quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O DEMÓNIO E AS TENTAÇÕES (3)

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É curioso percebermos que o Demónio é sempre retratado como uma figura horrenda, que só de olhar mete medo.

Se tal figura nos aparecesse pela frente, com certeza que a nossa imediata reacção seria fugir, nem sequer olhar, nem ouvir, e só faríamos o que o Demónio quisesse, por medo, por um profundo e terrível medo.
E, claro, na primeira oportunidade tentaríamos fugir dele, e procurar refúgio junto que quem nos pudesse defender de tal criatura horrenda.

E o retrato deste Demónio é o erro em que muitas vezes caímos, por pensarmos que ele assim nos aparece, ou que é assim que ele nos tenta.
A verdade é que se ele assim se apresentasse, poucos de nós nos deixaríamos tentar, e sem dúvida nenhuma procuraríamos Deus, com uma ânsia imensa de nos libertarmos de tal visão e presença assustadora.

Claro que se procurássemos Deus apenas por medo ao Demónio, assim que nos víssemos livres dele, (julgaríamos nós), logo a relação com Deus acabaria, porque acabava o motivo, a razão para tal relação.

Nada mais errado do que imaginarmos o Demónio como essa figura horrenda, assustadora, da qual apenas queremos fugir.

O Demónio apresenta-se-nos sempre cheio de uma beleza sedutora, na figura de um pretenso bem, na representação de uma pretensa consciência individual correcta e pura.

O Demónio não nos contradiz, não “luta” contra nós, pelo contrário, toma aquilo em que acreditamos, (às vezes de forma tão superficial), e tenta-nos a fazer o que ele quer, convencidos, (porque não reflectimos verdadeiramente), de que estamos a fazer o bem.
E por vezes caímos nesse erro tempos infindos, até nos apercebermos, ou melhor, sermos levados, (pelo amor de Deus), a perceber o erro em que nos deixámos viver.

Tantas vezes que procuramos em nós aquilo que consideramos os “grandes pecados” e não os reconhecendo nas nossas vidas, nos convencemos que o caminho é seguro, e que a conversão é real e está “concluída”.

Mas se reflectirmos sobre o que acima se escreve, percebemos que o Demónio não age, (de um modo geral), sobre aquilo que é fácil para nós detectarmos como pecado, como erro, como fraqueza.
Assim seria muito “fácil” para nós resistirmos às tentações.

Não, o “trabalho” do Demónio é um “trabalho” discreto e continuado, servindo-se das coisas mais simples, para depois do hábito criado, partir para as coisas maiores.

Uma mentira pequena não é pecado, ouvimos nós tantas vezes dizer.
Claro que não é um pecado grave, (depende da mentira, claro, e do mal que ela possa causar noutros ou em nós próprios), mas não deixa de ser mentira e portanto uma coisa má, de que nós com certeza não nos orgulhamos.
Nenhum mentiroso começa uma vida de mentira, por grandes mentiras, mas sim por coisas tão pequenas, que parecem não ter importância, mas depois se vão tornando hábito e, claro, para cobrir uma mentira é sempre preciso continuar a mentir.
Rapidamente quem assim vive, torna-se dependente da mentira, e, como tal, vive sempre na insegurança, no medo de ser “apanhado” e envergonhado, portanto muito longe de uma vida serena, tranquila, de uma vida em liberdade, que o Senhor na Verdade quer dar a cada um.

Podemos transportar este exemplo para as nossas vidas e tentarmos perceber em que é que nos deixamos tentar e cedemos com facilidade, tentando convencer-nos de que não estamos a errar, mas em que afinal estamos verdadeiramente presos, porque se tornou num vício para nós.

Outro modo de o Demónio nos tentar, é fazer-nos desviar do centro das nossas vidas, que é Deus sem dúvida, para, enganando-nos com um pretenso bem, fazer-nos colocar o nosso acreditar, a nossa esperança, a nossa confiança, naquilo que sendo de Deus, não é o próprio Deus.
Reparemos como tantos de nós usamos expressões tais como: eu tenho muita fé em Santo António, em Santa Rita, neste ou naquele Santo, nesta ou naquela oração ou novena, etc., etc.
Então deixamo-nos levar por “orações infalíveis”, “novenas cem por cento seguras”, e normas e conceitos que nada têm a ver com Deus, ou melhor, que nos retiram o pensamento, a confiança, a esperança no amor misericordioso de Deus, para os colocarmos nessas “orações” e “rituais”.
Assim somos nós que queremos “controlar” aquilo que Deus nos pode dar e nós queremos obter, como por exemplo, a “obrigatoriedade” de Deus nos conceder o que pedimos, se rezarmos uma qualquer oração trinta vezes, se fizermos vinte e cinco fotocópias duma pagela, ou se não quebrarmos uma qualquer “corrente de oração”, e reenviarmos determinada mensagem.
Claro que podemos e devemos orar, fazer novenas, e pedir a intercessão dos Santos, mas a nossa fé, a nossa confiança, a nossa esperança é sempre no Deus que nos criou e ama, porque se assim não for, se assim não vivermos, estamos desde logo a falhar no primeiro e mais importante Mandamento:
«Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente.» Mt 22, 37

E se a nossa fé, a nossa confiança, a nossa esperança não estão em Deus, nunca compreenderemos que aquilo que pedimos não nos seja concedido, porque não conseguimos perceber que a vontade de Deus é sempre o melhor para nós, e assim, afastamo-nos “zangados”, rompendo com a aliança de amor que Deus fez connosco, e cedendo, sem dúvida, à tentação da qual nem sequer nos apercebemos.
E essa tentação leva-nos a procurar em “espiritualidades”, práticas e lugares errados, aquilo que pensamos não ter obtido de Deus, deixando-nos envolver em coisas que nos tiram a liberdade e nos amarram a situações que nos destroem.

Mas também o Demónio se serve da nossa consciência, tentando manipulá-la para seu “proveito”, que é sempre afastar o homem de Deus.
Deus criou-nos livres e deu-nos uma consciência livre, de tal modo que está na nossa vontade aceitar o amor de Deus e retribuí-lo, ou rejeitá-lo e negá-lo.
Mas Jesus Cristo também nos deixou a Igreja e nela e com ela, a Sua Palavra, a Doutrina, a Tradição que devem sempre nortear a nossa vida e serem o guia seguro do Caminho que o Senhor mesmo nos preparou e deu a conhecer.
E aí, na nossa consciência, o Demónio “valoriza” a nossa liberdade como estando acima do próprio Deus.
Claro que não o faz claramente, mas levando-nos a pensar que mais importante do que tudo, é a nossa consciência, e que mesmo que ela não esteja de acordo com o que nos ensina a Igreja, sendo “livre” e “correcta” para nós, é sempre correcta e agrada a Deus.
Assim o “verdadeiro juiz” das nossas acções passamos a ser nós mesmos, o que acaba por nos constituir como deuses de nós próprios, e nós sabemos bem que juiz em causa própria é sempre “justiça” errada.
Assim o Sacramento da Confissão deixa de “fazer sentido”, e lá estaremos nós a dizer ao mundo que apenas nos confessamos a Deus.
Claro que somos livres por vontade de Deus, claro que a nossa consciência é livre por vontade de Deus, mas a nossa vida e a nossa consciência só são verdadeiramente livres quando são iluminadas pela Verdade, quando vivem no amor com e a Deus, e aos outros, porque é em Deus que está a Verdade, porque Deus é a Verdade, e só a Verdade nos libertará.
«Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.» Jo 8, 31-32

Quase que poderíamos dizer que assim é impossível resistir ao Demónio e às suas tentações! Claro que não!

Porque se a nossa vida, a nossa consciência, estiverem em comunhão permanente com Deus, é por Ele, pelo Espírito Santo, que são iluminadas, e em todo o tempo Ele nos mostrará a insidia do Demónio, e nos dará forças para vencermos as tentações.
E mesmo que caiamos, uma e outra vez, sabemos, porque acreditamos, que a misericórdia de Deus é infinitamente maior do que o nosso pecado, e procurando o Sacramento da Confissão, reconciliamo-nos, por Sua graça, com Deus e com os irmãos.

Não é em vão que Jesus Cristo nos diz repetidamente para não nos deixarmos adormecer (Lc 22,46), para não sermos cristãos “mornos” (Ap 3,16), mas sim para vigiarmos e orarmos constantemente (Lc 21,36), porque é Ele mesmo que nos promete o envio do Espírito Santo, que recebemos no Baptismo, porque é Ele mesmo, o Espírito Santo, que nos iluminará, nos guiará, e até por nós falará (Mt 10,20), se a Ele nos entregarmos confiadamente.

«mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.» Jo 14, 26



Monte Real, 26 de Janeiro de 2011
(continua)
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15 comentários:

NUNC COEPI disse...

Notável!
Estes escritos sobre o Demónio têm vindo a destruir muitas ideias erradas sobre a sua acção e o seu poder. Normalmente, e como diz JMA, evita-se falar sobre o assunto, não por medo ou receio - diz-se - mas porque...talvez não seja bom "agitar o que dorme".
Neste texto é particularmente actual o que se diz sobre as "novenas" e as "cadeias" que não podem - ou não devem - ser interrompidas. Na verdade há muito boa gente que duvida da sua eficácia mas...também "não vem nenhum mal ao mundo se o fizer, logo...", e, isto, está muito próximo da superstição.
Continua, pois, que é muito útil e esclarecedor.

Um abraço

malu disse...

Obrigada Joaquim por estes Ensinamentos que muito me têm esclarecido. Mais um excelente 'capítulo', muito bem escrito e organizado que muito me vai dar ainda para reflectir. Gostei imenso e aqui deixo um abraço em Cristo e Maria.

Utilia Ferrão disse...

Joaquim
O diabo finalmente não é uma pessoa.
Segundo o que compreendo é um fim para algo. Ou antes uma totalidade de coisas, eventos contradições, males que nos levam á perda de nós mesmos no caminho do bem.
Não é uma pessoa orrenda senão conheciamo-lo logo.
E Deus como o conhecemos aparece-nos sempre numa maravilhosa personagem?
Deixaste-me desorientada.

Sabe-se lá quantas vezes vi Deus em pessoas orrorosas...
Abraço amigo
Utilia

joaquim disse...

Obrigado António

Provavelmente voltarei a esse assunto especifico das "fronteiras" da superstição.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Malu, obrigado.

Para a semana continuam então estes textos.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Amiga Utilia, obrigado pelo teu comentário.

O Demónio não é uma pessoa, mas sim um anjo decaído, como nos diz o Catecismo da Igreja Católica

414. Satanás ou Diabo e os outros demónios são anjos decaídos por terem livremente recusado servir a Deus e ao seu desígnio. A sua opção contra Deus é definitiva. E eles tentam associar o homem à sua revolta contra Deus.

O Demónio ou demónios são assim uma realidade cujo "trabalho" é afastar-nos de Deus, fazer com que rompamos a aliança de amor que Deus fez connosco.

São Paulo escreve na 2 Cor 11, 14 «E não é de estranhar! Também Satanás se disfarça em anjo de luz!»

Ou seja, o Demónio não se nos apresenta como algo de mau, mas sempre "transvestido" de bem.

Ele tenta-nos, mas a liberdade de acção é nossa e se estivermos em comunhão com Deus sempre teremos forças para resistirmos a essas tentações.

Temos é que vigiar constantemente as nossas opções, as nossas prioridades, as nossas intenções, para ver se vivemos de acordo com a vontade de Deus, ou a vontade do Demónio.

E isso só se consegue numa comunhão intima e pessoal com Deus, na comunidade de irmãos (Igreja).

O que se pretende é alertar as nossas consciências, para percebermos em que pontos mais frágeis nos deixamos tentar e caimos na tentação.

Não sei se consegui que percebesses melhor, mas continuarei os escritos, (assim Ele me inspire), e fico à tua disposição até pelo meu mail, se quiseres.

Um abraço amigo em Cristo

Paulo disse...

É mais "dificil" seguir a Deus do que ir pelos caminhos facilitadores e floreados do Demónio.
Pode ser "dificil" mas também ninguém disse que seria fácil o caminho de Deus.

joaquim disse...

É verdade caro Paulo

Sem dúvida que por vezes o caminho de Deus é "dificil" e exige entrega total.

Mas também é um caminho portador de paz, de amor, de felicidade, de realização plena, de liberdade.

O caminho do Demónio é "fácil", mas é só ao principio, porque depois conduz à agitação, ao ódio, ao vicio, à desgraça e por fim à escravatura do pecado.

É que a nossa vida vai para além deste mundo!

É bom que nos lembremos sempre da Parábola do pobre Lázaro e do homem rico. Lc 16, 19-31

Um abraço amigo em Cristo

Ailime disse...

Amigo Joaquim,
Estive neste momento a ler este seu terceiro apontamento sobre o Demónio e na verdade concordo plenamente com o que diz!
Por vezes também sou "tentada" a ler algumas orações de alguns eleitos do Senhor mas onde a Palavra de Deus é realçada e se a nossa intenção for da vontade do Senhor.
Voltarei para ler tudo com mais atenção e pormenor.
Muito obrigada por estes esclarecimentos.
Abraço em Cristo.
Ailime

joaquim disse...

Amiga Ailime

Obrigado pelo teu comentário que eu não sei se entendi muito bem.

De qualquer modo quero salientar que as orações de intercessão aos Santos, as novenas, etc., são óptimas orações e fazem parte dum "culto popular" muito importante na Igreja.

Devemos ter é sempre presente que é em Deus que reside a nossa fé, a nossa confiança, a nossa esperança.

Por exemplo, "humanamente falando", eu posso pedir a alguém algo para ti, mas se esse algo te for dado, quem to deu, foi aquele a quem intercedi, e não eu, que fui apenas intercessor.

Claro que, mais uma vez "humanamente falando", se eu estiver perto, eu estiver na confiança daquele que concede, com mais facilidade eu posso pedir para ti o que desejas, e esse pedido ser concedido.

Assim é, em palavras simples, a intercessão dos Santos junto de Deus.

A diferença é que no mundo aquele que concede algo que se lhe pede nunca sabe se essa conessão é boa para a vida do que pede, mas nas coisas do Alto, Aquele que concede as graças sabe sempre se aquilo que pedimos é ou não bom para as nossas vidas, para a nossa salvação e por isso só concede em conformidade do que é bom para nós.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Um esclarecimento para que não haja dúvidas sobre o que quis dizer com o comentário anterior, resposta à Ailime.

Quando escrevo "humanamente falando", quero dizer que estou a falar em "coisas" do mundo, estou a fazer, digamos, uma comparação.

Eu peço ao meu patrão para conceder um dia de folga para um colega de trabalho. Eu apenas intercedi junto do patrão, mas é ele que concede o dia de férias.
Ou seja, aquele a quem foi concedido o dia de folga deve perceber que apenas lhe foi concedido pelo patrão, (que era quem o podia conceder), e portanto agradecer-lhe.
Deve também agradecer-me porque lhe “prestei uma ajuda”.

Obviamente na 2ª frase, («Claro que, mais uma vez "humanamente falando", se eu estiver perto, eu estiver na confiança daquele que concede, com mais facilidade eu posso pedir para ti o que desejas, e esse pedido ser concedido»), servindo-me do exemplo anterior do patrão, refiro-me a estar perto do patrão, ter com ele relação de amizade, por exemplo, e portanto ser mais fácil obter dele aquilo que peço.

Ora bem, os Santos estão junto de Deus, estão com Deus, por isso estão em “situação privilegiada” para interceder por nós.
Mas devemos sempre, então perceber, que o que nos é concedido é sempre graça de Deus que a Ele devemos agradecer.
Obviamente também aos Santos intercessores devemos agradecer a sua intercessão.

Mas também devemos perceber que há grandes, enormes diferenças entre o pedido “aos homens” e o pedido a Deus.
E esta a seguir, por exemplo, é bem importante.
É que Deus sabe aquilo que é bom para nós e por isso só em conformidade com esse bem, nos concede o que pedimos, enquanto no mundo o patrão, (servindo-me do exemplo acima), pode conceder o que lhe peço para outro, mas não sabendo se aquilo que concede é afinal mau ou bom para aquele a quem o concede.
Por exemplo o dia de folga pode ser aproveitado para um homem casado ir ter com outra mulher, o que era sempre uma coisa má para a sua vida.

Espero ter agora esclarecido melhor o que quis dizer.

Um abraço amigo em Cristo

Ailime disse...

Amigo Joaquim,
Muito obrigada pelos seus esclarecimentos.
Peço-lhe desculpa, porque não soube talvez expressar de forma clara o meu pensamento sobre este assunto mas que na verdade vai inteiramnete de encontro às suas amáveis explicações.
Agradeço-lhe o ter completado o que pretendi dizer.
Abraço fraterno da
Ailime

concha disse...

Amigo Joaquim
Que eu me lembre,nunca ouvi falar sobre este assunto,como agora.Por isso acho da maior importância tudo o que tens escrito.Mais nada a dizer,a não ser que vou procurar partilhar com outros o que aqui tenho lido.
Um abraço na Paz de Cristo

joaquim disse...

Ailime

Não tens nada que agradecer.

Tudo são motivos para melhor percebermos, para melhor amarmos a Deus Nosso Senhor.

Abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Amiga Concha

Muito obrigado.

As tuas palavras, a par com outras aqui deixadas, são uma certeza de que o caminho é este, pela graça de Deus, e são mais um incentivo para continuar, tendo eu que perceber que não sou mais do que um servo inútil do Senhor.

Tudo para a Sua eterna Glória.

Um abraço amigo em Cristo