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Voltava eu do campo quando vi aquela multidão numa rua de Jerusalém.
Vi-me num instante no meio daquela gente que ululava como possessa, perante um Homem que transportava uma cruz.
O Homem estava desfigurado, ferido, ensanguentado, era a imagem de um desprezado, de um proscrito, de um condenado e, no entanto, emanava d’Ele uma força, uma bondade que eu não conseguia entender.
Arrastava-se penosamente com o peso da cruz, e a sua face estava coberta de sangue que provinha de uma coroa de espinhos que tinha colocada na cabeça.
Era uma imagem desoladora e eu vivia um misto de pena e receio, ao mesmo tempo que sentia um desejo de O ajudar, mas o medo dos soldados ali presentes impedia-me de o fazer.
Absorto nos meus pensamentos sobre tudo o que aquilo significava, senti-me agarrado por dois soldados que, sem nada me perguntar, me obrigaram a ajudar Aquele Homem a transportar a Sua cruz.
Incapaz de reagir dei por mim a colocar a Sua cruz nos meus ombros e a seguir Aquele Homem na Sua caminhada para a crucificação.
Não conseguia perceber se a cruz me pesava mais do que o sentimento que tinha de me sentir também invectivado por aqueles que O ofendiam, quando eu afinal nada tinha a ver com tudo aquilo.
Coisa estranha, pensei eu, sentia aquela cruz como um pouco das cruzes da minha vida que tantas vezes me recusava a carregar.
Quanto mais caminhávamos, com grande dificuldade, mais o meu coração se ia enchendo de compaixão por Aquele Homem, que eu não conhecia, mas sentia como Alguém muito próximo de mim.
Chegados ao Calvário, Ele olhou para mim com os olhos mais doces que alguma vez eu tinha visto e senti-me envolvido num amor para mim incompreensível, mas que eu percebi bem que vinha d’Ele.
Fiquei ali, extático e sem reação, a olhar para a crucificação, para a agonia d’Aquele Homem, que eu sentia no meu coração inexplicavelmente, até à Sua morte, antecedida de um pedido de perdão ao Seu Pai por todos aqueles que O matavam.
No caminho de regresso a casa senti a voz d’Aquele Homem que me dizia docemente:
Simão de Cirene, obrigado por Me teres ajudado a levar a Minha cruz. Fica a saber que nela estava também a tua cruz do dia a dia e que, de agora em diante, serei Eu que te ajudarei a carregares a tua cruz todos os dias.
Do meu coração apenas saía um contrito obrigado, Senhor, obrigado!
Ah, Senhor, quisera eu ser Simão de Cirene, mas por vezes nem a minha cruz eu quero levar!
Marinha Grande, 20 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves
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