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A noite estava fria, muito
fria! Mais frio estava, no entanto, o seu coração que parecia já nada poder
sentir!
Não se dava já ao trabalho de
pensar no que tinha corrido mal e porque se tinha deixado empurrar para a rua
deixando tudo e todos, família, amigos, enfim, uma vida que tinha tido tantas
promessas e afinal em nada tinha tido sucesso.
Nem uma réstia de confiança ou
de esperança faziam parte da sua vida agora e o abandono era total, pois não
acreditava que ninguém sequer olhasse para ele ou se preocupasse com ele.
Ia caminhando sem alento, sem
vontade, (como seria bom morrer!), e hoje ainda mais porque até o vão de escada
onde costumava pernoitar tinha sido ocupado por outro mais novo e mais forte
com quem ele tinha percebido nem valer a pena discutir.
Ouviu umas vozes. Pareciam-lhe
cânticos e percebeu que estava à porta de uma igreja onde acontecia uma
qualquer celebração.
Lembrou-se então de que era
noite de Natal, mas isso não lhe interessou para nada, pois nada tinha
importância na vida que agora vivia, ou melhor, que não vivia!
Pensou tão só que podia entrar
e sempre estaria algum tempo resguardado do frio. Quando acabasse a celebração
decidiria então onde ir, onde dormir.
Assim fez e entrou!
A igreja estava cheia e as
pessoas cantavam e rezavam com alegria com entrega, achava ele.
Coitados, pensou, ainda
acreditam em “contos de fadas”!
Teve a impressão de que
olhavam para ele, mas como já não lhe interessava o que os outros pensavam dele,
sentou-se num banco da igreja, num lugar que estava vago.
Olhou com desdém para o homem
que estava a seu lado, mas foi surpreendido por um sorriso e um aceno de
cabeça. Muito estranho, pensou ele.
A Missa, claro, era a Missa do
Galo lembrou-se ele, que se ia desenrolando sem ele prestar qualquer atenção, a
não ser quando o padre estava a pregar dizendo que o Menino Jesus tinha nascido
numas palhinhas, numa manjedoura, (e ele logo pensou que era bem bom ter hoje
uma manjedoura e umas palhinhas para dormir), que era amor, trazia o amor e que
todos se deviam amar uns aos outros … e por aí fora, o habitual.
Riu-se por dentro pensando:
Pois claro, olha como eles me amam!!!!
A certa altura todos se
ajoelharam e ele, para não dar nas vistas, baixou a cabeça e deixou-se ficar em
silêncio.
Sentiu-se bem naquela posição
e uma estranha calma, uma quase imperceptível bondade, tomaram conta dele, de
tal modo que adormeceu profundamente.
Sentiu que lhe tocavam no
ombro, abriu os olhos e viu o seu vizinho de lugar de braços abertos para o
abraçar dizendo: A paz de Cristo!
O homem era doido, pensou ele,
pois sujo como estava quem é que o havia de o querer abraçar, mas lá se
levantou e com alguma vergonha, (coisa estranha nele), lá se deixou envolver no
abraço.
A Missa acabou e ele deixou-se ficar para o fim, para
gozar um pouco mais do conforto daquele lugar em comparação com o frio da
noite.
Quando saiu, sentou-se num canto da escadaria pensando
para onde ir, onde dormir naquela noite.
Reparou então que em frente
dele, de pé, estava o seu vizinho da Missa que lhe perguntou:
Quer boleia para algum lado?
Riu-se e disse-lhe com um tom
um pouco irritado: Acha que tenho algum lugar para onde ir?
Então o homem retorquiu: Hoje
é noite de Natal. Eu vivo sozinho, já não tenho ninguém. Tenho uma refeição que
preparei à minha espera em casa, mas gostava de a partilhar consigo.
Mau, pensou ele, o que é que
este quer???
Mas, curiosamente, o homem
inspirava-lhe confiança e mal também não lhe havia de fazer, até porque pior do
que ele estava já não podia acontecer.
Levantou-se e com cara de
poucos amigos retorquiu: Está bem. Se tanto insiste.
O homem morava ali perto e num
instante já estavam no aconchego da casa, mas ele sentia-se mal, sujo como
estava, não estava nada à vontade.
O outro percebeu e
perguntou-lhe: Quer tomar um banho quente? Somos da mesma estatura e eu
arranjo-lhe umas roupas para vestir. Vai sentir-se melhor e depois ceamos.
Tudo aquilo era muito
estranho, mas, como dizia o ditado, “a cavalo dado não se olha o dente”.
O seu novo amigo, que entretanto lhe tinha dito chamar-se
André, (ao que ele, muito contrafeito, tinha respondido com o seu nome Pedro),
entregou-lhe umas roupas lavadas, uma toalha e mostrando-lhe a casa de banho,
informou que ia preparar a mesa e a ceia, para comerem quando ele estivesse
pronto.
Saiu da casa de banho com uma nova disposição. Aquele banho e aquelas roupas faziam-no sentir bem melhor.
Saiu da casa de banho com uma nova disposição. Aquele banho e aquelas roupas faziam-no sentir bem melhor.
Sentou-se à mesa onde já estava o seu “novo amigo” André
e ele perguntou-lhe com um sorriso se podia fazer uma oração antes de comerem.
Claro que respondeu afirmativamente, esperando que a
oração não fosse muito longa porque cheirava tudo muito bem e ele trazia fome
de muitos dias.
O André benzeu-se, (ele fez o mesmo por vergonha), e
disse: Obrigado Jesus por Te teres feito homem como nós para nos ensinares o
amor. Obrigado porque me conheces e sabes bem como me é difícil passar a noite
de Natal sozinho e assim quiseste trazer o Pedro para me fazer companhia nesta
noite. Abençoa-nos, protege-nos e guarda-nos no Teu amor.
Uma lágrima teimosa caiu-lhe pela cara e quando começaram
a comer ele iria jurar que ouvia por toda a casa um cântico melodioso: «Glória
a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade».
Natal de 2019
Joaquim Mexia Alves
Com este Conto de Natal quero desejar a todos um Santo Natal na paz e na alegria do nosso Deus que se fez Homem para nos salvar, amando-nos até ao fim.
Nota:
Só depois de escrito o Conto reparei que há no mesmo uma "história escondida" que nos remete para um episódio bíblico.
Quem quiser descubra-o!
1 comentário:
Obrigado Joaquim, é isto que é necessário, tocar o coração.
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