quinta-feira, 22 de junho de 2006

MEDITAÇÃO SOBRE O ESPÍRITO SANTO COM LEÃO XIII

Retirado de PNEUMA (www.pneuma-rc.pt)

1. A necessidade de catequese para uma espiritualidade trinitária

É claro que objectivamente a adoração a uma Pessoa da Santíssima Trindade é adoração ao mesmo Deus, uno e trino: «Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele a nossa morada» (Jo 14,23). A teologia e a liturgia da Igreja estão continuamente a indicar-nos a igual e completa «glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo». Mas desde logo devido a um certo esquecimento prático muito corrente da pessoa do Espírito Santo, ou a uma certa marginalização ou menorização do culto que lhe é devido, facto que o próprio papa Leão XIII reconheceu na sua Encíclica Divinum Illud, é necessário insistir no culto ao Espírito Santo (como recomenda Leão XIII na citada Encíclica) para reequilibrar a catequese e para que a vida de intimidade com Deus inclua, de modo muito vivido, a intimidade com o Espírito Santo, ficando assim mais profundamente cristológica e trinitária.Sucede porém não raro que, na espiritualidade corrente dos católicos, a adoração e o culto ao Pai e ao Filho não se estende igualmente ao Espírito Santo. É necessária uma catequese trinitária como pregou S. Paulo: «é por ele (Cristo) que todos (pagãos e judeus) temos acesso junto ao Pai num mesmo Espírito» (Ef 11,18). E também diz S. Paulo: «se alguém não possui o Espírito de Cristo, esse não pertence a Cristo» (Rm 8,9). E ainda: «a prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de Seu Filho, que clama: “Abba, Pai!”» (Gal 4,6).

2. Jesus Cristo e o Espírito Santo, segundo o Papa Leão XIII

Na já referida Encíclica Divinum Illud, publicada na proximidade do ano de 1900, escreve Leão XIII, depois de explanar sobre a Santíssima Trindade e as «apropriações» de cada uma das pessoas divinas.«Entre todas as obras de Deus ad extra, a maior é, sem dúvida, o mistério da Encarnação do Verbo; nela brilha de tal modo a luz dos divinos atributos, que nem é possível pensar nada superior nem pode haver nada mais salutar para nós. Este grande prodígio, ainda quando tenha sido realizado por toda a Trindade, é contudo atribuído como «próprio» ao Espírito Santo. Diz o Evangelho que a concepção de Jesus no seio da Virgem foi obra do Espírito Santo (14), e com razão, porque o Espírito Santo é a caridade do Pai e do Filho, e este grande mistério da bondade divina (15), que é a Encarnação, foi devido ao imenso amor de Deus ao homem, como adverte S. João: “Tanto amou Deus o mundo, que lhe deu seu Filho Unigénito” (16). Acrescente-se que, por esse acto, a natureza humana foi elevada à união pessoal com o Verbo, não por mérito algum, mas apenas por pura graça, que é dom próprio do Espírito Santo. Diz Santo Agostinho que o modo admirável com que Cristo foi concebido por obra do Espírito Santo nos dá a entender a bondade de Deus, posto que a natureza humana, sem mérito algum precedente, foi logo no primeiro instante unida ao Verbo de Deus em unidade tão perfeita que ao mesmo tempo a mesma pessoa fosse Filho de Deus e Filho do homem (17).Por obra do Espírito Divino teve lugar não apenas a concepção de Cristo, mas também a santificação da sua alma, que os Sagrados Livros chamam unção (18), e assim é que todas as suas acções se realizavam sob o influxo do mesmo Espírito (19), que também cooperou de modo especial no seu sacrifício, segundo a frase de San Paulo: «Cristo, que por meio do Espírito Santo, se ofereceu como hóstia inocente a Deus» (Hb 9,14). Depois de tudo isto, já não estranhará que todos os carismas do Espírito Santo inundassem a alma de Cristo, uma vez que em Cristo houve, no modo mais alto e com a maior eficácia que se pode ter, uma abundância de graça singularmente plena, todos os tesouros da sabedoria e da ciência, as graças gratis datas, as virtudes, e plenamente todos os dons, já anunciados nas profecias de Isaías (4,1; 11,2.3.) e simbolizados naquela misteriosa pomba aparecida no Jordão, quando Cristo, com o seu baptismo, consagrava as suas águas para o novo Testamento.

3. Exortações
3.1. Fomente-se o conhecimento e amor do Espírito Santo

Voltemos ao texto da Encíclica Divinum Illud. «Seguramente farão muito bem os cristãos se em cada dia se empenharem más em conhecer melhor o Espírito Santo, em amá-lo e suplicar-lhe; Vai nesse sentido esta nossa exortação, tal como surge espontânea do nosso paternal ânimo».E o Papa continua: «Talvez não falte em nossos dias quem, se fosse interrogado como em outro tempo alguns cristãos foram interrogados por S. Paulo, “se tinham recebido o Espírito Santo”, responderia por sua vez: “Nós, nem sequer ouvimos dizer que existe o Espírito Santo” (Act 19,2). E se a tanto não chega a ignorância, em muitos deles é escasso o seu conhecimento sobre o Espírito Santo; talvez até tenham o seu nome nos lábios com frequência, enquanto a sua fé está cheia de grande escuridão». O Papa Leão XIII faz então aqui uma frontal recomendação, por estas palavras: «Lembrem-se, pois, os pregadores e os párocos que lhes pertence ensinar com diligência e claramente ao povo a doutrina católica sobre o Espírito Santo, evitando embora questões difíceis e subtis e fugindo da tola curiosidade que presume indagar todos os segredos de Deus. Cuidem de recordar e explicar claramente os muitos e grandes benefícios que do Divino Dador nos vêm constantemente, de forma que sobre coisas tão altas desapareça o erro e a ignorância, impróprios dos filhos da luz. Insistimos nisto não só por se tratar de um mistério, que directamente nos prepara para a vida eterna e que, por isso, é necessário crer firme e expressamente, mas também porque, quanto mais clara e plenamente se conhece o bem, mais intensamente o bem é querido e amado. Queremos agora recomendar-vos isto: devemos amar o Espírito Santo, porque é Deus: “amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Deut 6,5). E há-de ser amado porque é o Amor substancial eterno e primeiro, e não há coisa mais amável do que o amor; e tanto mais o devemos amar quanto nos encheu de imensos benefícios, que testemunham a benevolência do doador, e exigem a gratidão da alma que os recebe. Amor este que tem uma dupla utilidade, certamente não pequena. Primeiramente, obriga-nos a ter nesta vida un conhecimento cada dia mais claro do Espírito Santo: aquele que ama, diz S. Tomás, não se contenta com um conhecimento superficial do amado, mas esforça-se por conhecer cada uma das coisas que lhe pertencem intrinsecamente, entrando assim no seu íntimo, do mesmo modo que se diz do Espírito Santo, que, sendo amor de Deus, conhece até ao mais profundo de Deus (1 Cor 2,10; I-II q.28, a.2.). Em segundo lugar, tornará maior ainda a abundância dos dons celestiais, pois, assim como a frieza faz fechar a mão do doador, assim o agradecimento a faz abrir e alargar-se. E cuide-se bem de que esse amor não se limite a áridas congeminações ou a actos religiosos externos; porque deve ser operante, fugindo do pecado, que é especial ofensa contra o Espírito Santo. Quanto somos e temos, tudo é dom da divina bondade, que nos vem como própria do Espírito Santo; portanto, o pecador que O ofende, recebe d’Ele os seus benefícios e ao mesmo tempo abusa dos seus dons para ofendê-lo; porque Ele é bom, o pecador multiplica incessantemente as suas culpas quando se levanta contra Ele».

3.2. Não O entristeçamos

«Acrescente-se, além disso, que uma vez que o Espírito Santo é Espírito de verdade, se alguém falta por debilidade ou ignorância talvez tenha alguma excusa perante o tribunal de Deus; mas aquele que se opõe à verdade, ou a rejeita por malícia, comete gravíssimo pecado contra o Espírito Santo. Pecado tão frequente na nossa época que parecem chegados os tristes tempos descritos por S. Paulo, nos quais, obcecados os homens por justo juízo de Deus, reputam como verdadeiras as coisas falsas, e acreditam no príncipe deste mundo, que é mentiroso e pai da mentira, como mestre da verdade: Deus lhes enviará o espírito do erro para que creiam na mentira (53): nos últimos tempos alguns se separarão da fé, para crer nos espíritos do erro e nas doutrinas dos demónios(54): E porque o Espírito Santo, como antes dissemos, habita em nós como no seu templo, repitamos com o Apóstolo: «Não queirais contristar o Espírito Santo de Deus, que vos consagrou»(55). Para isso, não basta fugir de tudo o que é imundo, mas é preciso que o homem cristão resplandeça com toda a virtude, especialmente em pureza e santidade, para não desagradar a hóspede tão grande, posto que a pureza e a santidade são próprias do templo. Por isso exclama o mesmo Apóstolo: «Mas não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém ousar profanar o templo de Deus, será maldito de Deus, pois o templo deve ser santo e vós sois esse templo»(56); ameaça tremenda, mas justíssima.

3.3. Peçamos o Espírito Santo

Por último, convém rogar e pedir ao Espírito Santo, cujo auxílio e protecção todos necessitamos em extremo. Somos pobres, débeis, atribulados, inclinados ao mal: recorramos portanto a Ele, fonte inesgotável de luz, de consolo e de graça. Sobretudo, devemos pedir-lhe o perdão dos pecados, que tão necessário nos é, posto que o Espírito Santo é dom do Pai e do Filho, e os pecadores são perdoados por meio do Espírito Santo como por dom de Deus (S. Th. III q.3, a.8 ad 3.), o qual se proclama expressamente na liturgia quando ao Espírito Santo se clama remissão de todos os pecados (In Miss. Rom. fer. 3 post Pent.).Qual seja a maneira conveniente para invocá-l’O, aprendamo-lo da Igreja, que suplicante se volve para o mesmo Espírito Santo e o chama com os nomes mais doces de pai dos pobres, dador dos dons, luz dos corações, consolador benéfico, hóspede da alma, aura de refrigério; e lhe suplica encarecidamente que limpe, sane e reja as nossas mentes e os nossos corações, e que conceda a todos os que n’Ele confiamos o prémio da virtude, o feliz final da vida presente, o perene gozo na vida futura. Nem cabe pensar que estas preces não sejam escutadas por aquele de quem lemos que roga por nós com gemidos inefáveis (59). En resumo, devemos suplicar-lhe com confiança e constância, para que diariamente nos ilumine mais e mais com a sua luz e nos inflame com a sua caridade, dispondo-nos assim pela fé e pelo amor a que trabalhemos com denodo por adquirir os prémios eternos, posto que Ele é o penhor da nossa herança (Ef 1,14).
Mário Pinto

1 comentário:

Anónimo disse...

Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.

- Daniel