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E de repente um passeio pela memória!
Tenho 71 anos e não sei se na
sociedade em que vivo sou um velho, um idoso, ou alguém já descartável, como
quem já não tem nada para dar.
Não me sinto assim, antes pelo
contrário, mas esta sociedade quase me obriga a sentir assim.
Nunca se falou tanto em
liberdade como agora e nunca me pareceu haver tanta falta de liberdade como
agora!
A liberdade de pensamento é
coertada pelo “politicamente correcto”, a liberdade do que trabalha é-lhe negada
pela pressão do trabalho, a liberdade do ser é abstraída pela “necessidade” do
parecer.
Ah, no meu tempo!!!
Não, porque o tempo é o tempo,
e já não volta, por isso é preciso aproveitar o tempo.
Tive uma infância feliz, cheia
de amor, de pais fantásticos e de nove irmãos, todos diferentes, mas todos
iguais no amor.
E deles foram nascendo sobrinhas
e sobrinhos e deles, sobrinhas e sobrinhos netos e qualquer dia sobrinhos
trinetos, que francamente já não sei se já tenho.
Quatro filhos, quatro netos,
para já, e uma vida cheia.
Erros, asneiras,
comportamentos indevidos, provocando a vida, provocando Deus e no fim, (deste
período, claro), um Deus que me diz estou aqui e sempre aqui estive.
Uma guerra, (que me marcou sem
dúvida), e um regressar que ainda talvez não se tenha feito completo, pois
ainda percorro muitas vezes, pela noite, as picadas da Guiné.
Claro que a família que me
rodeava e rodeia afastam de mim os maiores fantasmas, mas ficam aqueles em que
me sinto incapaz ou inútil de ajudar, que tendo sido meus camaradas de armas
continuam a sofrer na pele quase todos os dias o abandono a que foram e são
votados.
Não vás ao hospital, porque lá
se estão borrifando para ti.
Já não idade para ser curado,
tens apenas idade para morrer!
Drástico, não é, mas tão real!
Se julgam que estou deprimido,
estão muito enganados, porque a minha esperança está em Deus, e Deus não
abandona ninguém!
Aliás, para o coração de Deus,
eu sou uma criança, sem idade, sem passado e sem futuro, porque tudo isso a Ele
pertence, porque lho entrego nas Suas mãos.
E Ele perdoa o que é para
perdoar, e ama incondicionalmente o meu ser e o meu fraco amor.
Esquerda, direita, um, dois,
parece que estamos na tropa, mas o que verdadeiramente interessa é querer o bem
dos outros e hoje em dia a política parece querer apenas o “bem” dos que a
utilizam para os seus fins.
De derrotismo em mim não há
nada, mas sim determinação de não me calar, sobretudo para testemunhar que só
em Deus encontrei e todos encontraremos a verdadeira liberdade, o verdadeiro
amor.
E apetece-me terminar como
José Régio no seu “Cântico Negro”: «E o mais que faço não vale nada.»
Porque se testemunhar Jesus em
mim, como Ele próprio afirmou, também Ele testemunhará junto do Pai, com o
Espírito Santo, que eu Lhe pertenço, pela inteira liberdade que Deus me deu.
Marinha Grande, 4 de Outubro de 2020
Joaquim Mexia Alves
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