terça-feira, 16 de setembro de 2008

A CONVERSÃO

Há uma semana atrás, num dia que tirei para férias, estava a preguiçar de manhã na cama e como tantas vezes me acontece, comecei a rezar.

A oração levou-me a agradecer ao Senhor pela minha conversão, pela mudança da minha vida, que considero um verdadeiro milagre, maior do que um cego passar a ver ou um paralítico começar a andar.
Lembram-se de Lc 5, 17-26, o paralítico que começou a andar, mas a quem primeiro foram perdoados os pecados?

E nesta conversa íntima com Deus sobre a conversão, sobre como a conversão nunca está acabada até ao momento em que por Sua graça estivermos no gozo da Sua presença, veio ao meu coração uma imagem, uma reflexão, que comparava a conversão com uma casa.

Uma casa pode estar degradada por fora e por dentro, a fachada estragada, sem tinta ou revestimento, o interior com as paredes manchadas, sujo, desconfortável, enfim uma casa desagradável, uma casa que não interessa a ninguém, nem ao próprio dono.
Somos assim, quando vivemos afastados de Deus, numa vida sem sentido, apenas dedicada ao mundo.
Não somos úteis aos outros, nem somos bons para nós. Não somos companhia agradável para ninguém, nem a nós próprios agradamos, exactamente como a casa, que se não é agradável para os outros, também a nós incomoda.
E tal como a casa que não é tratada se vai degradar cada vez mais, também a nossa vida se irá degradar até se perder por completo.

Há também a casa que é arranjada por fora, cuja fachada está bem tratada, limpa e bonita, mas por dentro está degradada, suja e sem conforto.
Esta casa representa uma conversão exterior, apenas de gestos, de atitudes exteriores, mas que não se reflectem verdadeiramente na vida da pessoa.
É a conversão daqueles que vão à Missa por preceito, que se confessam e comungam (ao menos uma vez por ano pela Páscoa da Ressurreição), que oram muito na igreja, fazem talvez muitas novenas a muitos santos, mas na sua vida do dia a dia, nos seus afazeres, em nada reflectem a fé, a comunhão com Cristo, o amor aos irmãos.
Vivem para o exterior e apenas para o exterior, e os outros apenas lhes interessam na medida em que podem fazer juízos sobre as suas pessoas.
São como a casa. Vistos por fora são muito religiosos, (uma casa muito bonita), mas sentidos por dentro percebe-se o coração duro e egoísta, sem fé, (uma casa sem conforto onde não apetece morar).

Depois há a casa degradada por fora, mas bem arranjada por dentro, com as paredes interiores pintadas, confortável, sobretudo para quem nela vive.
É uma casa que ninguém quer visitar, pois o seu aspecto exterior não convida a entrar.
É uma conversão interior e apenas para o próprio. É a conversão daqueles que procuram só e apenas a sua salvação, não se importando com os outros, nem com a comunidade.
Vivem no seu mundo de orações e julgam que a graça de Deus é apenas para eles. Sentem-se até mais “santos” do que os outros.
Mas a verdade é que estando a casa degradada por fora, não tendo as paredes exteriores qualquer revestimento, a chuva, o sol, as intempéries, vão destruindo a fachada, e assim o interior, as paredes interiores, vão-se enchendo de humidade e vão-se deteriorando, tornando a casa a pouco e pouco inabitável.
Se a nossa vida não é em Deus para os outros, a conversão não é verdadeira, pois não vai ao encontro do mandamento do amor: «Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.»

Há ainda a casa conservada por fora e arranjada por dentro, confortável, onde até apetece morar.
Esses são aqueles que não só exteriormente reflectem a presença de Deus nas suas vidas, mas também se entregam à mudança interior, à conversão de vida que se opera naqueles que procuram Deus com o coração e com vontade de fazer a Sua vontade.
Mas nalgumas dessas casas existe aquilo que podemos chamar os “quartos escuros”, os sítios para onde se atiram coisas do passado, recordações, coisas que já não servem no momento, mas poderão servir depois, ficando para ali desarrumadas, esperando nós que ninguém abra aquela porta, porque tudo pode cair e envergonhar-nos.
Entre essas coisas, guardam-se muitas vezes cartas antigas, fotografias, etc., apenas com o desígnio de um dia nos poderem servir para nos “defendermos” de alguém que nos magoou, mas cujo sentido real é uma espécie de vingança, de “desforra” sobre aqueles que nos ofenderam.
Esses “quartos escuros” correspondem às mágoas que tantas vezes estão nos nossos corações, por ofensas passadas e das quais tantas vezes não nos queremos libertar, não queremos perdoar, e por isso mesmo não nos deixam “crescer” na fé, não nos deixam fazer seguro caminho espiritual.
Os outros até podem não ver, como também não sabem o que está dentro dos “quartos escuros”, mas nós sabemos, nós vemos, e ficamos ali amarrados a um passado que não nos deixa viver libertos para Deus e para os outros, que não nos deixa “gozar” inteiramente a casa, pois sempre que passamos por aquele “quarto escuro” temos a consciência de que temos de o arrumar definitivamente.

Por fim há a casa bonita por fora e por dentro, sem “quartos escuros”, onde os convidados podem entrar em todas as divisões que não nos envergonhamos, pois temos a consciência de que podemos abrir as portas de par em par, pois tudo fizemos para que estivesse limpo e arrumado.
É a conversão no verdadeiro caminho, a conversão que nada deixa para trás, que vive o presente, reconciliado com o passado, preparando o futuro segundo a vontade daquEle que opera a mudança de vida.
Mas tal como a casa precisa de ser permanentemente cuidada nas pinturas, na limpeza, na arrumação, também esses sabem que a conversão é diária, em todos os momentos e lugares, em todas as circunstâncias e atitudes.
Porque é preciso vigiar sempre, por causa das inundações, das tempestades, dos tremores de terra, não vá a casa abrir rachas e ficar vulnerável á degradação que a pode levar a cair.
Assim também esses são vigilantes em oração, combatem as tentações e quando por causa de uma fraqueza momentânea caem na tentação, não esmorecem, mas rapidamente vão tratar de alcançar o perdão do Senhor que é o cimento que tapa as brechas abertas pelo pecado na aliança de amor entre o Criador e os Seus filhos, e que reconstruindo-nos, nos torna fortes para perseverarmos na fé.

Senhor faz-nos assim, abertos à graça da conversão diária, que nada deixa para trás, que tudo coloca nas Tuas mãos, para que guiados por Ti, no Teu amor, nos entreguemos à Tua vontade na liberdade de filhos de Deus que procuram a Casa do Pai.

24 comentários:

Maria João disse...

Olhemos para a nossa casa cada dia que passa...

Só assim podemos amar e viver Cristo. Que Ele nos dê o Espírito Santo para sabermos arrumar a casa, sem deixarmos uma divisão cheia de "entulho". Um dia a porta abre-se e apanha-nos desprevenidos...


beijos em Cristo e Maria

Anónimo disse...

Que saibamos ter sempre casa arrumada!
Gostei deste momento de reflexão
Um abraço em Cristo Jesus

joaquim disse...

É verdade Maria João, peçamos-Lhe a força necessária para limparmos definitivamente os nossos "quartos escuros".

Abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Obrigado Mafaoli!

Faço minhas as tuas palavras.

Abraço amigo em Cristo

Ecclesiae Dei disse...

Gostei da comparação... vejo que ainda tenho quartos escuros dos quais preciso me desfazer... valeu muito a reflexão, para começar a cuidar disso!!!!
Abraços fraternos!
João Batista

joaquim disse...

Obrigado João Baptista!

Todos temos "quartos escuros", uns mais fáceis de arrumar e limpar e outros bem mais dificeis.

Mas isso é sempre caminho de conversão.

Abraço amigo em Cristo

Fá menor disse...

Amigo Joaquim,
até me parece ouvir a tua voz, nesta bonita reflexão :)

É preciso vigiar sempre, e confiar no Pai entregando-nos nas suas mãos, pois só dEle nos virá a força para as nossas fragilidades.
Se confiarmos muito e só em nós próprios estamos perdidos... a nossa conversão é muito fraquinha!

Senhor faz-nos assim, abertos à graça da conversão diária, que nada deixa para trás, que tudo coloca nas Tuas mãos, para que guiados por Ti, no Teu amor, nos entreguemos à Tua vontade na liberdade de filhos de Deus que procuram a Casa do Pai.

Abraço muito amigo em Cristo

joaquim disse...

Ola Fa, minha amiga...

É verdade, sozinhos nada conseguimos.

E tem de ser Ele também a mostrar-nos tudo aquilo de que nos devemos libertar para que a conversão se vá tornando realidade nas nossas palavras, nos nossos gestos, nas nossas atitudes, enfim nas nossas vidas.

Abraço amigo em Cristo

C.M. disse...

Grande análise não só no plano da Fé mas também no plano sociológico!

A meditar...

joaquim disse...

Obrigado amigo Cabral-Mendes!

A meditar...todos os dias...pois todos os dias são dias de conversão.

Abraço amigo em Cristo

Sandra Dantas disse...

Amigo Joaquim,
interessante esta reflexão, que me levou a pensar precisamente na homilia que escutei esta manhã... Acho que se podem ligar bem as duas: os "quartos escuros" lembraram-me as "prisões" que temos e dizia o padre: "Só quem é livre pode viver a sério o Cristianismo." Penso que esta "casa arrumada" é esta liberdade dos Filhos. Sentem-se tão bem na casa do Pai que tudo o resto é... nada!
Tenhamos a casa limpa, sejamos livres!

Um grande abraço amigo em Cristo!

joaquim disse...

Olá Sandra!

É verdade, Deus criou-nos em liberdade e só em liberdade podemos ser Seus filhos.

Abraço amigo em Cristo

Yelva disse...

"Mas, como está escrito:
O que o olho não viu,
nem o ouvido ouviu,
nem jamais subiu ao coração do homem,
é o que Deus preparou para aqueles que o amam". (1Cor 2, 9)


F E L I C I D A D E S

joaquim disse...

Obrigado Yelva Toledo, pela visita e pela Palavra deixada.

Abraço amigo em Cristo

Anónimo disse...

Que ótima mensagem! Explendida abortagem ;).

Abraço, irmão.

joaquim disse...

Obrigado Sérgio!

Julgo que querias escrever "abordagem",não é verdade?

Acontece-me tantas vezes!

Abraço amigo em Cristo

Paulo disse...

E tanto que nós precisamos de nos converter mas, por vezes precisamos de algum apoio para essa conversão porque, a sociedade em que estamos inseridos, tenta afastar quem se quer aproximar d`Ele.

Paulo Costa disse...

Bela imagem da conversão!
Que a graça de Deus nos ajude a limpar e purificar o nosso coração das mágoas, inveja, orgulho e egoísmo, para que a Sua presença seja cada dia mais sentida e visível nos nossos gestos, palavras, atitudes e acções.

Lembro-me agora de duas pequenas frases dum livro que li recentemente:

"Retirei muitas coisas inúteis da minha vida e Deus aproximou-se para ver o que se passava.

Uma cama de luz, uma cadeira de silêncio, uma mesa em madeira de esperança, nada mais: assim é o pequeno quarto de que a alma é locatária." (Christian Bobin, em "Ressuscitar")

Caro amigo Joaquim, despeço-me com um abraço fraterno.

Anónimo disse...

Por fim há a casa bonita por fora e por dentro, sem “quartos escuros”, onde os convidados podem entrar em todas as divisões que não nos envergonhamos, pois temos a consciência de que podemos abrir as portas de par em par, pois tudo fizemos para que estivesse limpo e arrumado.

Como é difícil, ser capaz de ter todas as portas abertas. Como gostaria de ser capaz de ter todas as portas abertas...
Abraço.

joaquim disse...

Caro Paulo

Tens toda a razão pois essa é uma das dificuldades da conversão.

A sociedade torna-se cada vez mais egoista e cada um centra-se em si próprio.

A conversão se não for para nós e para os outros não tem sentido.

Sozinhos nunca nos salvaremos, porque a missão é concorrermos com as nossas vidas para a salvação das outrsa vidas.

Abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Caro Paulo Costa

Obrigado!

Realmente e como dizes, só a "casa limpa e arrumada" reflecte a presença de Deus e convida a entrar.

Gostei muito daquelas duas frases que me servirão de reflexão.

Abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

zedeportugal

Obrigado pela visita!

E não é isso que todos gostariamos?

De ter a casa limpa e arrumada de modo a podermos ter todas as portas abertas?

Abraço amigo em Cristo

Anónimo disse...

"abertos à graça diária" - pois, se me tivesses lembrado mais cedo, talvez tivesse comentado mais cedo, mas ainda ando nessa lida.

Não somos poucos que só o arrumam pelo Natal. Obrigada Joaquim por mais esta reflexão.

Abraços em Cristo e Maria.

joaquim disse...

Ó Malu, Maluzinha, chegas mesmo a tempo, porque é sempre tempo...

Por isso mesmo é que: "Natal é sempre que o homem quiser"

E se nós quisermos pode ser Natal todos os dias como tu um dia escreveste.

Vês que me lembro??!!

Abraço muito amigo em Cristo