terça-feira, 29 de março de 2011

OS SINAIS DE DEUS

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A Igreja católica reconheceu domingo a cura inexplicável de um paciente em peregrinação a Lourdes como «notável», o que pode representar um dom divino feito a este homem pela intervenção da Virgem, anunciaram os Santuários da cidade, citados pela imprensa francesa.
Serge François, de 40 anos, sofria há anos de uma hérnia discal a que foi operado duas vezes, de uma paralisia quase total da perna esquerda e de fortes dores. Durante esse tempo, foi, por diversas vezes em peregrinação a Lourdes.
No dia 12 de Abril de 2002, deslocou-se à gruta de Massabielle, onde, segundo a tradição católica, a Virgem apareceu 18 vezes a Bernadette Soubirous a 11 de Fevereiro de 1858. Lá, encontrou uma mulher deprimida. Ouviu-a e consolou-a. Nessa noite, sentiu-se tão cansado que decidiu nem integrar a procissão, tendo acompanhado a celebração através da janela do quarto de hotel.
Mas antes de dormir decidiu voltar à gruta para rezar pela mulher que tinha conhecido nesse dia. Ao regressar, sentiu uma dor tão forte na perna que caiu no chão. De seguida, foi invadido por um calor e, de repente, todas as dores desapareceram.

Esta notícia fez-me lembrar, (com uma interpretação necessariamente simples), a passagem bíblica em que Jesus Cristo diz à multidão que O ouve:
«Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não lhe será dado sinal algum, a não ser o de Jonas.» Lc 11, 29

Mas o Senhor dá-nos sempre sinais da Sua presença no meio de nós, todos os dias e em todos os tempos.

Sinais, uns mais visíveis, como este, e outros, mais sensíveis, como aqueles que tantas vezes sentimos e vivemos quando a Ele nos entregamos e confiamos.

Tenho para mim, que sinais “maiores” do que este, são os sinais que Ele opera naqueles que O procuram, para n’Ele, por Ele e com Ele encontrarem a Verdade, o caminho da salvação, que todos os dias Ele mesmo nos vai revelando.

Como por exemplo em mim, pois de um homem que levava uma vida sem sentido, (apenas para mim próprio e que nem para mim próprio era boa), tudo foi transformando e convertendo, mudando radical e felizmente as prioridades, os interesses, as afeições, os sentimentos, e até das próprias fraquezas fez reconhecer ensinamentos para uma vida com sentido, uma vida que verdadeiramente tenta viver como dom de Deus.

Aliás não é para isso também que Jesus Cristo nos chama a atenção, quando na “cura do paralítico” Lc 5, 17-26, afirma:
«Que estais a pensar em vossos corações? Que é mais fácil dizer: 'Os teus pecados estão perdoados', ou dizer: 'Levanta-te e anda'? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, o poder de perdoar pecados, ordeno-te - disse ao paralítico: Levanta-te, pega na enxerga e vai para tua casa.» Lc 5, 22-24

Pois é, os sinais estão aí, todos os dias, mas nós não os vemos, ou não os queremos ver, ou ainda ao vê-los, tentamos desvalorizá-los.

Não sabemos explicá-los, mas mesmo assim, muitos de nós, preferem atribuí-los a algo que não sabem o que é, do que atribuí-los a Deus, que os realiza por amor ao homem que criou.

Curiosamente, ou não, podemos ver ainda outra ligação ao episódio da “cura do paralítico”Lc 5, 17-26.

Jesus Cristo, perante a perseverança daqueles homens que levam o paralítico à Sua presença, «vendo a fé daqueles homens» Lc 5, 20, perdoa primeiro os pecados àquele homem, para depois o curar da sua enfermidade.

Pela intercessão de uns, que se preocuparam com aquele que precisava, Jesus concedeu àquele paralítico, mais do que ele pensava ou desejava, ou seja, não lhe concedeu apenas a cura da enfermidade do corpo, mas também a da alma.

Nesta notícia acima referida, é o próprio homem que, sendo enfermo, se preocupa mais com o seu próximo do que com ele próprio.

Foi á procura de cura para o seu mal, mas perante a necessidade do outro, «lá, encontrou uma mulher deprimida», esqueceu-se de si, para tratar do próximo, «ouviu-a e consolou-a.»

Mas fez mais, (lembrando agora o Bom Samaritano Lc 10, 29-37), pois apesar do seu cansaço e da sua enfermidade, (que lhe dificultava o caminhar), encontrou forças para «antes de dormir voltar à gruta para rezar pela mulher que tinha conhecido nesse dia.»

Deus recompensou-o do seu total desprendimento, da sua entrega, do seu amor pelos outros e aos outros.

«Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.'» Mt 25, 37-40

Os sinais estão aí, bem visíveis e sensíveis, para além dos Sacramentos que a Igreja todos os dias nos dá a celebrar.

Resta-nos abrir o coração e acreditar.

Glória ao Senhor.
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terça-feira, 22 de março de 2011

QUARESMA

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«Chegaram os dias de penitência»

Cubro-me de cinzas,
visto-me de saco,
prostro-me no chão.

Sou pobre,
sou nada,
sou pecador,
Senhor,
tem compaixão.

Mas não estou desolado,
não tenho medo,
nem temor,
não estou esmagado,
nem desesperado,
porque Te tenho,
Senhor.

Se me dói o meu pecado,
alegra-se-me o coração,
porque Tu estás comigo
e me tomas pela mão.

Vem,
dizes-me Tu,
caminha comigo agora
no deserto da tentação.

Vais tropeçar,
vais cair,
vais te arrastar pelo chão.

Mas Eu ali estarei,
junto a ti,
tão junto,
que tu e Eu seremos um,
e onde Eu estou,
meu filho,
está toda a salvação.

Vem,
parte sem medo,
para estes quarenta dias,
a caminhar dentro de ti.

Onde encontrares a secura,
a sede, a aridez,
onde experimentares a dor,
a frustração e incerteza,
Eu te farei descobrir,
a água da fonte mais pura,
recheada de bondade,
repleta de um só amor,
que te vai matar a sede,
a sede do meu perdão,
que te acompanhará nas quedas,
no tropeçar e cair,
mas que em todos os momentos,
te levanta com doçura,
e te afaga o coração.

Por isso não desespero,
antes espero e confio,
porque Aquele que tudo vence,
vai comigo para o deserto,
o deserto da tentação,
onde me hei-de encontrar,
com toda a minha fraqueza,
com todo o meu pecado,
para no fim do caminho,
nos Seus braços transportado,
saber que a morte é passagem,
não é fim,
nem maldição,
mas apenas a porta que se abre,
e me leva à salvação.

«Chegaram os dias de penitência»

Hei-de caminhá-los conTigo,
na paz e na oração,
olhos tristes do pecado,
o arrependimento no peito,
os passos talvez vacilantes,
mas apenas por um bocado,
porque Te sei a meu lado,
bem dentro do coração.

E então a alegria irrompe,
porque sei,
porque acredito,
que no fim da Tua Paixão,
quando pendes a cabeça na Morte,
nada acaba,
tudo começa,
e o Céu e a Terra juntos,
proclamam a Ressurreição.



Joaquim Mexia Alves
Marinha Grande, 9 de Março de 2011
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domingo, 20 de março de 2011

UMA EXPLICAÇÃO

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Alguns que visitam este espaço poderão perguntar o porquê da mudança da imagem do meu perfil, da Cruz, para um homem escalando uma montanha, tendo a seguinte frase na mesma imagem: «Verso l'alto.»

Esclareço desde logo que a imagem em causa, é do Beato Pier Giorgio Frassati que nasceu em 6 de Abril de 1901, dia em que eu havia de nascer, 48 anos mais tarde.

Nem de perto, nem de longe me quero comparar com Pier Giorgio Frassati, mas sinto-me intimamente muito honrado por ter nascido neste dia, em que tal homem nasceu.

Pier Giorgio Frassati não é um "predestinado" à santidade.

Pelo contrário, pois nasceu num meio de facilidades humanas que lhe permitiriam ser aquilo que quisesse ser, ou melhor, ter, sem grande esforço.

Escuso-me de explicar porquê, pois se acederem ao site clicando no seu nome, perceberão a razão da minha afirmação.

Mas Pier Giorgio, (trato-o assim com esta intimidade porque somos "parceiros" de dia de nascimento), não olhou às facilidades da sua vida, antes as aproveitou para delas se servir, servindo a Deus, nos outros.

Desiludam-se os que esperam ler de Pier Giorgio Frassati grandes arrebatamentos espirituais, ou sinais prodigiosos da presença de Deus na sua vida!

Não, Pier Giorgio, é um rapaz comum, normalíssimo, que namora, e vive a vida normal de cada jovem do seu tempo, do nosso tempo.

Mas vive essa vida com um pensamento, com uma vivência única e constante: Deus!

Sem alardes, sem "milagres prodigiosos", Pier Giorgio vai fazendo da sua curta vida, o milagre de Deus, na Sua inteira e real permanência no meio de nós e connosco.

Apetece-me afirmar que a presença  de Cristo no meio de nós e em nós, (como Ele mesmo afirmou), não se apresenta só na Eucaristia, mas também, e até talvez sobretudo, no testemunho constante deste homens e mulheres, que O testemunham, sem medo, no dia-a-dia.

Este é um "rapaz" do nosso tempo, que Deus chamou a Si, para nos deixar este testemunho de santidade nas coisas do mundo, nas coisas do dia-a-dia, sem sinais espantosos ou maravilhas visíveis, mas tão só e apenas numa entrega diária e constante à vontade de Deus, servindo inteiramente os outros, onde permanentemente encontrava Deus, que tantas vezes nos outros se nos vai revelando.

«Verso l'alto»
Divisa de Pier Giorgio, porque só caminhando para o alto, cruzando os caminhos da terra, se encontra o Deus verdadeiro, que se faz presente em cada momento das nossas vidas, nos outros e em nós.

Eis a explicação da imagem nova do meu perfil, com o desejo intimo de minimamente ser fiel "imitador" de Pier Giorgio no meu dia-a-dia.

Que Deus Nosso Senhor, por intercessão do Beato Pier Giorgio Frassati, nos abençoe a todos, sobretudo aqueles que na sua juventude devem encontrar em Pier Giorgio um modelo de vida.
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sexta-feira, 18 de março de 2011

10º DIA DA CAMINHADA QUARESMAL

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Evangelho segundo S. Mateus 5,20-26.

Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.»
«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo.
Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar 'imbecil’ será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar 'louco’ será réu da Geena do fogo.
Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta.
Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão.
Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.»

Evangelho de hoje.



Que belo e profundo tema para a Quaresma: o perdão!

Não apenas o perdão que sai da boca, mas não chega ao coração.

Não aquele perdão de palavras, que é acompanhado interiormente por um “perdoar, perdoo, mas não esqueço”.

É que esquecer não podemos, porque temos a memória que Deus nos deu, mas podemos recordar sem mágoa para nós, nem ressentimento àquele que nos ofendeu, e quando aquela frase toma conta de nós, significa no fundo que não perdoámos.

Mas sim o verdadeiro perdão, aquele que traz a paz e o amor, e nos faz viver a alegria de sermos irmãos em Cristo, filhos de Deus.

O perdão aos outros, àqueles que nos ofendem, mas também o perdão a nós próprios, porque tantas vezes, pelas nossas fraquezas nos deixamos levar por vícios, que apenas nos prejudicam e magoam.
Por vezes é tão difícil enfrentarmos os nossos erros, e perdoá-los em nós.

Olhemos para trás também, para a nossa infância e adolescência, e percebamos se houve algo com os nossos pais, os nossos irmãos, os nossos professores, com aqueles que tiveram algum ascendente sobre nós, e nos magoou.
Perdoemos então, do fundo do coração, para que a paz se instale em nós, e possamos viver o presente, recordando com alegria o passado.
É que por vezes há coisas do passado que ensombram o nosso presente e nós não nos apercebemos disso.

Perdoemos também à Igreja, ao Papa, aos Bispos e Sacerdotes, se alguma vez nos sentimos menos amados, incompreendidos, ou até nos sentimos excluídos, porque não fomos atendidos com amor, com dedicação, com entrega, porque houve momentos em que a Doutrina nos foi difícil, nos magoou, nos entristeceu.
Perdoemos então, para vivermos em comunhão.

E não estamos nós por vezes “zangados” com Deus?
Porque Ele não nos concedeu o que queríamos, ou permitiu que acontecesse na nossa vida, aquilo que não desejávamos?
Então perdoemos a Deus também, compreendendo que se algo não nos foi concedido, ou se algo foi permitido na nossa vida, foi para o nosso bem, porque só Ele sabe do que precisamos e só Ele consegue tirar do mal o bem.

E em todas estas ocasiões, somos nós muitas vezes os ofensores, por isso não nos esqueçamos então de pedirmos perdão por tudo aquilo que fizemos a outros, e não queremos que nos façam a nós.
Ou melhor, como nos ensina Jesus Cristo, façamos aos outros justamente aquilo que queremos para nós.

Revestidos do perdão, cheios de amor, edificados na Palavra de Deus, rezemos então:

Obrigado Senhor, porque me amas, e no Teu amor me fazes amar o meu irmão, me reúnes em família, me ensinas a viver em comunhão, e me exortas a amar-Te cada vez mais.
Amen.


Amanhã continuamos a caminhada com a Marili em   "Tudo posso naquele que me fortalece!" (Fl 4,13).
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quinta-feira, 10 de março de 2011

O DEMÓNIO E AS TENTAÇÕES (9)

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«Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?
A tribulação, a angústia,
a perseguição,
a fome, a nudez,
o perigo, a espada?
De acordo com o que está escrito:
Por causa de ti, estamos expostos à morte o dia inteiro,
fomos tratados como ovelhas destinadas ao matadouro.
Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores,
graças àquele que nos amou.
Estou convencido de que nem a morte nem a vida,
nem os anjos nem os principados,
nem o presente nem o futuro,
nem as potestades,
nem a altura, nem o abismo,
nem qualquer outra criatura
poderá separar-nos do amor de Deus
que está em Cristo Jesus, Senhor nosso.»
Rm 8, 35-39

«Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou.»

Nada «poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso.»

Bastariam estes dois versículos para finalizar estes incompletos textos sobre o “Demónio e as Tentações”, e a conclusão seria perfeita.

Com efeito, sempre que nós cristãos católicos, pensamos ou reflectimos sobre a existência do “Demónio e as Tentações” com que nos quer seduzir, para que abandonemos, para que rompamos a aliança de amor de Deus com os homens, deveremos ter sempre presente estes versículos, que nos afirmam a Verdade para sempre, a verdade da vitória de Deus, da vitória do amor, sobre o mal.

Quem procura Deus em verdade, quem se deixa encontrar por Ele, quem n’Ele permanece e cumpre a Sua vontade, nada deve temer, porque o Senhor já venceu o pecado e a morte e com Ele nos fez vencedores.

Quem assim vive, nessa comunhão, sabe, acredita, crê, com a graça da fé que Ele mesmo dá, que pode caminhar, pode tropeçar, pode cair, pode até quase chegar às trevas onde parece não haver luz, que sempre, mas sempre, basta estender a sua mão, porque a mão d’Ele a agarra e o salva de todas as tentações, de todos os perigos.

«Salva-me, Senhor!» Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» E, quando entraram no barco, o vento amainou. Mt 14, 30-32

Ao reflectirmos sobre o “Demónio e as Tentações” é necessário ter sempre presente que essa reflexão se faz como um aviso, como uma preparação, como um melhor conhecimento do que temos de enfrentar, mas que a certeza que cada cristão deve ter no seu coração, na sua vida, é que nada «poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso.»

Não são portanto reflexões que levem ao medo, ao temor, ao desânimo perante a luta a travar, mas sim que levam à confiança, que se revestem de esperança, que ao nos chamarem à vigilância, nos fortalecem e nos levam à certeza, que «em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou.»

E devemos repetir estes dois versículos tantas vezes quantas forem necessárias, para percebermos que, se devemos ter a consciência do mal que nos quer perder, devemos ter ainda mais a consciência de que o mal nada pode contra nós se permanecermos no amor de Deus.

E esta é a certeza mais profunda de que devemos ser possuídos:
Que o amor de Deus é muito maior do que todo o mal que nos rodeia, que o amor de Deus é infinitamente maior do que todas as nossas fraquezas, do que todo o nosso pecado, e que basta deixarmos que o Seu olhar misericordioso encontre o nosso olhar de arrependimento, para que todo o pecado seja perdoado, a aliança se restabeleça, (da nossa parte, claro, porque n’Ele a aliança connosco é permanente), e a comunhão aconteça para nos dar a vida, «e vida em abundância». Jo 10,10

«Voltando-se, o Senhor fixou os olhos em Pedro; e Pedro recordou-se da palavra do Senhor, quando lhe disse: «Hoje, antes de o galo cantar, irás negar-me três vezes.» E, vindo para fora, chorou amargamente.» Lc 22, 61-62

Estamos a iniciar a Quaresma.

Confesso que não foi de propósito, e é com certeza uma “Deuscidência”, (uma coincidência de Deus), mas se todo o tempo é bom para examinarmos a nossa vida, a nossa relação com Deus, este é sem dúvida um tempo propício para, caminhando no deserto com Jesus durante quarenta dias, percebermos as tentações que povoam a nossa vida e às quais tantas vezes cedemos, porque não vigiamos, porque não oramos, porque não somos amor para Deus, e em Deus, amor para os outros.

«Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou.»

Nada «poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso.»


Monte Real, 10 de Março de 2011
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sexta-feira, 4 de março de 2011

O DEMÓNIO E AS TENTAÇÕES (8)

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Quando falamos de superstições e das suas múltiplas formas, devemos ter em conta também todas as formas de adivinhação e magia, todas elas envolvidas no ocultismo.
Tentarei abordar estas superstições de um modo simples e directo, (com pensamentos comuns ao dia-a-dia), até porque há numerosos livros sobre o assunto, sobretudo os de alguns sacerdotes e leigos cristãos católicos. Há que ter cuidado também com essa literatura, pois há muito “lixo”, e quem não estiver minimamente preparado, pode ficar confundido.

A adivinhação, veementemente condenada pela Doutrina da Igreja, (conf. Cat. Igr. Cat. Ns 2115; 2116; 2117, aqui), tem tantas formas que seria difícil enumerá-las todas, pois vão desde a “simples” leitura da sina na palma da mão, passando por horóscopos, lançamento de cartas, consultas de “videntes“, etc., até à evocação dos mortos.
Todas elas, no fundo, se destinam a “satisfazer” o homem na busca do conhecimento do futuro, o que desde logo determina, pelo menos, três atitudes contrárias à vontade de Deus e como tal um afastamento, uma recusa à aliança de amor de Deus com o homem.

Porque representam desde logo uma falta de confiança em Deus e na Sua vontade para cada homem, que é sempre a sua salvação.
Depois porque representam sempre uma predestinação, ou seja, a assunção de uma falta de liberdade do homem em relação à vida, vida que Deus lhe deu em liberdade.
Depois ainda, porque levam o homem a querer prescindir de Deus, fazendo-se ele mesmo senhor da sua vida.

É uma falta de confiança em Deus porque, se acreditamos que Ele nos criou no Seu amor, acreditamos que Ele só quer então o nosso bem, e permanecendo com Ele e n’Ele nada devemos temer, porque tudo o que for permitido acontecer nas nossas vidas concorre para o nosso bem, pois sabemos e acreditamos que Deus até do mal retira o bem.

Representa uma predestinação, pois se acreditamos que alguém nos revela o futuro, então acreditamos que nossa vida está predestinada, o que contraria totalmente a liberdade em que Deus nos criou.
O homem é livre de construir a sua vida como entender. Se o fizer em comunhão com Deus, caminha para a plenitude, para a felicidade, se o faz em rotura com Deus, “constrói” a sua própria condenação.

Leva o homem a querer prescindir de Deus, pois que, se “pode conhecer” o seu futuro, então está predestinado, e se está predestinado então Deus “não serve para nada”.

Deus criou-nos em liberdade, em total liberdade, por isso nós podemos escolher o caminho que queremos seguir, ou seja, no fundo somos nós que “fazemos” o nosso futuro, condicionados de alguma forma, é certo, pelo mundo que nos rodeia.
Se vivemos para Deus, temos o nosso futuro nas mãos de Deus. Se vivemos afastados de Deus, colocamos o nosso futuro fora de Deus.

Mas se consultamos qualquer forma de adivinhação, então é porque acreditamos que podemos conhecer o futuro, e se o conhecemos e ele existe como nos é “revelado”, como poderemos nós modificá-lo?
É que se está nas nossas mãos modificá-lo, então já não é o futuro que nos foi indicado, e como tal é uma mentira!
Então porquê acreditar nessas práticas?

Com certeza que podemos fazer o nosso futuro, não na medida em que o conhecemos antecipadamente, mas sim na construção da vida diária em comunhão com Deus.
Deus não nos revela o nosso futuro, a não ser na medida em que acreditamos que Ele está sempre connosco e se nós deixarmos, nos conduz para Ele.
Então se Deus não nos revela o nosso futuro, quem o poderá fazer a não ser o oculto, a não ser aquele que vive afastado da vontade e da aliança com Deus?
Então se nos servimos do oculto para sabermos o nosso futuro, com quem então é que fazemos aliança? Com Deus ou com o Diabo?

Por isso mesmo devemos ter um cuidado redobrado nessas práticas, não só porque não são queridas por Deus, porque estão fora da Doutrina da Fé que afirmamos professar, mas também porque nos colocamos nas mãos daquele que nos quer perder.
E por isso também, (sobretudo os jovens), devemos ter cuidado com experiências e “brincadeiras” desse tipo, pois como diz o ditado popular: «quem anda à chuva molha-se.»

E a magia, a feitiçaria é outro tanto, sobretudo quando são “usadas” para fazer mal a outrem.
Desenganemo-nos … não há magia e feitiçaria boa e má.
Todas essas práticas são más, porque se servem do oculto, se servem de tudo aquilo que Deus abomina.

Alguém, verdadeiramente cristão católico, pediria a Deus o mal do seu irmão?
Claro que não, porque seria uma atitude totalmente oposta à vontade de Deus que quer o bem de todos.
«Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.» Mt 5,44

Então porque é que alguns de nós erradamente se servem de tais práticas? Apenas por ignorância?
Não parece, porque todos têm consciência que essas práticas são de alguma forma escondidas, são de alguma forma erradas.
Aliás se o não fossem, porque é que a Igreja não ser serviria delas também?

E no entanto a Doutrina da Igreja condena-as veementemente, como podemos ler no Catecismo da Igreja Católica Ns 2115; 2116; 2117, aqui.

Essas práticas são também e ainda, sem dúvida, muito prejudiciais para quem as procura, porque torna realidade o ditado popular: “Vira-se o feitiço contra o feiticeiro.”
Com efeito, se o homem se serve do oculto, faz aliança com ele.
E se faz aliança com ele, fica nas suas mãos. Ora o oculto, o demónio, não liberta, antes pelo contrário, aprisiona. A mentira torna-se vício, o pecado escraviza.

Nalguns momentos em que ouvimos pessoas que passam, ou passaram por essas práticas, percebemos a intranquilidade, a falta de paz e tantas vezes até, os problemas físicos, tais como dores de cabeça, insónias, mal-estar, etc., etc.
E, sem qualquer intuito de assustar, ou meter medo, a verdade é que é muito fácil entrar nesse caminho, mas é muito mais difícil sair, precisamente porque o Demónio não quer libertar aqueles que tem ou teve do seu lado.

Esta é com certeza uma linguagem simples, desprovida de conceitos complicados, mas é uma linguagem para que se entenda sem margem para dúvidas, o mal que podemos causar a nós próprios, quando nos deixamos enveredar por esses caminhos.

Atentemos ao que nos diz o Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, numa expressão que não deixa margem para dúvidas.

Excertos de uma entrevista feita por Ignacio Artizzo, para a revista «Una voce grida…», em Março de 1999 (1)

O que é a magia?

É o uso de forças aparentemente miste¬riosas, para alcançar um domínio sobre a realidade física e até psicológica. Ou seja, a tentativa de instrumentalizar os poderes sobrenaturais, para uso próprio. Com a magia sai-se do campo da racio¬nalidade e da utilização das forças físicas mostradas pela ciência. Procura-se – e, às vezes, até se encontra - um modo de apoderar-se da realidade com forças des¬conhecidas. Pode ser em muitos casos, uma fraude, mas também pode acontecer que, com elementos que fogem à racio¬nalidade, se possa entrar num certo domínio da realidade.

S. Paulo, em Chipre, define publicamente o mago Elimas como "filho do diabo". Podemos portanto afirmar com certeza que, por trás da magia e do mundo do oculto, está sempre o diabo?

Sim. Eu diria que sem o diabo, que provoca esta perversão da criação, não seria possível todo este mundo do ocultismo e da magia. Entra em jogo um elemento que vai para além da realidade da razão e das realidades identificáveis com a ciência unida a uma razão sincera. Oferece-se um elemento aparentemente divino, ou seja, forças que podem fornecer êxitos, experiências que aparecem como sobrenaturais e frequentemente como divinas. São, pelo contrário, uma paródia do divino. Poderes, mas poderes de queda, que na realidade, são ironias contra Deus.


Então, quais são os perigos para aqueles que mantêm relações com a magia e o ocultismo?

Começamos também aqui pelo aspecto fenomenológico. A cilada é apresentada com coisas promissoras, como uma experiência de poder, de alegria, de satisfação. Mas depois uma pessoa entra numa rede demoníaca, que se torna, passado pouco tempo, muito mais forte do que ele. Não é mais o homem dono da sua casa.
Suponhamos que uma pessoa entra a formar parte de uma seita ou de um grupo de mágico. Tornar-se-á escravo, não só do grupo - o que já seria gravíssimo - dado que estas seitas podem alienar totalmente uma pessoa. Mas será escravo da realidade que está por detrás do grupo, ou seja, uma realidade realmente diabólica. E assim caminha para uma auto-destruição sempre mais profunda, pior do que aquela da droga.

Nenhum dos ocultistas declara abertamente trabalhar com a ajuda do diabo. Pelo contrário, quase todos afirmam serem crentes e desejarem fazer o bem. Usam imagens sagradas, crucifixos...

Sim, a mentira profunda concretiza-se depois em mentiras mais evidentes. O mago, na sua orientação pessoal, chega à mentira. Depois, torna-se natural utilizar todos os meios concretos para exprimir e fazer actuar a mentira. Naturalmente que o sincretismo é um dos elementos fundamentais do mundo mágico e ocultista, que se serve das religiões e, sobretudo, dos elementos cristãos, pervertendo-os, com o objectivo de atrair as pessoas e tornar-se credível, também na esperança de usar a força escondida da realidade cristã. Vemo-lo nos Actos dos Apóstolos com Simão, o Mago, que queria comprar a força dos apóstolos. "Simão, vendo que o Espírito era dado por meio da imposição das mãos dos apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: "Dai-me também a mim esse poder, a fim de que todo aquele a quem eu impuser as mãos, receba o Espírito Santo." Mas Pedro disse-lhe: "O teu dinheiro pereça contigo, visto que julgaste que o dom de Deus se pode adquirir com dinheiro. Tu não tens parte nem herança neste ministério, porque o teu coração não é recto diante de Deus. Faz, pois, penitência desta tua maldade, e roga a Deus que, se é possível, te seja perdoado este pensamento do teu coração. Porque vejo-te cheio de amargo fel e entre os laços da iniquidade. "(Actos 8:18-23)

Diz-se que existem formas de magia e de adivinhação inócuos e inofensivos, como"ler" a palma da mão, os tarots e horóscopos. E ironiza-se contra o Novo Catecismo, que condenou estas práticas. Há alguma escala de gravidade ou são tudo práticas do mesmo género, e portanto, todas são graves?

Existe talvez um uso mais ou menos leve, mas de qualquer modo não aceitável, porque abre a porta ao ocultismo. Se uma pessoa começa a mover-se nesta direcção, há o perigo de cair na armadilha mais profunda. Mas o fato de que se deslize facilmente e, muitas vezes, inevitavelmente, uma vez entrado neste caminho, não deve levar-nos a um rigorismo que já não distingue entre comportamentos que são sinal de uma certa ligeireza de vida, e um modo de actuar daqueles que entraram em cheio nestas práticas. Uma certa distinção existe sem dúvida, mas deve-se ter presente que um degrau conduz facilmente a outro, porque o terreno é escorregadio.


Que diria a quem frequenta a Igreja e também o ocultismo, ou pratica ele próprio o ocultismo, pensando que uma coisa não é incompatível com a outra?

Eu diria que deve começar a compreender melhor a fé, e inserir-se profundamente no caminho cristão, para compreender que são coisas completamente diferentes. Se escuto a Palavra do Senhor, com a minha mão na mão do Senhor, deixo-me guiar pelo amor de Cristo, insiro-me na grande comunhão da Igreja, caminhando sempre com a Igreja na estrada de Cristo. Muito diferente é se eu começo a entrar na realidade grave do ocultismo. As duas atitudes são desde o princípio profundamente diferentes. Compreender esta distinção é uma decisão fundamental do homem, é o passo inicial do caminho de fé.
Pensemos no rito do baptismo, onde temos, por um lado, o "sim" ao Senhor e à Sua lei, e, por outro lado, o "não" a Satanás. Em tempos passados, voltávamo-nos para o Oriente para dizer "sim" ao Senhor, e para o Ocidente para dizer "não" às seduções do diabo. Com este ritual, nascido em tempos em que, como acontece hoje, a Igreja estava cercada e atacada por práticas de ocultismo, compreende-se a diversidade irreconciliável destes dois comportamentos. Eu digo "sim" ao caminho do Senhor, e isto implica que diga o meu "não" às práticas mágicas. Devemos renovar num sentido muito concreto e realista esta dupla decisão. Dizer "sim" a Cristo significa que não posso "servir a dois senhores", como diz o próprio Senhor, e se eu digo "sim" ao Senhor, não posso ao mesmo tempo dizer "sim" a esses poderes ocultos, mas devo dizer: "não, não aceito a sedução do demónio ". E talvez, por ocasião da renovação dos votos baptismais que fazemos antes da Páscoa, se deveria explicar que o que pronunciamos não é um ritual antigo, mas uma decisão importante para a nossa vida hoje, um acto concreto e realista.


Existe um ponto de não-retorno para aqueles que deram as suas vidas à magia?

É difícil responder. Se uma pessoa caiu naquilo que o Senhor chama "pecado contra o Espírito Santo", como aversão a Deus e maldição do Espírito de Deus, pervertendo o seu espírito, abrindo-o à acção do demónio, aqui se realiza, talvez, aquilo que o Senhor indica como o ponto de não-retorno. Mas da nossa parte, não podemos julgar este aspecto. Devemos dizer sempre: há esperança de conversão. Naturalmente que, para uma pessoa que entrou nesse mundo, uma conversão radical torna-se necessária, e é uma conversão que se torna cada vez mais difícil, realizável só com a forte ajuda do Espírito Santo, implorado pela Comunidade da Igreja que procura ajudar estas pessoas a voltar para Deus. Assim, devemos sempre ter esperança, e fazer tudo o que for possível para implorar o perdão de Deus e para iluminar essas pessoas e mantê-las abertas a uma conversão profunda. É necessário ainda realizar a expulsão do demónio. Um rito cuja importância, por um certo tempo, não foi mais compreendida pelos cristãos, mas que agora recebe um novo entendimento e significado muito concreto. Porque se trata de libertar as pessoas do demónio que, por causa do contacto com a magia e o ocultismo, tinha deles tomado posse.


Então, são necessários os exorcismos?

Certamente que sim.

Às vezes as pessoas recebem esta mensagem, mas lamentam a escassa informação da parte dos próprios homens da Igreja. Que mais fazer para informar os incautos?

Devemos encontrar novas formas de apostolado. A difusão do ocultismo, na sua forma actual, é um fenómeno bastante recente. Mesmo há dez anos atrás, ainda nos faltava informação sobre este assunto. Talvez não estivéssemos preprados para este ataque, e não preparámos suficientemente os fiéis. Parece-me que deveríamos disponibilizar umas breves informações que digam o essencial de modo compreensível. Devíamos introduzir este tema também na catequese de adultos e formação permanente de qualquer cristão.

É um critério pertinente de avaliação que o ocultista exija ou não dinheiro?

Depende da sua anterior decisão de ser um mago. Se o seu trabalho fosse moralmente justo, poderia pedir para ser pago. Mas dado que a sua ocupação, como tal, implica a mentira e a perversão da realidade, a presença do dinheiro não serve para outra coisa senão para prosseguir a mentira fundamental que está na base. Neste sentido, no negócio da magia e de "poderes", torna-se visível uma perversão ainda mais profunda. As coisas espirituais não podem ser pagas, e a verdadeira experiência espiritual, que é aquela que Cristo me oferece, só a posso obter com a minha conversão, com o meu "êxodo" espiritual. É necessário, portanto, ajudar as pessoas caídas na rede do oculto a reencontrar o caminho da conversão, oferecendo-lhes uma comunidade, e acompanhá-los até à fé, e ajudá-los a pôr-se a caminho em direcção à verdade, além de obviamente ajudá-los a aproximarem-se - se estão reunidas as condições – do exorcismo efectuado por sacerdotes autorizados pelo seu Bispo.


(1) Entrevista gentilmente cedida por: “newsletter” É o Carteiro?



Marinha Grande, 3 de Março de 2011
(continua)
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