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Quadro de Lazaro Lozano, na igreja matriz de Monte Real |
Naquele
dia saiu de casa de cabeça baixa. Parecia que o mundo estava todo contra ele!
Parecia
que tudo se tinha assanhado para o desprezar, para não permitir que uma simples
boa notícia, uma simples alegria, tocasse a sua vida!
O
emprego já era! Por causa disso mesmo a discussão em casa tinha sido violenta,
e assim, até aquele refúgio que era sempre para si a sua mulher, os seus
filhos, a sua simples casa, parecia-lhe agora também um lugar de martírio, de
caras fechadas, de falta de ternura e entendimento!
Olhou
para o passeio, para a rua, para as pessoas que passavam por ele, e pensou: Mas
para onde raio é que eu vou? Não tenho sítio para onde ir!
Deixou-se
andar por ali, perdido entre os homens, vagueando sem motivo, sem sentido, sem
rumo. Uma tenaz de fogo apertava o seu peito, um peso enorme abatia-se nas suas
costas, uma tristeza profunda tomava conta de si e o desânimo transformava-se
rapidamente em desespero.
“O
que ando eu aqui a fazer? Que sentido tem esta minha vida?”
As
perguntas martelavam-lhe a consciência entorpecida por uma terrível frustração.
E quanto mais se questionava, mais lhe voltava aquela ideia, que ao princípio
lhe gelara o coração, mas que parecia agora ir fazendo sentido. Se não estava
cá a fazer nada, mais valia morrer!
Os
barulhos da rua, os carros a passar, as pessoas a falarem, o ruído da cidade,
incomodavam-no! Precisava sair da rua para pensar um pouco.
Deu
por si a passar em frente de uma igreja. Ele não era homem de Igreja, aliás,
nem sequer era homem de Deus, embora tivesse sido educado catolicamente e
percorrido todos os passos da catequese.
Lembrou-se,
no entanto, que àquela hora ninguém estaria na igreja e por isso seria um bom
sítio para se sentar e pensar um pouco, sem nada nem ninguém para o incomodar.
Entrou
e nem sequer se deteve a olhar para o interior da igreja, mas apenas se sentou
no primeiro banco e, debruçando-se para a frente, ali ficou a pensar.
Quanto
mais analisava a sua vida e pensava no presente e no futuro, mais se tornava
claro que a ideia de pôr fim à vida era o mais acertado e fazia todo o sentido.
Deixou-se
ficar mais um pouco, enquanto a ideia ia ganhando força em si, de tal modo que
deixou de ser ideia para se tornar decisão a cumprir.
Tomada
a decisão, veio então ao seu pensamento uma frase: «Tudo está consumado!»
Um
espanto atravessou-o! Já tinha ouvido aquela frase num qualquer sítio, num
qualquer momento importante!
Levantou
os olhos e o seu olhar fixou-se no enorme crucifixo que dominava toda a parte
detrás do altar-mor da igreja. Lembrava-se agora onde tinha ouvido aquela
frase!
Do
pouco que ainda recordava da catequese, essa tinha sido a última frase de Jesus
Cristo antes de morrer na Cruz.
Que
coincidência! No momento em que ele decidia a sua morte, a frase que lhe vinha
ao pensamento era a frase de Jesus Cristo ao morrer!
Ficou
sem reacção e a cabeça voltou a recolher-se entre as suas mãos, sobre os
joelhos.
Foi
então que ouviu distintamente, (juraria em qualquer lugar que assim tinha
ouvido), uma voz que lhe dizia: «Meu filho, morrer antes do tempo de cada um,
só tem sentido se for para morrer pelos amigos!»
Levantou
a cabeça, olhou para todos os lados, mas não viu ninguém.
Em
voz baixa, com um sentimento de que estava a cometer uma loucura, perguntou: O
que é isso de morrer pelos amigos?
Desta
vez pareceu-lhe ouvir a voz no seu coração, o que ainda lhe causou mais
admiração:
«Morrer
pelos amigos é muitas coisas, mas no teu caso é deixares de pensar em ti
próprio, nas tuas “desgraças”, nos teus desânimos, e perceberes que aqueles que
estão à tua volta te amam e que não é por um momento mau, por uma discussão,
que não deixam de te querer e de sentir profundamente a tua falta.»
Deu
por si a responder à voz: Não me parece! Aliás se eu desaparecer tudo se torna
mais fácil!
Mas
a voz insistia: «Pensa um pouco. Com a tua morte constróis alguma coisa? Com a
tua morte o amor vence a amargura e a tristeza? Com a tua morte fica alguém
mais feliz? Sabes bem que não.»
Então
ele respondeu: Sei quem Tu és! Esta voz só pode ser a voz de Jesus Cristo que
ouço no meu coração. Por isso Te pergunto se não morreste Tu também? Não Te
deste à morte também?
A
voz enterneceu-se ainda mais: «Mas meu filho, não fui Eu que causei a minha
própria morte! Mataram-me! Eu dei a vida pelos amigos, dos quais tu fazes
parte. Repara quantos se unem à volta da minha morte e da minha ressurreição?
Não trouxe Eu um bem maior quando morri e ressuscitei?»
Sim,
é certo. Isso é verdade, Mas eu não tenho ninguém!, respondeu.
«Tens-me
a Mim, que dei a vida por ti. Não dês a tua vida à morte! Se queres dar a vida,
dá-a àqueles que te amam e precisam de ti e que em casa te esperam para te
abraçar.»
Duas
grossas lágrimas caíram-lhe pela face.
Levantou-se
decidido a lutar pela vida e dirigiu-se àsaída da Igreja.
Mas
antes de sair, voltou-se, fixou a Cruz e disse a meia voz:
Nunca pensei falar
assim contigo, nem sentir o que sinto. Fico admirado comigo mesmo, e por isso Te digo que se estás comigo, então já não tenho medo e a vida tem outro
sentido. Obrigado, Senhor Jesus!
Marinha
Grande, 13 de Março de 2014
Joaquim Mexia Alves
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5 comentários:
Que excelente artigo. Belo, profundo e sentido no âmago por mim.
Caro Joaquim:
Parece-me que retrataste a situação de muitos homens que, infelizmente, não têm senão a si próprios para se auto-sustentarem nas dificuldades e amarguras. Quer dizer: pensam que não têm porque não sabem, não conhecem porque nunca ouviram falar ou já se esqueceram do Amigo... o Maior Amigo que nunca abandona os seus irmãos os homens por quem deu a vida.
É este drama de muitos que deve mover os cristãos a uma exigente e contínua procura dos que precisam muito mais de que o pão de cada dia, do trabalho que proporciona esse pão, do conhecimento que lhes permita saber o que é melhor em cada momento; conhecer clara e concretamente Deus Criador, Deus Salvador, Deus Mentor de toda a criatura.
E, perante este belo escrito teu, lembro-me da tremenda responsabilidade que o que digo acima representa e das "contas" que teremos de dar a respeito.
Com um abraço
Obrigado Paulo!
Um abraço amigo em Cristo
Obrigado António, pelas palavras que acrescentam mais sentido ao texto.
Um abraço amigo em Cristo
Excelente texto!Há momentos de desespero em que só com o coração aberto a Deus,é possível inverter o sentido do destino.Penso também naquela Voz que sempre nos indica o caminho,assim a queiramos escutar.
Abraço na Paz
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