres, mas não me dou por inteiro, não me entrego cheio de confiança nas Tuas mãos, não me entrego decididamente ao Teu amor.

Sim, eu sei, Senhor, que este entregar por inteiro a Ti, não significa ficar quieto à espera de qualquer coisa que me queiras dar, que queiras fazer em mim.

Tu não me queres passivo, mas activo.
Sim queres que eu não faça o mal, mas queres, sobretudo, que eu faça o bem.

E o que guardo eu para mim, que não Te entrego confiadamente?
Tantas coisas, Senhor!

Muitas delas coisas materiais, a segurança do dinheiro, por exemplo, sabendo eu, tendo eu consciência perfeita de que Tu nunca me faltaste, mesmo em momentos terríveis que passei quase sem esperança de encontrar sustento para viver.

Acredito, Senhor, que Tu não queres que me despoje de tudo, mas apenas que não me apoquente tanto com o futuro, porque se viver entregue a Ti, com certeza me guiarás em tudo o que devo fazer e nunca me faltarás.


Senhor
que nesta Quaresma eu me entregue um pouco mais a Ti.
Que deixe as minhas reservas mentais de lado e me abandone decididamente em Teus braços.
Eu confio, Senhor, mas aumenta a minha confiança.
Amen.




Marinha Grande, 1 de Março de 2024
Joaquim Mexia Alves

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

CAMINHO DE QUARESMA V

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Este tempo de Quaresma é sempre o tempo ideal para caminharmos num deserto isento de ruídos, de imagens, de impressões, de certezas adquiridas, enfim, de tudo aquilo que muitas vezes nos mascara para nós próprios.

É por isso um tempo de entrarmos em nós, de nos conhecermos verdadeiramente, de percebermos realmente como somos e como reagimos, e, como em tudo isso que somos ou aparentamos ser, discernir se temos ou não Cristo em nós, ou melhor, se somos verdadeiramente discípulos de Cristo.

Para isso é preciso um exercício de profunda humildade, porque para reconhecermos as nossas poucas ou muitas virtudes é fácil e aceitamo-las de imediato, mas já para reconhecer as nossas fraquezas, os nossos defeitos, a dificuldade é enorme e por vezes temos dificuldade para os aceitar e os combater.

E, obviamente, é sempre difícil sermos verdadeiros connosco próprios, sobretudo no que diz respeito ao que não está bem, ao que não é bom, por isso, nessa viagem pelo deserto que devemos fazer de nós próprios, não poderemos ir sós, mas sim acompanhados, ou melhor, envolvidos e deixando-nos conduzir pelo Espírito Santo.

E o Espírito Santo, com todo o Seu infinito amor, convencer-nos-á do pecado em nós (Jo 16, 8), mas ao mesmo tempo levar-nos-á ao arrependimento, à confissão, ao propósito de emenda.

Porque só convencidos do pecado, só convencidos de que realmente somos pecadores, não como um exercício de, digamos, autoflagelação, mas como um exercício de verdade, podemos perceber como o pecado nos aprisiona e, ao mesmo tempo, como Deus nos quer libertar de todo o mal, e assim, levar-nos ao arrependimento, para no Seu amor encontrarmos o verdadeiro amor e a salvação.

«Arrependei-vos e acreditai no Evangelho» Mc 1, 15

Como podemos nós arrepender-nos se não nos reconhecemos pecadores?
E se não nos arrependemos, como podemos nós acreditar no Evangelho?

Acreditando no Evangelho, ou seja, fazendo do Evangelho a nossa prática de vida, («Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática.» Lc 8, 21), seremos então discípulos de Cristo guiados pelo Espírito Santo no deserto que quisermos percorrer e, então, encontrar-nos-emos connosco próprios e conhecendo-nos, percebermos e vivermos Cristo em nós.

Senhor,
conhecendo-me verdadeiramente saberei como sou nada.
No entanto, na humildade de me reconhecer pecador, entrego-me a Ti, e em Ti posso ser tudo o que Te aprouver, mesmo sendo nada.
Amen.





Marinha Grande, 28 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

CAMINHO DE QUARESMA IV

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Fechamos os olhos, deixamos que a música, o Requiem de Mozart nos entre pelos ouvidos, passe pela nossa mente e chegue ao nosso coração.

Deixamo-nos tocar por Deus que deu ao homem tais talentos que o leva compor música de uma tal grandeza que percebemos que vai para além da humanidade, pois transporta-nos para outro espaço que não dominamos, mas antes vivemos numa profunda interioridade.

Talvez até uma lágrima ou outra despontem nos nossos olhos, mas deixamo-las correr, deixamos que elas lavem pelo menos por um escasso tempo tudo o que é fealdade no mundo.

Sim, não faz mal nenhum deixarmo-nos transportar para um universo de melodia, de força, de energia, de algo que nos leva a perceber, atendida as necessárias e percebidas diferenças, como este conjunto de notas musicais nos levam a viver o universo criado por Deus, entre estrelas, planetas, galáxias que perfeitamente se encaixam umas nas outras.

Pelo menos a mim a música, esta música, leva-me sempre ao encontro com Deus, porque esta perfeição apenas pode ser graça d’Ele ao homem.

E o caminho de Quaresma?

Por este tempo efémero, como é o nosso tempo físico, deixo que o meu caminhar no deserto seja acompanhado por esta música, por esta exaltação que sinto, porque ao ouvi-la me sinto pequeno, um quase nada e me maravilho pensando como é possível que um homem, ser tão finito no tempo físico, ser capaz de compor algo que vai para além do tempo e se transporta e nos transporta para todo o tempo.

Eterno e infinito é Deus, mas quando Ele nos criou à Sua imagem e semelhança, também nos fez participes dessa Sua eternidade, (se com Ele quisermos viver para sempre), e a música, esta música como outras de grandiosidade inquestionável, tornam-se também quase eternas, porque vindas d’Ele para o homem, podem levar o homem para Ele, ao reconhecer que tudo o que é bom nos vem apenas e só de Deus.

De olhos fechados, levado pelos passos da música, apenas abro o coração e repito sem cessar, num silêncio que não quer quebrar a harmonia:

Aqui estou, Senhor!
Leva-me pelo deserto, guia-me no caminho, dá-me a mão, faz-me viver o Teu amor, a Tua graça.
Perdoa-me porque tantas vezes não vejo a beleza da Tua criação, a beleza e perfeição de tudo o que criaste para o homem e pelo homem.
Ensina-me a encontrar-Te em mim, no amor, na humildade, na entrega, na doação.
Leva-me à oração contínua como se fosse música para os Teus ouvidos.
Faz de mim o quiseres e faz-me viver cada passo no deserto como uma nota de música em que Te fazes presente para mim e para todos.






Marinha Grande, 26 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

CAMINHO DE QUARESMA III

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Nestes últimos dias surgiu nas redes sociais uma suposta mensagem do Papa Francisco sobre o jejum.

Basta ler os termos usados na mensagem para se perceber de imediato que a mesma não pode ser do Papa, que é aliás “alvo” de muitas destas mensagens, que são sempre uma deturpação daquilo que ele disse.

O que é interessante, é perceber, do meu ponto de vista, claro, como nos apressamos a dar como certo algo que nos parece afinal mais fácil do que aquilo que a Igreja ao longo dos tempos nos pede como caminho para e com Deus, muito especialmente neste tempo da Quaresma.

Obviamente que um cristão que coloca em prática a Palavra de Deus no seu dia a dia, que se deixa guiar pelo Espírito Santo, sabe perfeitamente que o jejum, ou seja, a contenção na comida, a abstinência de comer carne, etc., não tem “efeito” na nossa vida a não ser que seja acompanhado com uma verdadeira interioridade espiritual, com uma forte vontade de contrição e conversão, com um entregar-se decididamente à vontade Deus, e que, se assim for, nos abre sem dúvida nenhuma aos outros, sobretudo àqueles que mais necessitam, seja material ou espiritualmente.

Porque o Espírito Santo conduz-nos sempre à caridade, não à “caridadezinha”, mas à caridade/amor, que é sempre doação de cada um ao outro, em Jesus Cristo.

E a caridade não se impõe, é livre, é vontade de cada um e como tal não se pode reduzir a um preceito apenas, mas sim, que esse preceito, essa prática, seja vivida como fonte de vida, como entrega a Deus nos outros, com a alegria serena de quem quer fazer a vontade de Deus, porque acredita que só vivendo assim pode alcançar a vida plena prometida por Jesus Cristo, desde sempre e para sempre.

E a caridade que não se impõe, que é livre, que é vontade de cada um, só o é verdadeiramente na medida em que estamos em comunhão com a Caridade perfeita que é Deus em todas as coisas, e assim, não procuramos apenas cumprir um preceito, mas sim porque queremos procurar e encontrar Deus na doação da nossa vontade, na doação de nós próprios.

E, (sem grandes “teologias” para as quais não tenho conhecimentos), os preceitos, as práticas existem para nos lembrar que, se queremos viver em plenitude a vida que Deus nos dá, apenas o podemos fazer em comunhão com Ele, e essa comunhão com Deus é sempre, mas mesmo sempre, comunhão com os outros, não só em Igreja, mas também com todos os que ainda não estão, não são, Igreja.

É tão mais fácil procurar mensagens, frases, atitudes, que parecem aliviar-nos de uma qualquer “carga” que nos parece colocarem em nós.

Mas em Deus e com Deus nada se faz por obrigação, mas sim por amor, porque se amamos, ou queremos amar verdadeiramente Deus, então tudo em nós é feito por amor, para que esse amor seja cada vez mais completo e mais vida em nós.

Então, digamos assim, não há preceito, nem prática, como obrigação imposta, mas sim como caminho que procura cada vez mais o amor de Deus para sermos de Deus e com Deus e em Deus para os outros.

Quanto à tal falsa mensagem do Papa Francisco, que realmente nos chamou a atenção, mas de modo bem diferente, para uma prática de jejum correcta, nada trouxe de novo, digamos assim, porque se realmente entrarmos no nosso íntimo, se inquirirmos o nosso coração, se nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo, imediatamente percebemos que o jejum só tem sentido quando vivido na caridade e na entrega a Deus e aos outros.

Até porque essa tal falsa mensagem passa a ideia de que não precisamos de fazer jejum nem abstinência se formos “bonzinhos” para os outros!







Marinha Grande, 22 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

CAMINHO DE QUARESMA II

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Voltava eu do campo quando vi aquela multidão numa rua de Jerusalém.

Vi-me num instante no meio daquela gente que ululava como possessa, perante um Homem que transportava uma cruz.

O Homem estava desfigurado, ferido, ensanguentado, era a imagem de um desprezado, de um proscrito, de um condenado e, no entanto, emanava d’Ele uma força, uma bondade que eu não conseguia entender.

Arrastava-se penosamente com o peso da cruz, e a sua face estava coberta de sangue que provinha de uma coroa de espinhos que tinha colocada na cabeça.

Era uma imagem desoladora e eu vivia um misto de pena e receio, ao mesmo tempo que sentia um desejo de O ajudar, mas o medo dos soldados ali presentes impedia-me de o fazer.

Absorto nos meus pensamentos sobre tudo o que aquilo significava, senti-me agarrado por dois soldados que, sem nada me perguntar, me obrigaram a ajudar Aquele Homem a transportar a Sua cruz.

Incapaz de reagir dei por mim a colocar a Sua cruz nos meus ombros e a seguir Aquele Homem na Sua caminhada para a crucificação.

Não conseguia perceber se a cruz me pesava mais do que o sentimento que tinha de me sentir também invectivado por aqueles que O ofendiam, quando eu afinal nada tinha a ver com tudo aquilo.

Coisa estranha, pensei eu, sentia aquela cruz como um pouco das cruzes da minha vida que tantas vezes me recusava a carregar.

Quanto mais caminhávamos, com grande dificuldade, mais o meu coração se ia enchendo de compaixão por Aquele Homem, que eu não conhecia, mas sentia como Alguém muito próximo de mim.

Chegados ao Calvário, Ele olhou para mim com os olhos mais doces que alguma vez eu tinha visto e senti-me envolvido num amor para mim incompreensível, mas que eu percebi bem que vinha d’Ele.

Fiquei ali, extático e sem reação, a olhar para a crucificação, para a agonia d’Aquele Homem, que eu sentia no meu coração inexplicavelmente, até à Sua morte, antecedida de um pedido de perdão ao Seu Pai por todos aqueles que O matavam.

No caminho de regresso a casa senti a voz d’Aquele Homem que me dizia docemente:
Simão de Cirene, obrigado por Me teres ajudado a levar a Minha cruz. Fica a saber que nela estava também a tua cruz do dia a dia e que, de agora em diante, serei Eu que te ajudarei a carregares a tua cruz todos os dias.

Do meu coração apenas saía um contrito obrigado, Senhor, obrigado!

Ah, Senhor, quisera eu ser Simão de Cirene, mas por vezes nem a minha cruz eu quero levar!




Marinha Grande, 20 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

CAMINHO DE QUARESMA I

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Prostrado no chão, sinto o peso dos meus pecados e arrasto-me como um penitente à procura de perdão.

Ouso levantar os olhos e vejo-Te, Jesus, de pé, com a bondade estampada no rosto e os braços abertos para mim.

Perguntas-me cheio de amor:
Porque estás assim prostrado no chão, vergado com todo esse peso que colocaste nos teus ombros?

Eu nem ouso olhar-Te, mas respondo num murmúrio envergonhado:
É a minha vergonha, Senhor, o peso dos meus pecados quando não fiz a Tua vontade e me afastei de Ti.

Ouço novamente a Tua voz que ecoa no meu coração dizendo-me:
Mas meu filho, Eu já te libertei de todo esse peso. Sei do teu arrependimento, da tua contrição, por isso já te perdoei no Meu coração.

Olho-Te então novamente e digo com voz suplicante:
Senhor, mas este peso parece que não me deixa levantar, parece que me abate e não me deixa viver a vida que Tu me queres dar.

A Tua voz torna-se ainda mais amorosa, se tal é possível, porque ela está sempre repassada de amor eterno:
Levanta-te, vamos! Quero-te aqui Comigo, nos Meus braços, junto ao Meu coração, deixando-te envolver no Meu perdão, no Meu amor.

Levanto a cabeça e vejo a Tua mão estendida para mim, chamando-me do chão onde teimava em permanecer.

Dou-Te a mão e Tu, Jesus, puxas-me para Ti, encostas-me ao Teu peito e, com um sorriso lindo, dizes:
Meu filho, foi para isto que Eu vim, para carregar as tuas fraquezas na Minha Cruz, para me entregar inteiramente por ti e assim te libertar do peso do pecado que te quer arrastar pelo chão. 
Levanta-te, vamos! Quero que faças Comigo esta viagem pelo deserto do nosso permanente encontro. Deixa-te guiar pelo Espírito que derramo em ti. Coloca um sorriso nos teus lábios, enche de confiança o teu coração, deixa que a esperança te faça caminhar, porque Eu estou contigo e nunca te hei-de deixar.

Levanto-me, reconheço-me pecador, mas isso já não é para mim uma opressão, uma prisão, porque no Teu amor, Senhor, encontrei a libertação, encontrei a salvação.





Marinha Grande, 16 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

QUARTA FEIRA DE CINZAS E QUARESMA

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É sempre assim desde há alguns anos para cá quando se aproxima a Quarta Feira de Cinzas, a Quaresma.

O meu coração torna-se mais pequeno, ou maior, nem sei bem, e enche-se de uma alegria contida, de uma confiança, de uma esperança, de uma vontade tremenda de entrar em mim próprio e procurar tudo o que está mal e tudo o que está bem, e com os olhos do coração fixados em Jesus Cristo, deixar que o Espírito Santo tome conta de mim e me leve no caminho contrição, no caminho da confissão, no caminho da conversão, que desperta ainda mais em mim, com uma força inabalável.

E se me “cubro” de cinzas nesse primeiro dia de Quaresma, deixo que ao longo dos dias essas cinzas tornem em cinza também tudo aquilo que me entristece por não ter sido capaz de resistir a tanta coisa errada que sempre acabo por fazer.

Não me deleito com as minhas fraquezas, como um predestinado, mas deixo que elas me façam sentir a minha inconstância, a minha infidelidade, o meu pobre amor por Jesus Cristo Nosso Senhor.

Não me derrotam essas fraquezas, não me destroem nem aniquilam, porque colocadas nas mãos do Salvador, com um arrependimento que sempre quero sincero, acabam por me fazer mais forte para as combater, quando elas regressam, e sim, sempre regressam, porque são caminho de conversão de todos os dias.

Mas no fundo das cinzas, quase tapado por elas, há sempre uma réstia de fogo, que é o Espírito Santo que teima em não se apagar, pois só precisa do meu sim, para me reacender e reavivar.

E é então que o coração pequeno por causa das fraquezas que o apertam, se torna ainda maior para poder conter o amor de Deus, que me toca, me envolve, me chama e me salva de mim próprio.

Abençoada culpa, que me mostra o meu pecado, me leva ao arrependimento, e me traz o perdão do meu Deus que deu a vida por mim.

É sempre assim desde há alguns anos para cá quando se aproxima a Quarta Feira de Cinzas, a Quaresma.





Marinha Grande, 14 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

MAJOR HUMBERTO BORDALO XAVIER

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Sou hoje confrontado com o falecimento do “meu Capitão” Bordalo, que nunca chegou a ser “meu Capitão”, mas era e foi sempre o meu Capitão Bordalo.

Quando fui enviado a comandar tropas guineenses, muito especialmente o Pelotão de Caçadores Nativos 52, conheci em Bambadinca o então Cap. Bordalo, que era o comandante da Companhia de Caçadores 12, constituída também por militares guineenses, enquadrados por oficiais e sargentos da então metrópole.

Ambos temos o curso de Operações Especiais, (ele bem antes de mim), hoje conhecidos como Rangers.

A amizade entre os dois foi imediata e a nossa maneira de ser e de pensar tornou-nos extremamente unidos.

O Capitão Bordalo era um homem simples, sem alardes, (como são sempre os grandes homens), e um combatente extraordinário, que galvanizava as suas tropas por ser sempre o primeiro a liderar, mas também o primeiro a defender aqueles que estavam debaixo das suas ordens e, isso mesmo, incutiu em mim, o que nos trouxe alguns “amargos de boca” com alguns superiores nossos.

Nunca servi directamente sob as suas ordens, mas fizemos algumas operações militares conjuntas da sua C. Caç. 12 com o meu Pel. Caç. Nat. 52.

Numa altura em que as condições de vida a que eu com outros, estávamos sujeitos, o Cap. Bordalo foi o garante da minha “sanidade mental”, com o seu apoio sempre próximo, franco e amigo.

Retenho na memória, há uns anos em Monte Real, quando eu estava ao fim da tarde a jogar ténis no campo frente ao Hotel das Termas e vejo parar um carro e dele sair uma pessoa que me pareceu o Cap. Bordalo.

Achei que não podia ser, mas roído pela curiosidade pedi desculpa ao meu parceiro e fui perguntar ao porteiro do Hotel quem era a pessoa que tinha chegado.
A resposta deu como certa a minha suposição. Não o via desde a Guiné.

Imediatamente pedi ao porteiro que ligasse para o quarto e pedisse ao Capitão para vir à recepção por um motivo qualquer.

Quando nos vimos, demos num abraço em que literalmente lhe peguei ao colo, (o Cap Bordalo Xavier era bem mais baixo do que eu), e ficámos ali não sei quanto tempo abraçados, com as lágrimas nos olhos.

O hall do Hotel estava cheio de gente, que ficou muito espantada por me ver assim abraçado a um homem de barbas.

Passados uns tempos, recebi uma convocatória para um encontro de Rangers em Lamego e decidi meter-me no carro e fazer a viagem.

Quem estava a receber os camaradas de armas era, como não podia deixar de ser, o então Major Bordalo.

Mais um abraço daqueles que faz tremer o chão, e a “obrigação” de imediatamente me fazer sócio da AOE – Associação de Operações Especiais que, com um padrinho como ele, não podia de forma nenhuma recusar.

Seguiram-se anos de vários encontros em Lamego, até que a vida com as suas voltas, não me permitiu, ou eu não me disponibilizei para isso, e deixámos de nos encontrar.

Repetidamente me prometi a mim mesmo que iria a Lamego dar-lhe um abraço novamente e repetidamente o comodismo me “impediu” de o fazer, o que hoje, neste dia, me dói verdadeiramente no coração e na vida.

Podia ficar horas a escrever, a falar sobre o Cap. Bordalo, de como ele era um homem de coração grande, como era um verdadeiro Comandante que comandava pelo exemplo, como era um amigo sempre pronto a me apoiar, mas também a fazer ver os erros que eu ia cometendo, como me safou de levar uma punição pela minha forma de reagir a ordens sem sentido, enfim, de como me fez mais homem, mais militar, mais oficial, mais amigo.

Ontem escrevia sobre as lágrimas.
Hoje as lágrimas são minhas, e sim, um homem chora e eu choro a saudade de um homem bom que tornou a minha vida melhor.

À sua família o meu sentido abraço.

A ti, (agora trato-te por tu), meu Capitão Bordalo, até já, quando nos encontramos no cantinho do céu que recolhe os Rangers no seu eterno descanso.





Marinha Grande, 13 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

 


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

OUVIR E FALAR

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«Imediatamente se abriram os ouvidos do homem, soltou-se-lhe a prisão da língua e começou a falar corretamente.» Mc 7, 35

O homem que era surdo e mudo começou a ouvir e a falar.

E muitos de nós, eu incluído, precisávamos de não ouvir e não falar, quando ouvimos dizer mal do outro ou nos entretemos a dizer mal e a criticar os outros.

Quero ver, quero sobretudo sentir, as últimas palavras deste versículo do Evangelho de hoje, «começou a falar correctamente», como uma advertência, como uma chamada de atenção, para mim e para todos os que, como eu, por vezes criticamos sem sentido, falamos mal disto ou daquilo só porque não nos agrada, transmitimos o que outros nos dizem sabendo no nosso coração que estamos a levantar boatos, para já não lhe chamar falsos testemunhos.

E quando escrevo sobre o falar, aplico-o também ao ouvir, porque infelizmente muitas vezes não fechamos os nossos ouvidos às críticas infundadas, à maledicência, às mentiras propaladas.

E o ouvir e o falar são capacidades que Deus nos deu/dá para podermos ser mais comunhão uns com os outros, e, afinal, tantas vezes as usamos para desunir, para criar aversões, enfim, para dividir.
E quem divide é o inimigo, bem o sabemos.

Releio o que escrevi e sinto a dureza das palavras, mas a verdade é que a critica infundada, sem ser para construir, para unir, e, sobretudo a maledicência, são venenos terríveis que nos envenenam por dentro e nem sequer dão ao que foi “atingido” pela maledicência, a possibilidade de se defender, porque dela só poderá ter conhecimento tardio.

Que o mesmo Senhor Jesus que um dia abriu os meus ouvidos e soltou a minha língua para que eu pudesse ouvir e falar, me dê o discernimento, a sensatez, a coragem para recusar ouvir o que não presta e falar o que não devo.





Marinha Grande, 9 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

O CRISTÃO E A ALEGRIA

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Do livro do Papa Bento XVI, “Jesus de Nazaré – A infância de Jesus”:

«Na saudação do anjo impressiona o facto não dirigir a Maria a habitual saudação judaica Shalom -a paz esteja contigo - mas a fórmula grega khaire que se pode tranquilamente traduzir por Avé como sucede na oração Mariana da igreja formada com palavras extraídas na narração da Anunciação.
Mas é justo individuar neste ponto o verdadeiro significado da palavra khaire: alegra-te!
Com este voto do anjo podemos dizer começa propriamente um Novo Testamento.
A palavra volta a aparecer na noite Santa nos lábios do anjo que diz aos pastores: «anuncio-vos uma grande alegria.» (Lc 2, 10)
Aparece em João por ocasião do encontro com o ressuscitado: «os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor» (Jo 20, 20)
Nos discursos de despedida, em João, aparece uma teologia da alegria, que esclarece, por assim dizer, as profundezas desta palavra: «Eu hei-de ver-vos de novo! Então o vosso coração há de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (Jo 16, 22)»

Poderíamos acrescentar ainda versículos da Bíblia onde a alegria é citada como uma constante que deve fazer parte inerente do ser cristão.

«E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? Pois logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação o menino saltou de alegria no meu seio» (Lc 1, 43-44)

«Manifestei-vos estas coisas para que esteja em vós a minha alegria e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11)

«Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos!» (Fl 4, 4)

Mas quando nos confrontamos com a realidade do ser cristão hoje em dia, é muito difícil reconhecer esta alegria de que tanto nos fala a Palavra de Deus.

Obviamente que a alegria de que nos fala a Bíblia, não é a alegria ruidosa da gargalhada fácil, da anedota engraçada, de um qualquer humor corriqueiro.

Não, esta alegria de que nos fala a Bíblia, é a alegria do amor de Deus, que gera confiança, que enche de esperança, que nos deve preencher totalmente por acreditarmos que Ele está connosco desde sempre e para sempre e que nunca nos abandona.

É a alegria que nos é dada pela confiança de acreditarmos que, como no episódio da cura da sogra de Pedro (Mc 1, 30-31), Ele nos toma pela mão e nos ajuda a ultrapassar as contrariedades, as dificuldades, as doenças, enfim, todas as vicissitudes inerentes à vida, mas que não são, afinal, a vida que Ele mesmo nos dá.

Esta alegria de Deus e em Deus, porque vinda do Seu amor, é contagiante, e por isso é testemunho imprescindível do ser cristão, porque se assim não for, então Deus mais parecerá um peso do que uma libertação, do que a verdadeira salvação.

E esta alegria tantas vezes não se reflecte na nossa face, no nosso sorriso, na nossa calma perante as dificuldades, mas também nas nossas palavras, nas nossas respostas, que são tantas vezes esmorecedoras para os outros, quando nos queixamos por tudo e por nada, quando passamos a imagem de que nada está bem connosco, porque muitas vezes usamos expressões demasiado arreigadas às conversas habituais, sem cuidarmos de perceber que passamos afinal uma imagem negativa da nossa vida.

Isso quer dizer que não devemos ligar às contrariedades da vida, às tristezas, às doenças, etc.?
Claro que não, mas sim não fazer de tudo isso uma espécie de predestinação que é em tudo contrária ao amor e à liberdade que Deus nos dá.

Quando nos deixamos tocar, envolver, iluminar, conduzir pelo Espírito Santo, tudo se modifica e nos faz encontrar razões para lutar esperando e acreditando que em Deus temos sempre a vida verdadeira, que é vida em plenitude, «já e ainda não».

«Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.» Jo 10, 10






Marinha Grande, 6 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

A FALTA DE FÉ

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«Estava admirado com a falta de fé daquela gente.» Mc 6, 6

Este versículo do Evangelho de ontem, chamou-me a atenção, ou melhor, ficou no meu coração, no meu pensamento.

Como ando a reler a Encíclica Dominum et Vivicantem de São João Paulo II, sobre o Espírito Santo na vida da Igreja e do mundo, este versículo ganhou uma dimensão digamos que ainda mais actual.

«a «blasfêmia» não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o mesmo Espírito Santo agindo em virtude do sacrifício da Cruz. Se o homem rejeita o deixar-se «convencer quanto ao pecado», que provém do Espírito Santo e tem carácter salvífico, ele rejeita contemporaneamente a «vinda» do Consolador: aquela «vinda» que se efectuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do Sangue de Cristo: o Sangue que «purifica a consciência das obras mortas». (DV 6-46)

Ao ler esta passagem da Encíclica e percebendo que cada vez mais o mundo nos quer convencer que o pecado não existe, percebo que “aquele” que nos quer perder nos faz duvidar, afinal, da obra do Espírito Santo que é «convencer-nos quanto ao pecado», para que nos convertamos e acreditemos na salvação em Jesus Cristo.

E para acreditar no Espírito Santo, no Pai e no Filho, é preciso Fé, a Fé que sendo dom de Deus, se faz vida em nós e nos leva a viver segundo a vontade de Deus, afastando-nos da “lei do pecado”, cujo fim é a morte.

Mas se não temos Fé, não acreditamos na Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, não acreditamos no Espírito Santo e não acreditamos no infinito amor do Pai.

E, se não acreditamos no infinito amor de Deus, não acreditamos no Seu infinito perdão, pecamos contra o Espírito Santo, e fechamos a nossa vida à existência de Deus, não Lhe permitindo, perante a nossa falta de arrependimento por não acreditarmos na existência do pecado, que nos perdoe e no Seu amor nos salve da “morte eterna”.

E Deus, que nos criou em inteira liberdade, não pode coarctar essa mesma liberdade que por Ele nos foi dada e, como tal, somos nós que nos condenamos por não acreditarmos em Deus e no seu infinito amor.

Como São João Paulo II nos escreve na referida Encíclica:
«Ora a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica o seu pretenso «direito» de perseverar no mal — em qualquer pecado — e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida. É uma situação de ruína espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou e abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências e da remissão dos pecados.» (DV 6-46)

Estaremos também nós admirados, ou melhor, conscientes da falta de fé que parece tomar conta do mundo?



Marinha Grande, 1 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

A LIBERDADE DE DEUS

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“Depois do fracasso dos primeiros pais o mundo inteiro está às escuras sob o domínio da morte. Então Deus procura entrar de novo no mundo; bate à porta de Maria. Tem necessidade do concurso da liberdade humana: não pode remir o homem, criado livre, sem um «sim» livre à sua vontade.

Ao criar a liberdade, de certo modo Deus tornou-se dependente do homem o seu poder está ligado ao «sim» não forçado de uma pessoa humana.”

(Jesus de Nazaré – A infância de Jesus – Joseph Ratzinger – Bento XVI)


O Papa Bento XVI, no seu livro acima referido, falando do «sim» de Maria, escreve esta frase que me chamou a atenção e me fez reflectir: “Ao criar a liberdade, de certo modo Deus tornou-se dependente do homem o seu poder está ligado ao «sim» não forçado de uma pessoa humana.”

Esta frase dirige-se ao «sim» de Maria, mas, penso eu, pode e deve dirigir-se também ao nosso «sim».

Com efeito e, se bem entendo, a liberdade que Deus a todos dá, de alguma forma “condiciona” a acção de Deus em nós, isto é, sem o nosso «sim», mesmo que seja um silencioso e tímido «sim», Deus “não pode” salvar-nos.

Pode e ama-nos incondicionalmente, claro, mas o Seu amor só se torna vida em nós perante o nosso «sim», o nosso querer viver do e no Seu amor.

E sim, a misericórdia de Deus é infinita, o Seu amor e o Seu perdão, são sempre maiores do que o nosso pecado, mas para que a Sua misericórdia, o Seu amor e o Seu perdão sejam vida em nós, Deus, perante a liberdade que nos deu, “precisa” do nosso «sim».

Por isso o maior pecado, aquele que não é perdoado, é o pecado contra o Espírito Santo, porque é o Espírito Santo que nos revela a imensidade e infinitude do amor de Deus, do Seu perdão, da Sua misericórdia, e se recusamos deliberadamente o amor, a misericórdia e o perdão de Deus, então estamos a “impedi-lO” de nos salvar de nós próprios.

Curiosamente, ou talvez não, o Evangelho de hoje tem o seguinte versículo: «Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe». (Mc 3, 35)

E fazer a vontade de Deus é, sem dúvida, na inteira liberdade que Ele nos deu, dizer «sim» ao Seu amor, à Sua misericórdia, ao Seu perdão, enfim, à Sua vontade que é salvar todos e cada um.





Marinha Grande, 23 de Janeiro de 2024
Joaquim Mexia Alves