quinta-feira, 24 de março de 2016

ÚLTIMA CEIA

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Sentas-Te com os Teus à volta da mesa, para com eles celebrares a Ceia Pascal.

Eles não sabem, nem sonham, como esta Ceia Pascal vai transformar tudo e todos, como esta mesa de celebração vai completar o Altar do Calvário, onde Te vais entregar por eles e por todos nós.

No meio deles há um que Te vai trair, tal como no meio de nós continuam a existir muitos que Te traem, a começar por mim.
É curioso como todos eles se perguntam quem será o traidor, como se todos eles já percebessem que eram fracos e pecadores, como nós hoje, e sempre.
Aquele, daquele tempo, rejeitou a Tua misericórdia! Nós ansiamos por ela, vivemos por ela e nela queremos morrer.

Levantou-se a “velha” conversa sobre qual seria o maior, o mais importante, conversa infindável, que hoje continua nas nossas vidas, mesmo em Igreja.
Não tinham ainda percebido, como nós ainda também não percebemos totalmente, que o Teu Reino não é deste mundo.
Procuramos-Te tanto, Senhor, por causa das nossas dores, das nossas infelicidades, das nossas necessidades, e não percebemos que o melhor que Tu nos queres dar é o amor, o Teu amor, que salva, porque é entrega total.

Para lhes mostrares, para nos mostrares, como o Teu Reino é diferente do mundo, baixas-Te nessa Tua humildade “impossível”, tomas-lhes os pés, e lava-los cheio de amor.
E dizes com o ar mais simples, como se fosse fácil, que mais devemos servir do que ser servidos!

Como queres Tu, Senhor, que Te entendamos, se tudo fazes ao contrário daquilo que achamos melhor?
Quando paras, Senhor, de nos surpreender com esse amor infinito, com que insistentemente nos quer salvar?

É então, Senhor, que os, que nos, surpreendes uma vez mais, e provas, sem dúvida, que a Tua promessa de ficar para sempre connosco, se torna realidade naquele momento e para sempre.
Porque é então, Senhor, que Te dás a comer e a beber aos Teus, (e aos que Te seguirem), fazendo-Te pão e vinho, ou fazendo do pão e vinho, o Teu Corpo e Sangue, alimento divino e imperecível para os homens.

E depois, Senhor, a Última Ceia continua, e unida à Tua Paixão, Morte e Ressurreição, não mais tem fim, porque o Teu amor é eterno, porque Tu és eterno, porque está sempre realmente presente em cada Eucaristia celebrada.

Que hoje, Senhor, naquele momento sublime em que mais uma vez no altar Te farás alimento divino para o homem, eu possa dizer, mais do que dizer, proclamar no meu intimo, na minha vida e a todo o meu ser, a verdade inabalável: «Meu Senhor e meu Deus!»


Marinha Grande, 24 de Março de 2016
Joaquim Mexia Alves
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domingo, 20 de março de 2016

ÀS VEZES “EXAGERAS”, SENHOR!

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Deus, às vezes, até “exagera” no modo como nos toca! Hoje senti isso mesmo!

Era/É um Domingo como os outros, tirando o facto de ser Domingo de Ramos e eu ser chamado pela paróquia a servir como Ministro Extraordinário da Comunhão. Tudo bem e tudo normal!

Mas então começam alguns factos que já vinham de trás, pelo menos um deles.
Um grande amigo meu, um amigo do coração, depois de um caminho que começou a fazer e continua a fazer, quis estar presente nesta Missa de Domingo de Ramos, para, por pura amizade, receber das minhas mãos pecadoras, a Comunhão, que marca para ele um recomeço, uma nova vida, um novo caminho alicerçado em Deus.
Claro, o meu coração sentimental, já antevia dificuldades de conter a emoção, mas tudo bem, nada que não fosse possível viver e conter.

Depois o sacerdote celebrante, meu amigo, vizinho, e sobretudo companheiro de oração, pediu-me para eu ser o narrador da Paixão de Cristo, ou seja, o Evangelho do dia.
Mas tudo bem ainda!

O dia está de chuva, a celebração começa cá fora com a bênção dos ramos, e eu penso e até digo com ironia saudável, a quem está ao meu lado: O padre que abençoe as nuvens e assim a chuva, a água abençoada, irá cair sobre todos os ramos e sobre todas as pessoas!

A celebração continua e canta-se de um modo profundamente tocante o Salmo: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste.»
Começa ser demais e a presença dEle tão forte ali, junto de todos, junto de mim, abre as cisternas dos meus olhos e o mais disfarçadamente possível deixo cair umas lágrimas.
Claro, apetece-me gritar: Eu amo-te, meu Senhor e meu Deus!

Depois vem a narração do Evangelho!
O meu coração já fragilizado começa a contrair-se, mas quando leio que Ele começou a orar no Horto das Oliveiras e suou sangue, sinto dentro de mim que Ele me diz para não adormecer eu também nos meus pecados, e a voz embarga-se-me, e uma lágrima teimosa, incontrolável, decide aflorar aos meus olhos.
Preparo-me logo para o momento do «Dito isto, expirou!»
Engulo em seco, sinto-O ali, connosco, a dizer a cada um: Como Eu te amo, minha filha e meu filho!

E tudo continua quando Ele se faz pão e vinho, ou faz do pão e vinho, o Seu Corpo e Sangue, e apenas posso dizer: Meu Senhor e meu Deus!

E vem a Comunhão e o meu amigo aproxima-se de mim, olha-me nos olhos, e eu vejo Cristo nEle e até ouso ver Cristo em mim, e dou-lhe o Senhor que assim se faz alimento de vida nova.
Fecho os olhos com força e apetece-me dizer: Ai, Senhor, assim Tu “matas-me” de amor!

Fico por aqui, nada mais escrevo, nada mais quero pensar, nem refletir, mas apenas, Senhor, pensar como Te serves Tu de mim, pobre pecador, e assim me enches o coração de gozo e alegria!
Ah, Senhor, Tu vieste mesmo para todos, vieste para os pecadores, nos quais por Tua graça me incluo!

Marinha Grande, 20 de Março de 2016

Joaquim Mexia Alves
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

QUARTA FEIRA DE CINZAS

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Visto-me de saco, cubro-me de cinzas, prostro-me a Teus pés e suplico-Te:

Tem compaixão, Senhor, que sou pecador. Perdoa-me e guia os meus passos segundo a Tua vontade.


Inclinas-Te até mim, olhas-me com os Teus olhos rasos de amor, tomas-me pela mão, levantas-me, encostas-me ao Teu coração e num alento de ternura, dizes-me:

Estás perdoado! Não temas! Vou mostrar-te o caminho, que será largo por vezes e bem estreito outras vezes, será plano e fácil, mas passará também por veredas tenebrosas, nuns tempos dar-te-á segurança, noutros caminharás entre abismos, terá momentos de alegria exaltante e lágrimas de tristeza frustrante, mas uma coisa saberás inabalavelmente, é que se não Me largares a mão, se confiares em Mim, tudo ultrapassarás e chegarás ao fim ao encontro do amor eterno!




Levanto-me do chão, olho-Te nos olhos, dou-Te a mão e digo baixinho, com medo de perder o momento: 
Obrigado, Senhor. Partamos então no caminho da Tua vontade para a vida que me deste e, se sentires por um momento que quero largar a Tua mão, não o permitas, Senhor, e agarra-a ainda com mais força, para que nunca me separe de Ti.



Quarta Feira de Cinzas 2016
Marinha Grande, 10 de Fevereiro de 2016
Joaquim Mexia Alves
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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

CONFISSÃO!

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Claro que não sou nada, Senhor!

E, claro, que Tu és tudo, Senhor!

E, graças a Deus que assim é, porque se não, como poderia eu saber que aquilo que faço, (ou pretendo fazer), é bom e com sentido, se me reconheço pecador empedernido, embora sempre com forte propósito de emenda.

E será que aquilo que faço, é bom e com sentido?
Será que não o faço para mim, para satisfazer o meu orgulho, a minha vaidade, a minha ânsia de protagonismo?

Vês, Senhor, como é bom querer reconhecer que sou nada e Tu és tudo!

É que assim, Senhor, Tu deixas que aquilo que faço aproveite a outros, sem Te importares com as minhas intenções, se elas são puras para Te servir nos outros, ou se são para me fazer, (pobre de mim pecador), melhor do que os outros.

E lembro-me de Paulo, Teu Apóstolo aos gentios, (perdoa-me a comparação, coitado de mim), que nos dizia ter um espinho cravado.
E olho para este espinho de orgulho e vaidade, cravado em mim, que me entra pelo ser adentro, e me faz questionar sempre, se o faço por Ti, pelos outros, ou apenas e só por mim.

Sim, Senhor, vivo com esse espinho, afinal por Tua graça, Senhor, porque acredito que sabes que é a melhor forma de me fazeres procurar o verdadeiro caminho para Ti … desistindo de mim, ou melhor, desistindo da minha vontade, para fazer apenas a Tua!

Obrigado, Senhor, apesar do espinho, ou mesmo pelo espinho, que me leva a querer aproximar ainda mais de Ti!

Feliz sou eu, Senhor, porque me dás luta, mas estás sempre comigo na luta que me dás!


Marinha Grande, 9 de Fevereiro de 2016
Joaquim Mexia Alves
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sábado, 30 de janeiro de 2016

ABRIR O CORAÇÃO AO AMOR

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Mansamente,
cheio de amor,
Ele bate à porta da nossa vida.

Meigamente,
com a voz repassada de ternura,
Ele pergunta se pode entrar.

Franqueamos-lhe a porta,
abrimos-lhe a nossa vida,
entregamos-lhe o nosso coração.

Olhos nos olhos,
diz-nos com um sorriso humilde,
quase tímido:
Amo-te, 
por isso dei a minha vida por ti!

Já nada interessa,
(embora tudo interesse),
já não há mundo,
(embora nós o vivamos),
já não há mais ninguém,
(embora a todos queiramos ter),
porque Ele,
com o seu amor,
nos ensina a viver.

Na Cruz,
com Jesus,
encontramos a Luz,
que nos faz sonhar ...
a realidade
de a todos podermos amar.


Joaquim Mexia Alves

Marinha Grande, 30 de Janeiro de 2016
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domingo, 24 de janeiro de 2016

FELIZ ÉS TU PORQUE ACREDITAS!

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«Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor.» Lc 1, 45

Há o Dom da Fé, Dom gratuito de Deus aos homens.

Mas se não abrimos o coração a Deus, se não abrimos o coração para acreditar, para que serve o Dom da Fé?

Feliz de ti que acreditaste, porque assim o Dom da Fé se tornou real, vivo e actuante na tua vida.

E se tens Fé, se acreditas que tens esse Dom da Fé, então acreditas em Deus pela Fé, e acreditas que Ele está sempre contigo, porque acreditas em tudo quanto te foi dito pelo próprio Senhor na Sua Palavra.

E se acreditas que Deus está sempre contigo, como podes tu não ser feliz?

Feliz és tu porque acreditas!
E és feliz porque não só acreditas em Deus, como acreditas em tudo o que Ele te disse, acreditas na Sua Palavra e acreditas em tudo quanto te foi dito da parte d’Ele, pela Igreja.

Por isso, porque acreditas, a Palavra é vida para ti, a oração é ânimo para ti, a Eucaristia é alimento para ti, a Igreja é casa de família e caminho seguro para ti e Maria é tua mãe e refúgio em todos os momentos.

Feliz és tu porque acreditas!


Leiria, 23 de Janeiro de 2016
Joaquim Mexia Alves


Nota: Escrito durante a recoleção para Ministros Extraordinários da Comunhão, no Seminário Diocesano de Leiria-Fátima
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domingo, 17 de janeiro de 2016

«AINDA NÃO CHEGOU A MINHA HORA»

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«Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora.» Jo 2, 4

E quando chega a nossa hora, Senhor?

A nossa hora é a tua hora, Senhor, quando naquela tarde a tua cabeça pendeu sobre o teu peito e Tu entregaste a vida como Homem, ao Pai!

Nesse dia e nesse momento foi e é a nossa hora, que todos os dias se faz presente na Eucaristia.

É que foi nessa hora que nos libertaste da lei do pecado, da lei da morte, e é essa hora a que cada um de nós tem acesso, (pela liberdade com que nos criaste), que faz de nós filhos de Deus, herdeiros do Pai, no Filho, pelo Espírito Santo.

E é uma hora tão sublime e presente que é sempre a hora em que livremente escolhemos seguir-Te, para que seja a nossa hora, feita hora Tua, Senhor!

Que essa hora seja a minha hora em todos os dias e todos os momentos, não pelo relógio do tempo, mas pelo “relógio” do teu amor, Senhor!

Não contes os segundos, minutos, horas e dias em que não vivi a tua hora, Senhor, mas conta apenas, pela tua misericórdia, a hora em que fiz da tua hora, a minha hora também.

E assim, que a minha vida não tenha dias, nem horas, nem minutos, nem segundos, mas se resuma apenas e só à tua hora, para que ela seja também a minha hora, Senhor!

Porque é nessa hora, Senhor, que o milagre de Ti acontece na vida que deste!

Obrigado, Senhor!


Marinha Grande, 17 de Janeiro de 2016
Joaquim Mexia Alves
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sábado, 2 de janeiro de 2016

EPIFANIA

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Não foi um choque que me prostrou no chão, não foi um clarão que me arrebatou ao Céu, não foi uma voz poderosa que chamou pelo meu nome, não foi uma visão avassaladora que me revelou a Verdade.

Foi antes o encontro continuado com A presença amorosa, o abraço apertado com Quem apenas ama, a lágrima tranquilamente derramada perante o Bem tornado visível, a alegria discreta do Bem Estar indescritível, a dúvida feita certeza no reconhecimento da Verdade revelada.

Porque Tu és assim, Senhor, revelas-te no mais pequeno e no maior, nas coisas mais ínfimas e nas coisas mais importantes, em cada momento e em cada oportunidade.

Na criança nascida no meio da guerra, no prato de sopa dado a quem tem fome, na camisola vestida àquele que tem frio, no pedaço de tecto sobre o que vive na rua, no sorriso aberto àquele que está triste, no abraço apertado àquele que se sente só, no encontro tranquilo com aquele que está preso, na visita amorosa ao velho abandonado, na reconciliação de quem está desavindo, no perdão dado a cada ofensa, no perdão pedido por cada ofensa, em cada atitude em que o amor é maior do que o mundo.

Revelas-te no Sol de cada manhã, na chuva molhada que empapa os campos, no rio impetuoso que corre para o mar, no lago tranquilo prenho de peixe, na montanha majestosamente serena que torna mais longe a paisagem, na árvore mais alta que aponta o Céu, no animal selvagem e na sua impetuosidade, na ave que voa rasgando os céus, na beleza da flor que reflecte toda a cor, na voz tremenda do trovão que nos chama à razão, no poder imenso do relâmpago que tudo queima para nascer de novo, em toda a natureza, criação perfeita das Tuas mãos.

Revelas-te sobretudo no Pedaço de Pão, feito Eucaristia, servindo-te das mãos do homem em quem queres confiar, porque “apenas” sabes amar!

Afinal o Rei dos reis, é “tão só” o Servo dos servos, o Deus revelado no amor e por amor!

Obrigado, Senhor!


Marinha Grande, 2 de Janeiro de 2016
Joaquim Mexia Alves
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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

REFLEXÃO PARA UM NOVO ANO, OU PARA UM COMEÇAR DE NOVO!

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Por vezes subo à minha cruz e nela me deixo pregar pelas provações, pelas tristezas, pelos sofrimentos da minha vida.
Mas não resisto muito tempo e, perante a imediata falta de alívio, arranco eu mesmo os cravos, guardo a minha cruz no armário das coisas do passado e tento caminhar como se ela não existisse.
Mas de nada vale, porque ela me acompanha, pesa-me sobre os ombros e não me deixa esquecer.

É então que Ele vem, com aquele imenso olhar de ternura e amor, e me diz:
Porque não confiaste em Mim? Porque não esperaste em Mim? Porque preferiste ouvir o mundo que te disse: «Se és homem desce da tua cruz, porque tu és capaz sozinho.»

E eu respondo, envergonhado:
Mas, Senhor, Tu demoraste tanto!

Olha-me então nos olhos e fala-me cheio de amor:
Não vês, meu filho, que tu queres sempre começar pelo fim? Estás à espera que Eu chegue ao pé de ti e te diga - «Levanta-te, pega na enxerga e vai para tua casa.» Lc 5, 24 – quando é preciso que Eu comece por - «Homem, os teus pecados estão perdoados.» Lc 5, 20

Mas, Senhor, eu quero crer, eu quero confiar, eu quero esperar, mas é tão difícil, quando me deixo pregar na minha cruz!

Ele responde na sua amorosa e eterna paciência:
Sabes bem, meu filho, que se não for Eu a arrancar os cravos das tuas provações, das tuas tristezas, dos teus sofrimentos, eles ficarão sempre em ti, a ferir-te, magoar-te, a condicionar-te. Só Eu te posso libertar, porque só Eu te amo com amor eterno e só Eu me dei inteiramente por ti.

Olho-O nos olhos e digo com o coração transbordando:
Eu sei, Senhor, eu sei. Ajuda-me a crer mais, a confiar totalmente, a esperar sem desistir.

Toma-me então pela mão, aperta-me junto a Si e diz-me:
Sobe para a tua cruz. Crê que Eu estou sempre contigo. Espera e confia, porque vai chegar a hora em que Eu mesmo arrancarei das tuas mãos e dos teus pés os cravos que te prendem a vida. Depois subirás para a minha Cruz, feita Vida Nova para ti, e nela viverás comigo, «pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.»


Marinha Grande, 30 de Dezembro de 2015
Joaquim Mexia Alves


Nota: 
Desejo a todas as pessoas amigas que lêem este espaço, um Novo Ano cheio das bênçãos de Deus.
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domingo, 20 de dezembro de 2015

CONTO DE NATAL 2015

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No frio da sua cela, só e sem alento, sentado na enxerga com a cabeça entre as mãos, pela milionésima vez pensava em tudo o que o tinha trazido até ali, àquela prisão que lhe retirava os anos jovens da sua vida.
Algumas más companhias, o álcool, os “charros”, a falta de encontrar interesses na vida que não fossem os imediatos, os prazeres rápidos e fortuitos, e aquela noite, aquela terrível noite que o tinha mandado directamente para a prisão.

E mais uma vez lhe veio a ideia, uma quase obsessão de fazer para o tempo, de recuar aos primeiros minutos daquela noite e fazer tudo diferente. Sobretudo parar o tempo antes daquele encontrão, que levou aos insultos e que num ápice lhe colocou aquela navalha na mão, que sem qualquer verdadeira razão, tinha espetado violentamente na barriga do outro jovem.
Ah, pudesse parar ali e ter oportunidade de dizer qualquer coisa como, desculpa, foi sem querer, e seguir caminho na noite.

Agora pensava assim, mas nos tempos que se seguiram a essa noite, durante o julgamento, e nos primeiros anos preso, uma raiva surda, um rancor, um quase ódio, tinham tomado conta dele. Afinal o culpado era o outro, que em vez de se afastar, em vez de ter percebido que o encontrão tinha sido sem querer, se “pôs a mandar vir” com ele, e por isso mesmo ele lhe tinha espetado a navalha na barriga. Morreu, mas a culpa era dele!

Mas os anos de prisão tinham-no amaciado. O sentir a vida tão jovem ainda, correr-lhe por entre os dedos, ali aprisionada, vivendo sem qualquer sentido, colocavam-no perante a realidade de perceber que afinal a culpa tinha sido dele e que o outro apenas tinha reagido como os jovens normalmente reagem. Era um arrependimento que pouco a pouco ia tomando conta do seu coração e curiosamente isso dava-lhe uma sensação de paz e de alívio.

Tinha havido uma audiência, (ou lá o que era), para analisar a sua possível libertação condicional, mas ele nada esperava, porque o seu comportamento anterior no julgamento, e durante os primeiros tempos na cadeia, não augurava nada de bom.

Era dia de Natal, (o que a ele dizia muito pouco ou nada), mas lembrava-se de uma ou duas conversas que tinha tido com o padre da prisão, que lhe tinha explicado de modo muito simples a história de Jesus Cristo, que tinha nascido no Natal e era Filho de Deus, segundo o padre, claro, e que tinha vindo para nos salvar com o seu sacrifício de amor.
Mal não fazia, pensou ele, e, ajoelhando-se no chão da cela, olhou para o Céu e disse: Não sei quem és e se estás aí, ou aqui, mas se me amas e se podes, ajuda-me como quiseres para que não perca totalmente a minha vida.

Levantou-se sem qualquer esperança de ser atendido no seu pedido e nesse momento um guarda chamou-o dizendo que tinha uma visita. Ficou admirado pois não esperava ninguém, mas seguiu o guarda até à sala de visitas dos presos.
Ficou ainda mais admirado e receoso quando viu que a visita afinal eram uma mulher e um homem, nos quais ele reconheceu os pais do rapaz que ele tinha morto naquela fatídica noite.
Não sabia o que fazer, mas o olhar que lhe lançaram e o aceno das mãos pedindo que fosse ter com eles, deram-lhe a necessária segurança para se aproximar, de cabeça baixa, envergonhado.
Não tinha sido nada fácil no julgamento senti-los a olhar para ele com um olhar duro que o trespassava. Mas não era esse o olhar que agora lhe devolviam.

Estás com certeza admirado de nos ver aqui? Ouviu ele dizer àqueles pais magoados e tristes.
Com uma voz quase inaudível respondeu: Sim!
Eles falaram novamente: Sabes, temos sabido da tua vida na prisão e sabemos que ultimamente te tens comportado muito bem e que até tens falado com o capelão da prisão.
É verdade, respondeu ele timidamente. Quero acreditar, mas é muito complicado, depois daquilo que fiz.
Eles disseram-lhe: Sabes, nós somos católicos acreditamos em Deus e no seu amor infinito e acreditamos também no seu perdão.
Olhou para eles admirado e eles continuaram: Sabes também que houve uma reunião para decidir a tua liberdade condicional. Nós quisemos estar presente e como nos ensinou Jesus Cristo, quisemos dizer ao juiz e às pessoas que lá estavam que te perdoávamos sinceramente e mais ainda, que tendo sabido do que se passava na prisão contigo, pedimos que te fosse concedida a liberdade condicional.

Levantou a cabeça, olhou para eles, os olhos encheram-se de lágrimas e não soube o que dizer.

Mas eles acrescentaram: Nós pedimos e foi-nos concedido que fossemos nós a trazer-te a notícia. Sais hoje em liberdade condicional e esse é o melhor perdão que te podemos dar. Quando saíres daqui do pé de nós, podes ir fazer o teu saco, pois hoje mesmo vais passar o Natal a tua casa.

Ia dizer qualquer coisa, como obrigado, (sabia lá ele bem o que dizer naquela altura), mas eles interromperam-no e disseram-lhe: Teremos depois tempo para falar, mas para já agora o que deves fazer é acreditar, verdadeiramente acreditar, que neste Natal, Jesus Cristo nasceu para te salvar.


Joaquim Mexia Alves
Marinha Grande, Dezembro de 2015


NOTA: Com este Conto de Natal desejo a todas as amigas e amigos que visitam este espaço, um Santo Natal e um Novo Ano cheio das bênçãos de Deus.
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sábado, 5 de dezembro de 2015

UM CRISTÃO NUNCA MORRE!

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Com enorme reverência à inspiração única de Fernando Pessoa.
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«No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.»

E ali,
Onde a terra se faz Céu,
Por causa da oração,
Daqueles,
Dos filhos Seus,
O morto ressuscita,
E a vida se acalenta,
Porque é vida verdadeira,
A vida querida de Deus.

«Tão jovem! que jovem era!»
O seu nome era conhecido
Por todos e pelos seus,
Era menino e vida,
Era um filho de Deus.

Bem perto, em Igreja, há prece,
Que o Céu o receba também,
(mistérios que só Deus tece),
Ressuscita e faz-se vida.
O menino filho de Deus.


«Aos mártires, jovens cristãos, mortos apenas por serem filhos de Deus»


Marinha Grande, 5 de Dezembro de 2015
Joaquim Mexia Alves
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sábado, 28 de novembro de 2015

ADVENTO (II)

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Começa agora o tempo da esperança,
no Céu já brilha a luz gloriosa
da estrela auspiciosa
que aponta o caminho
do Nascimento em Belém.

Abre-se o coração
vai nascer o Salvador
Aquele que um dia na Cruz,
vai transformar a dor
na eterna salvação.

Ao longe
e dentro de nós,
já se ouve dos anjos,
a doce e amorosa voz,
que nos enche de felicidade:
«Glória a Deus nas alturas,
e paz na terra aos homens,
de boa vontade!»


Marinha Grande, 28 de Novembro de 2015
Joaquim Mexia Alves
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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

PERANTE O ÓDIO APENAS O AMOR VENCERÁ!

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Ao vermos e ouvirmos as notícias sobre os atentados em Paris, na Nigéria, no Quénia, pelo mundo fora, baseados, segundo os seus autores, numa qualquer missão dada por um deus que não existe, os nossos sentimentos humanos, cristãos, católicos, são colocados à prova, ou seja, se cedemos ao mais fácil que é a raiva, o rancor, que leva rapidamente ao ódio e à vingança, não ficaremos muito diferentes do que aqueles que os perpetraram
Afirmo que é uma “missão dada por um deus que não existe”, porque o Deus Criador que dá tal total liberdade à criatura, só pode ser um Deus de infinito amor e como tal, um Deus que apenas ama, que é vida e não pode odiar, pelo que, nunca pedirá àqueles que O seguem missões de ódio e de morte.

Mas perante o horror, perante a barbárie, os nossos sentimentos “baralham-se” e damos connosco a desejar que tal gente sofra na pele aquilo que fez sofrer aos outros, desejamos secreta ou mais abertamente uma forte retaliação, que os coloque perante o sofrimento, e também e assim, julgamos nós, os faça mudar de vida.

Mas este mudar de vida, para quem vive no ódio e para o ódio, só pode acontecer se encontrarem o Amor, amor com maiúscula, sim, ou seja o próprio Deus, e não um qualquer ser demoníaco que eles seguem como se fosse Deus.

E como se levam as pessoas ao amor?
Só se pode levar alguém ao amor, com amor! Não há outra forma!

E sim, é verdade, o amor exige muitas vezes ou sempre, o ensinar, o corrigir, até o castigar para ensinar e corrigir, mas tudo na proporção certa, ou seja, que não transforme a “correcção fraterna”, numa atitude que possa ser confundida com raiva, com ressentimento e até com vingança.

Obviamente, e infelizmente, julgo que neste caso específico dos terroristas ditos islâmicos, (por favor não lhes chamemos estado islâmico porque é dar-lhes o que eles não têm), terão que acontecer intervenções armadas com o fim de os conter, sobretudo para proteger os inocentes, sejam eles quais forem, cristãos, muçulmanos, ateus, enfim pessoas como nós.

Mas tenho para mim que essas acções militares de nada valerão, se não houver da nossa parte uma entrega profunda e intensa à oração, intercedendo continuamente por esta gente que anda perdida no ódio e na morte.
Só Deus no e com o seu amor, pode mudar estes corações, e a nós compete-nos como missão, interceder por eles em oração, dar testemunho do Amor, não odiando, e sendo “mansos e humildes de coração” como é Nosso Senhor.

«Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.» Mt  5, 48

E, claro, a mesma intercessão de oração e testemunho de amor, pelas vitimas, para que Deus as console na sua dor e para que retire do seu coração sentimentos de rancor e ressentimento, ou desejos de vingança, que apenas lhes provocarão ainda mais dor.

Difícil, muito difícil, mas não impossível pela graça de Deus!


Marinha Grande, 16 de Novembro de 2015
Joaquim Mexia Alves
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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A “CARIDADE” QUE EU PRATICO!

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Ao ouvir a homilia do Pe Patrício, (Vigário paroquial da Marinha Grande), dei comigo a reflectir sobre o modo como pratico a caridade, sobretudo, quando se trata de valores em dinheiro.

E fiquei envergonhado comigo próprio!
É que constatei de imediato que quando pretendo dar algum valor à Igreja, a alguma obra de assistência, etc., a primeira coisa que faço é contas ao futuro, ao que poderei ou não precisar, (considerando sempre uma “almofada de segurança”), e então disponibilizar o que julgo me poderá sobrar, ou melhor, poderei “dispensar” sem “perigo” para o meu futuro, ou seja, para aquilo que considero a minha comodidade.

E porque me envergonha tal prática?
Primeiro porque penso primeiro em mim, nas minhas comodidades, não pensando nos outros, e sobretudo no facto de que aqueles que são necessitados, nem têm comodidades com que se preocupar, mas apenas falta das necessidades básicas para viver.
Segundo, porque esta prática revela também, para mim, uma enorme falta de confiança em Deus e na Sua providência, que como aprendi e tantas vezes testemunho, (afinal apenas da “boca para fora”), nunca falta àqueles que n’Ele confiam e a Ele se entregam.

E então, devo dar tudo o que tenho?
Julgo que não, que não é essa a vontade de Deus, mas sim que eu seja capaz de ir mais além, quer dizer, que eu seja capaz de dar não apenas o que me sobra, mas também um pouco daquilo que me possa faltar.

Pois é, isto de querer ser santo é muito difícil!!!

A parte do rezar, do servir, do arrepender-se, do pedir perdão, de levar uma vida correcta cheia de bons pensamentos, etc., até nem é muito difícil, na maior parte das vezes.
Agora quando toca ao dar, quando toca a dar indo mais longe do que aquilo que sobra, para dar o que possa fazer falta, aí torna-se muito complicado e muito mais difícil.
E ainda mais se quisermos dar com verdadeira caridade, ou seja, sem os outros saberem e sem esperar recompensa!

És mesmo exigente, Senhor, mas Tu também nunca disseste que era fácil!

Sê-lo-á apenas quando nos despojarmos inteiramente de nós e decididamente nos entregarmos a Ti, deixando que sejas Tu a fazer o que for de Tua vontade, nas vidas que nos deste, Senhor.


Joaquim Mexia Alves
Marinha Grande, 9 de Novembro de 2015 
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segunda-feira, 2 de novembro de 2015

“FELIZ DIA DE FIÉIS DEFUNTOS!”

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Hoje, (como em todos os dias nas minhas orações), lembro-me deles!

Os meus pais, as minhas irmãs e irmãos, as cunhadas e cunhados, o meu sobrinho, os meus sogros, os meus amigos, os meus camaradas de armas, os meus amigos sacerdotes e todos os que já passaram na minha vida.

Há uma saudade agradecida, porque me puseram no mundo, porque me ensinaram, porque me aconselharam, porque me castigaram no tempo certo, porque me rodearam de amor, porque me protegeram, porque me apoiaram, porque riram comigo e comigo choraram, porque me defenderam, (como se a minha vida fosse a deles), porque em mim confiaram e de mim duvidaram, (quando era importante duvidar de mim para o meu próprio bem), porque até o mais novinho de todos que já nos deixou, me ensinou, (sem nada dizer), que o mais importante de tudo é o amor!

E não há tristeza em mim quando os recordo, mas uma imensa calma e serenidade, uma alegria discreta por terem feito parte da minha vida, um agradecimento total e fervoroso a Deus Nosso Senhor, por me ter feito cruzar as suas vidas e as suas vidas cruzarem a minha vida.

E assim a minha vida foi mais abundante, e sê-lo-á ainda mais, porque junto de Deus velam por mim.

Por favor entendam, porque me apetece quase dizer: Feliz dia de Fiéis Defuntos!


Marinha Grande, 2 de Novembro de 2015
Joaquim Mexia Alves
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