quarta-feira, 26 de outubro de 2011

OS OLHOS NÃO VÊEM, MAS O CORAÇÃO ACREDITA

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Caminhava pela berma da estrada pensando em tudo aquilo que lhe tinham dito sobre aquele homem.
Era tudo tão estranho e irreal!

Disseram-lhe que tinha nascido de uma mulher, mas que não tinha sido concebido por nenhum homem.
Diziam-lhe que a mãe era virgem e não tinha deixado de o ser.
Diziam-lhe que o homem falava como nunca ninguém tinha falado, que quando lhe faziam perguntas, respondia de tal modo que aqueles que pretendiam atrapalhá-lo se calavam, que tinha sempre uma palavra para cada um que encontrava, fosse quem fosse, e que até parecia conhecer a vida de todos, pois a sua palavra era sempre razão de conforto e esperança.
Que falava do perdão e do amor, e que todos se deviam amar como irmãos.
Afirmavam que fazia coisas incríveis, tais como curar doenças, ressuscitar mortos e, até, que perdoava os pecados.

Tudo aquilo era muito estranho e difícil da acreditar, sobretudo quando lhe contaram que aquele homem se tinha deixado torturar e matar, sendo inocente, sem um queixume, sem uma revolta e que no fim, ainda por cima, até tinha perdoado de viva voz àqueles que o tinham torturado e matado.
Mas o que mais o espantou foi quando lhe afirmaram que ao fim de três dias de sepultado, tinha ressuscitado!

Era demais!

Se a história já era difícil de acreditar, com este final então tornava-se impossível ter qualquer veracidade, e para além do mais, ainda andavam para aí uns quantos a dizer que ele tinha ficado entre nós e se oferecia como alimento, afirmando que quem comesse do seu corpo e bebesse do seu sangue tinha a vida eterna.
E tudo isto num pedaço de pão redondo, pequenino, que uns padres, agora neste tempo, distribuíam numas celebrações chamadas missas.

Não, não era possível acreditar em tudo aquilo!

Mas, curiosamente, aquele pensamento não lhe saia da cabeça.
Pensava, pensava e ia tentando arranjar modo de tornar verosímil aquela história, porque, tinha que concordar, se ela fosse verdadeira, seria a salvação do mundo, ou melhor, da humanidade.
Se Ele fosse Deus e Homem como diziam, assim talvez já fosse possível, mas porque é que Deus havia de vir fazer-se igual àqueles que tinha criado, conforme lhe diziam.

Já tinha pensado nisso muitas vezes: sendo o homem um animal tão perfeito, teria de haver algo muito superior para o criar. Mas eram apenas devaneios da sua mente.
Tinham-lhe dado um livro sobre Deus, sobre a criação, sobre um povo escolhido, sobre aquele homem e uma igreja que tinha fundado e ele já tinha lido a maior parte, algumas vezes até sofregamente.

Era bom que fosse verdade, e o seu coração, no seu íntimo, queria levá-lo a acreditar, mas era tão irreal!
Ele queria acreditar porque percebia que era coisa boa, mas a sua racionalidade falava mais alto e dizia-lhe que tudo não passava de histórias inventadas.

De repente percebeu que um homem se aproximava dele e lhe perguntava:
-Posso caminhar contigo?
Não lhe apetecia nada a companhia, mas para não dizer que não, anuiu com a cabeça.
Durante algum tempo caminharam em silêncio, até que o homem se lhe dirigiu, dizendo:
- Vejo que estás pensativo, preocupado. Queres conversar sobre aquilo que te preocupa, sobre a razão de ser daquilo que pensas.
A intervenção daquele homem irritou-o um pouco! Quem era ele para se meter nos seus pensamentos?

Mas o tom da sua voz, a firmeza das palavras que tinha dito, fizeram-no abrir a boca e descrever tudo aquilo que vinha a pensar sobre o tal que diziam ter ressuscitado.
Curiosamente, o outro, em vez de se rir na sua cara, disse-lhe muito pausadamente:
- Compreendo a tua incredulidade, mas se me permitires julgo que poderei ajudar-te.
Anuiu com a cabeça, porque não lhe apetecia falar, nem dar confiança ao companheiro inesperado de viagem, mas ao mesmo tempo estava curioso sobre o que ele iria dizer-lhe.
O outro perguntou-lhe então:
- Conheces a Bíblia?
Ele acenou que sim, dizendo que ainda não a tinha lido toda, mas uma grande parte, embora lhe parecesse, acrescentou, uma história fantasiosa.
O outro olhou para ele com um olhar de paz e tranquilidade, e disse-lhe com voz segura:
- Deixa-me que te explique o que contém a Bíblia.
Acenou com a cabeça, pensando que iria ser com certeza uma grande “seca”, mas para além da natural curiosidade, não queria ser indelicado com quem lhe parecia ser tão prestável.

Sem se deterem, o outro começou a falar-lhe com uma voz serena sobre o princípio das coisas, de como Deus se revelara aos homens, desde a antiguidade, ao longo da história.
Tinha perdido a noção do tempo, e neste momento o seu medo era de que o passeio a pé que tinha encetado, chegasse ao seu termo sem poder ouvir o fim da história que o outro continuava a contar-lhe.
O mais estranho, mas no entanto agradável, era a certeza que se instalava no seu coração, de que afinal a tal história inverosímil, assim contada e explicada por aquele homem, era real e verdadeira, e percebeu em si uma necessidade de ouvir cada vez mais, mas sobretudo uma necessidade de acreditar, porque esse acreditar seria muito importante para a sua vida.

A noite caía e ele já pensava no que havia de dizer àquele homem para que não saísse da sua companhia.
Disse-lhe então:
- Olha, já anoitece, porque não paramos aqui um pouco, e comemos juntos qualquer coisa daquilo que trago na minha mochila?
O outro respondeu com voz doce e segura:
- Está bem. Trazes pão contigo?
Disse que sim com um aceno de cabeça, e sentaram-se debaixo de uma árvore à beira do caminho.

Pegou no pão que trazia e entregou-o nas mãos do outro que, estranhamente, levantou os olhos ao céu e traçou, com a sua mão, uma cruz sobre o pão.
Depois partiu-o e deu-lhe um pedaço para as suas mãos, que ele comeu.

Qualquer coisa aconteceu naquele momento, porque se sentiu como que elevado do sítio onde estava, embora continuasse sentado na mesma pedra do caminho, e uma paz imensa, um impulso de amor o envolveram de tal modo, que fechou os olhos para saborear aquele momento.
Quando abriu os olhos procurou o companheiro, que tinha desaparecido, pois por muito que procurasse, não o conseguia encontrar.

Sentou-se novamente, colocou a cabeça entre as mãos para meditar em tudo aquilo, e foi nesse momento que sentiu de um modo extraordinário que o outro estava ali com ele, embora não o pudesse ver.
Inexplicavelmente, o que os seus olhos não viam, o seu coração e todo o seu ser sentiam: a real e verdadeira presença do outro, já não só junto de si, mas em si próprio.
E percebeu, entendeu e viveu tudo aquilo que estava na Bíblia e o outro lhe tinha explicado.
Aliás, percebeu então, quem era o Outro Homem.

Levantou-se e correu para encontrar alguém!
Aquilo que agora sabia, que agora conhecia, que agora vivia, era bom demais, era importante demais, para ficar guardado apenas para si.






Meditando Lc 24, 13-35

Monte Real, 17 de Outubro de 2011
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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A SANTIDADE

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No dia 1 de Novembro a Igreja celebra o dia de Todos os Santos.

Esta Festa não é dedicada a nenhum santo em especial, mas a todos aqueles que, tendo vivido segundo a vontade de Deus, gozam agora por Sua graça, da/na Sua presença, o louvor eterno do amor de Deus.

E todos os que estão na presença de Deus, depois de concluída a sua peregrinação na terra, são santos, independentemente de estarem ou não nos altares da Igreja, de serem ou não conhecidas as suas virtudes, ou de terem, por reconhecimento da Igreja, alguma devoção específica.

Ora isto leva-nos a pensar que, há alguns anos atrás havia a “convicção” de que os santos eram homens e mulheres, “sobredotados” por Deus, de dons e graças, que os conduziam a essa santidade.
Aparecia a nossos olhos a ideia de que. para ser santo, para além de ter de ser um “preferido” de Deus, seriam precisos sacrifícios imensos, mortificações terríveis, e sobretudo, um modo de viver quase afastado do mundo.
Ora se assim fosse, a santidade seria algo de praticamente inatingível, seria algo em que apenas alguns “escolhidos” por Deus, poderiam alcançar.

Mas nós sabemos que Deus ama os seus filhos por igual, que Deus não faz acepção de pessoas, que Deus dá a cada um o necessário, para que cada um se forme, se conforme à Sua vontade.
E a santidade não é mais do que fazer a vontade de Deus!

E a vontade de Deus para cada um, é que cada um viva a vida que lhe foi dada, como lhe foi dada, ou seja, naquilo que cada um é, e faz, à luz do ensinamento de Jesus Cristo e da Igreja, tendo para tal a permanente assistência e condução do Espírito Santo.

«41. Nos vários géneros e ocupações da vida, é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus e, obedientes à voz do Pai, adorando em espírito e verdade a Deus Pai, seguem a Cristo pobre, humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua glória. Cada um, segundo os próprios dons e funções, deve progredir sem desfalecimentos pelo caminho da fé viva, que estimula a esperança e que actua pela caridade.» Lumen Gentium

Viver a santidade, ser santo, é então fazer a vontade de Deus como pais, como filhos, como trabalhadores em cada vocação, em cada profissão, em cada estado de vida a que somos chamados.

Se Deus nos chamou à vocação do Matrimónio, é no Matrimónio que devemos ser santos, entre esposos, entre pais e filhos, percebendo sempre que a vontade de Deus é a família que Ele nos deu, e que esta deve merecer a nossa máxima atenção, e nada, a não ser Deus, pode estar acima dela.
No trabalho, seja ele qual for, mais intelectual, mais administrativo, mais braçal, vivê-lo sempre como uma bênção de Deus, a que o próprio Deus nos chama, para com Ele construirmos um mundo melhor, enformado no Seu amor. Por isso deve revestir-se de toda a honestidade, de toda a preocupação com o testemunho que cada um dá, da fé que vive, da Doutrina que professa.
Nas contrariedades e provações, compreender que Deus está connosco, e, aceitando-as, lutar para as ultrapassar, no testemunho de quem não se desespera, porque sabe que Deus nunca nos abandona.

Um Santo dos nossos tempos, São Josemaria Escrivá, (nasceu em 1902 e faleceu em 1975), foi um dos grandes arautos dessa única forma de viver a santidade no dia-a-dia e em cada forma de vida a que cada um é chamado viver.

Três citações das suas obras:

«Esta é a tua tarefa de cidadão cristão: contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam a todas as manifestações da vida moderna: a cultura e a economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e a convivência social.» Sulco, 302

«Santificar o nosso trabalho não é uma quimera; é missão de todos os cristãos... - tua e minha.
Foi o que descobriu aquele torneiro, que comentava: - "Põe-me louco de contente essa certeza de que eu, manejando o torno e cantando, cantando muito - por dentro e por fora -, posso fazer-me santo... Que bondade a do nosso Deus!".» Sulco, 517

«Tens de permanecer vigilante, para que os teus êxitos profissionais ou os teus fracassos - que hão-de vir! - não te façam esquecer, ainda que seja só momentaneamente, qual o verdadeiro fim do teu trabalho: a glória de Deus!» Forja, 704

Também o nosso Bispo, D. António Marto, nos fala desta santidade no dia-a-dia no mundo em que vivemos, na sua recente Carta Pastoral “Testemunhas de Cristo no mundo”.

3.1 …Mas não existe verdadeira e plena qualidade de vida sem vida espiritual de qualidade. Para o cristão isto chama-se a santidade de vida no mundo. O empenho cristão na construção de um mundo justo, fraterno e pacífico, do seu desenvolvimento integral, da sua humanização através do trabalho de cada dia é expressão do seu amor filial a Deus e do seu amor ao próximo.
Nesta perspectiva cristã, o mundo é um verdadeiro lugar de graça, de vocação e missão, de santificação para os fiéis leigos que aí vivem e trabalham. Estes fiéis são chamados a santificar-se no mundo, através do mundo e com o mundo em Deus. Os grandes santos amaram o mundo do seu tempo mesmo em crise. O cristão santifica-se não só na caridade pessoal, mas também na caridade social e política – no sentido mais nobre da palavra – quando faz obra de justiça, solidariedade e promoção humana.


É preciso perceber que, para viver esta santidade que Deus, pela Sua Igreja, nos propõe e chama, só a podemos viver numa vida de compromisso diário com Cristo, e que para tal, se torna indispensável a vivência dos Sacramentos da Igreja, que são a presença real de Jesus Cristo no meio de nós.
E, claro, destes Sacramentos é de única, central e imprescindível vivência, a Eucaristia.

O tema é tão vasto que não cabe neste pequeno texto, mas, porque é de capital importância, transcrevem-se as palavras do Papa Bento XVI na Vigília de Oração com os jovens na Feira de Freiburg im Breisgau (24 de Setembro de 2011).

«Queridos amigos, o apóstolo São Paulo, em muitas das suas cartas, não tem receio de designar por «santos» os seus contemporâneos, os membros das comunidade locais. Aqui torna-se evidente que cada baptizado – ainda antes de poder realizar boas obras ou particulares acções – é santificado por Deus.

No baptismo, o Senhor acende, por assim dizer, uma luz na nossa vida, uma luz que o Catecismo chama a graça santificante. Quem conservar essa luz, quem viver na graça, é efectivamente santo.

Queridos amigos, a imagem dos santos foi repetidamente objecto de caricatura e apresentada de modo distorcido, como se o ser santo significasse estar fora da realidade, ser ingénuo e viver sem alegria.

Não é raro pensar-se que um santo seja apenas aquele que realiza acções ascéticas e morais de nível altíssimo, pelo que se pode certamente venerar mas nunca imitar na própria vida. Como é errada e desalentadora esta visão! Não há nenhum santo, à excepção da bem-aventurada Virgem Maria, que não tenha conhecido também o pecado e que não tenha caído alguma vez.

Queridos amigos, Cristo não se interessa tanto de quantas vezes vacilastes e caístes na vida, como sobretudo de quantas vezes vos erguestes. Não exige acções extraordinárias, mas quer que a sua luz brilhe em vós. Não vos chama porque sois bons e perfeitos, mas porque Ele é bom e quer tornar-vos seus amigos.

Sim, vós sois a luz do mundo, porque Jesus é a vossa luz. Sois cristãos, não porque realizais coisas singulares e extraordinárias, mas porque Ele, Cristo, é a vossa vida. Sois santos porque a sua graça actua em vós.»



Marinha Grande, 2 de Outubro de 2011


Nota:
Texto publicado como minha colaboração em "Grãos de Areia" - Boletim Mensal da Paróquia da Marinha Grande.
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terça-feira, 11 de outubro de 2011

O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA (4)

"O retorno do filho pródigo" de Rembrandt






4 – Sacramento de Cura e Libertação

É fácil constatarmos, quando lemos e meditamos os Evangelhos, que Jesus Cristo, antes de operar qualquer cura de uma enfermidade, perdoa os pecados àqueles que d’Ele se aproximam, no sentido de que é bem mais importante a “cura” da alma, que a cura do físico.

Um homem pode viver em paz e amor com uma enfermidade, por muito que essa enfermidade lhe tolha os movimentos, a vida.
Mas não consegue viver em paz, nem com e dando amor, se a sua vida estiver agarrada ao pecado, que vicia e escraviza.

Vivemos hoje num mundo em que a maior parte das doenças de que sofre o homem são doenças psicossomáticas, isto é, são doenças que têm a ver com a mente, com o estado de espírito das pessoas.
E são tantas coisas que fazemos na vida, que marcam as nossas vidas e se tornam tantas vezes razão de mal-estar psicológico e físico.
São tantas coisas que fazemos na vida ou que nos fazem, e que nos marcam de modo tão forte que vão condicionando o nosso dia-a-dia, às vezes até sem nos apercebermos disso mesmo.
São dores de cabeça, de estômago, as insónias, as angústias, as tristezas permanentes, as depressões, a dificuldade de relacionamento com os outros, tantas vezes até, com os nossos familiares mais chegados.

A verdade é que a maioria esmagadora dessas situações se deve a factos passados nas nossas vidas, a pecados cometidos ou que cometeram contra nós, e que ainda não foram resolvidas, ainda não foram perdoados, muitas vezes por nós próprios.

Vejamos por exemplo uma pessoa que cometeu um pecado de adultério, homem ou mulher, tanto faz, e pode ter sido apenas uma vez.
Pode estar casado há muito tempo mas se realmente não se perdoou a si próprio, para além do perdão de Deus, obviamente, a sua vida estará sempre marcada por esse episódio, por esse pecado, e muitas vezes a presença da sua mulher ou do seu marido, em vez de despertar amor pode despertar um sentimento de culpa que depois se reflecte no estado de espírito da pessoa e condiciona a sua paz, a sua alegria de viver, e por arrastamento, por exemplo, um mau dormir, dores de cabeça ou outras manifestações físicas.
A pessoa não está bem consigo própria e por isso não pode estar bem com a vida.

Atentemos ainda em outro exemplo, como aquele de uma mulher que pratica o aborto.
A pessoa pode estar arrependida, ter tomado um compromisso sério de não voltar a cometer tal pecado, mas se não se perdoou a si própria, isto é, se não se deixou alcançar pela plenitude do amor, do perdão de Deus, essa pessoa viverá continuamente atormentada por aquele facto, por aquele pecado na sua vida, e não terá descanso, não terá paz, não terá felicidade.
Isso trazer-lhe-á forçosamente muitas vezes, mau estar físico que se poderá manifestar de muitos formas, como depressões, tristezas inexplicáveis, insónias, e tantas outras manifestações que não deixam que a sua vida seja verdadeiramente uma vida livre, uma vida em abundância.

Podemos ter a vida pelo facto de termos sido gerados pelos nossos pais e de termos nascido, mas podemos não a ter em abundância, isto é, na sua plenitude, que só é alcançada na comunhão com Deus.
Podemos ter momentos de alegria, mas podemos não viver a alegria que nos vem da comunhão com Deus e nos ajuda a ultrapassar as dificuldades e as provações.

Para vivermos esta comunhão com Deus, que nos dá a vida em abundância, a alegria completa, precisamos de estar reconciliados com Deus, connosco próprios e com os outros.

Pelo Sacramento da Penitência, devidamente celebrado, perfeitamente vivido, o perdão de Deus alcança-nos, e por Sua graça concede-nos também o dom de nos perdoarmos das nossas faltas, e de perdoarmos aos outros as faltas que contra nós cometeram.

A memória fica, (porque a memória não se apaga), mas já não nos magoa, não nos incomoda, não nos retira a paz, antes pelo contrário, serve-nos de ensinamento, de aviso, para que não repitamos os actos e atitudes que tanto nos magoaram.

E se a memória é libertada da dor, do incómodo, a paz instala-se, o amor reencontra-se, e assim a liberdade é uma realidade, porque ela se baseia então da relação com Deus, do amor de Deus, e o amor de Deus é incondicional, por isso mesmo nos criou em liberdade.

E é toda esta cura e libertação que podemos alcançar, pela graça de Deus, na celebração do Sacramento da Penitência.


5 – Notas Finais

Permito-me, perante esta reflexão pessoal da minha vivência do Sacramento da Penitência, perceber quanto a Igreja e todos nós cristãos temos que fazer ainda, para que este sacramento seja uma realidade na vida de cada cristão.

O ensinamento da Igreja sobre este maravilhoso sacramento, necessita de uma nova catequese, de uma nova forma de ser apresentado, uma forma que dele aproxime os cristãos, sobretudo os mais jovens, os adolescentes.

Tenho para mim, por experiência própria, que uma confissão bem celebrada, bem vivida, é um momento de paz e alegria, que se prolonga por muito tempo.

Acredito que, se conseguirmos que os adolescentes, por exemplo, sintam necessidade de se confessar, (muito mais do que por obrigação do calendário litúrgico), a Igreja será muito mais comunhão, a caridade será mais realidade, a sociedade assistirá a muito mais testemunhos de homens livres e em paz, consigo mesmo e com os outros.
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terça-feira, 4 de outubro de 2011

O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA (3)

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"O retorno do filho pródigo" de Rembrandt



3 – As condições para a celebração do Sacramento da Penitência e os seus efeitos


Pela reflexão atrás feita, percebemos que, para que o Sacramento da Penitência seja recebido em toda a sua plenitude, com toda a graça de Deus que este sacramento derrama nas nossas vidas, é preciso que seja bem celebrado.

A Confissão não pode ser apenas um relatório de pecados, um desfiar de fraquezas, um contar de problemas.
É preciso que assumamos as nossas faltas, (não arranjando desculpas, tais como: “foi por causa dos outros”), que nos confrontemos com as nossas fraquezas, que tenhamos a consciência do arrependimento e o propósito de emenda, ou seja o compromisso de não voltar a cometer esses pecados, mesmo que infelizmente venhamos a cair neles novamente.

A nossa condição de pecadores, não nos pode levar a desistirmos, ou a não lutarmos com todas as nossas forças contra as tentações que nos levam a pecar, como se de um “destino” se tratasse, mas sim, firmados na graça que Deus nos concede neste sacramento, estarmos atentos e vigilantes, para em todos os momentos, lutarmos por uma verdadeira conversão, uma verdadeira mudança de vida.

É preciso assim, abrirmos os nossos corações ao perdão de Deus e percebermos que se Ele nos perdoa, não podemos nós continuar agarrados à lembrança desses mesmos pecados.
Assim, ao recebermos o perdão de Deus, também o nosso coração se abre à reconciliação connosco próprios e com os outros, sendo nós libertos do peso da vergonha, da lembrança que nos magoa, e em paz connosco, ficamos também em paz com os outros e vivemos mais um pouco da abundância da vida e da alegria que Jesus Cristo nos veio trazer.

Também pela celebração do Sacramento da Penitência alcançamos a graça da força necessária para pedirmos perdão àqueles que nós magoámos e perdoarmos aqueles que nos magoaram.

Sabemos que na celebração deste sacramento, verdadeiramente apenas devíamos confessar os pecados mortais, mas a “dimensão” do pecado tem muito mais a ver com a nossa consciência e a noção de onde nos podem levar certas práticas, do que com uma definição de “pecado mortal”, o que não significa que essa definição não exista e não deva ser linha e rumo para cada cristão.

Mas hoje em dia, a noção de pecado está muito esbatida na sociedade em geral, e, sobretudo naqueles que não têm uma vivência diária empenhada da Fé, o pecado não existe, a não ser quando tratamos de algo muito grave como um homicídio, ou um roubo, (e que mesmo assim tem de ter já uma considerável dimensão), para que o consideremos como algo de grave, como pecado.

Mas a verdade é que, para aqueles que têm uma vida espiritual diária, para aqueles que pretendem uma comunhão com Cristo em Igreja, o pecado apresenta-se, ou deve apresentar-se como uma realidade constante, embora não obcecante.

Com efeito, à medida que cada cristão vai vivendo a Fé, vai caminhando ao encontro da vontade de Deus, vai também percebendo que algumas coisas que dantes fazia e às quais não dava “valor” de pecado, passam a constituir também caminho de conversão, caminho de mudança de vida, e como tal “aparecem” sempre no exame de consciência que cada cristão faz da sua vida diária.

Percebendo-o, o cristão sente a necessidade de se purificar desses “pequenos” pecados veniais, recorrendo ao Sacramento da Penitência, pois percebe bem que esses pecados muitas vezes repetidos, são “fonte” de inquietude, de intranquilidade, e como tal, e porque tantas vezes fazem parte de um modo de viver, de um feitio interior, precisam de algo mais do que a capacidade de cada um para lutar, precisam da graça divina, alcançada no Sacramento da Penitência e na oração e vigilância constantes.

Então o cristão precisa de algo palpável, precisa da bênção visível, precisa da palavra conselheira e acolhedora, que o faça perceber e viver a reconciliação total com o Deus que o ama eternamente.

Esse “algo”, é sem dúvida o Sacramento da Penitência.
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