Ela estava ali sentada, quase no chão, sobre uma pedra do jardim, a cabeça entre as mãos, e as costas estremeciam, como se estivesse a chorar.
Aproximei-me e perguntei-lhe, quase num sussurro, como para não incomodar:
- Sente-se bem? Precisa de alguma coisa? Posso ajudar?
Levantou a cabeça e olhou-me nos olhos, como à procura de uma critica, ou de ajuda, sei lá.
Fizeram-me impressão aqueles olhos, vazios, olhando sem olhar, esperando sem esperar, receosos, mas suplicantes.
- Posso-me sentar ao seu lado?
Perguntei eu, o mais docemente que me era possível.
Agora já não olhou para mim, mas ouvi a sua voz sumida, sofrida:
- Eu não tenho culpa. Disseram que não tinha mal. Que a lei até me protegia.
Com a maior ternura que me era possível, disse-lhe:
- Quer-me contar o que se passou. Não a conheço, mas gostava de a ajudar no seu sofrimento.
Olhou novamente para mim, como se eu fosse uma bóia de salvação, atirada a quem se perdia no alto mar.
- Sabe, eu não queria, mas ele insistiu, ralhou comigo e disse-me que se o não fizesse não queria saber mais de mim. Disse-me também que aquilo não tinha importância nenhuma, que a lei até dizia que se podia fazer e que para além do mais, aquilo não era vida nenhuma, porque se fosse a lei nem poderia existir.
Levou-me depois a uma dessas associações, que me explicaram tudo muito bem, que o corpo era meu, que aquilo que lá estava dentro não era nada, que mais valia agora do que sofrer depois, que a lei me protegia, que até era o estado que pagava por isso não podia ser mal nenhum.
Endireitou as costas e continuou:
- Sabe, eu sou muita nova, não sei nada destas coisas, da vida e por isso achei que eles tinham razão e se ainda por cima o estado tinha uma lei que aprovava aquilo que propunham, então era porque tudo estava certo. Disseram-me muitas vezes, pense bem, mas diziam-me sempre que se calhar aquela solução era a melhor.
Fez um pausa e continuou:
- Fiz aquilo que me disseram e foi tudo muito rápido, pois pelos vistos eu tinha prioridade sobre os outros doentes.
Os seus olhos abriram-se e as lágrimas começaram a cair.
- Mas agora eu sei que fiz mal. Tenho um vazio dentro de mim e não o consigo preencher. Agora eu sei, tenho a certeza que tinha uma vida dentro de mim, que era minha e que eu a queria.
Agarrou-me nas mãos e perguntou-me:
- E agora, já não há nada a fazer, pois não?
Os olhos suplicantes exigiam uma resposta e eu não sabia o que dizer.
Fiz uma oração interior e comecei:
- Realmente em relação ao que fizeste, já não podes fazer nada, excepto perceberes o que te aconteceu e tirar lições para a vida. Podes ajudar outras raparigas como tu, explicando-lhes a realidade daquilo porque passaste.
Sou Cristão e a minha Fé veio ao de cima:
- Sabes, neste momento sentes-te mal, arrependida, sofrida, como sem amor. Mas nunca te esqueças que Deus é muito maior que as nossas faltas, os nossos erros e que neste momento te olha com uma bondade infinita, te coloca no Seu coração, te perdoa e enche de amor. Só Ele pode colocar agora a paz no teu coração e dar-te forças para continuares e te perdoares a ti própria.
Deixei que as palavras saíssem da minha boca, não me importando com aquilo que dizia.
Deus teria de colocar em mim as palavras certas para a Sua filha em sofrimento.
Disse-lhe então para rever a sua vida, a sua relação com aquele homem que não quis assumir a sua responsabilidade. Disse-lhe que ainda tinha muita vida pela frente e que ainda daria muito amor, pelo amor que agora sentia e não podia dar.
Falámos não sei quanto tempo, abrimo-nos um ao outro, ela com as suas mágoas, eu com as minhas experiências de vida.
Dei-lhe indicações a quem procurar, disponibilizei-me para quando ela precisasse de mim e rezámos juntos uma Avé Maria, pedindo à Mãe do Céu a Sua protecção e consolo.
O seu olhar estava mais calmo quando nos despedimos, mas no meu intimo eu sabia bem que aquela dor iria levar muito tempo a passar e só com uma criança nos seus braços o seu coração se acalmaria por fim.
Esta é uma história inventada.
Muitos dirão que não tem sentido, que ninguém é assim tão ingénuo.
Muitos dirão que é demagógico e outras coisas.
Muitos dirão ainda que são devaneios dum Cristão.
Eu pergunto: É impossível acontecer?
8 comentários:
Antes de mais gostaria de lhe agradecer por ter comentado o meu blog, a sua história, tal como a minha é inventada,contudo acho que ambas poderiam bem acontecer, a minha baseia-se em factos reais, claro que fui eu que a escrevi e não presenciei mas sei de uma situação semelhante, assim que lhe digo com toda a certeza que muitas mas mesmos muitas mulheres são quase que obrigadas a abortar pelos namorados que não querem assumir responsabilidade pelos seus actos, por instituições que só querem propaganda etc
Elas precisam de apoio, e não de pressão, elas precisam de amor, e não de chantagem psicológica. Um bébé é concebido por duas pessoas e não por uma só, ambas são responsáveis.
Uma das coisas que sempre que falam do aborto me recordo, é de uma frase que uma professora minha me disse na escola:
"para desenharmos um triângulo temos que faser três traços, cada recta é um conjunto de pontos, assim que cada pontinho que está em cada uma das três rectas é crucial para o Todo do triângulo, assim como o triângulo começa com um simples ponto que vai ser um traço, também nós começamos como um simples aglomerar de células que se vão desenvolvendo, porque tudo o que é grande já foi pequeno ".
Obrigado pelo seu blog que nos faz a todos pensar.
j
Meu caro Joaquim, amigo internáutico. A história é inventada? É que podia muito bem ser verdadeira... há incontáveis casos assim. Todas aquelas que apregoam "a barriga é minha" e "faço do meu corpo o que quiser", parecem querer dizer que sobre este assunto, só elas o podem resolver. Portanto, se entrarmos na sua onda, só as mulheres podiam votar no referendo. Mas, se quisermos ser ainda mais rigorosos, só as mulheres que passaram pela experiência de abortar é que podem votar! Então, o caso muda de figura... como a tua história ilustra e bem, Joaquim, muito mais são aquelas que se arrependem de abortar do que aquelas que se arrependem de não ter abortado e do que aquelas que NÃO se arrependem de ter abortado. Ora arrepender pressupõe um... "se eu voltasse atrás, faria diferente". É óbvio que não proponho isto como solução, mas sim para pensarmos. Obviamente sou da convicção que os homens e as mulheres estão no mesmo barco e com o mesmo direito de votar. O aborto não é só das mulheres, nem "só" do seu corpo. Mas devemos prestar atenção aos corajosos testemunhos de todas aquelas que nos contam tudo aquilo que passaram e passam por causa do aborto. Um abraço e parabéns pela história,
António
Caro j
obrigado pelo seu comentário e obrigado pela sua história que com certeza se há-de repetir muitas vezes.
Quando se põe a tónica na "opção da mulher" sujeitamo-la , para além da decisão que ela toma, a pressões inqualificáveis de alguns homens e até de outros/outras, por ideologias, etc, etc.
Abraço em Cristo
Meu caro António, que sinto amigo apesar de não nos conhecermos pessoalmente.
Obrigado pelo teu blog que tem o condão de me fazer sempre reflectir nas coisas da vida em relação a Deus.
A história é inventada, mas a realidade não é, e esta história acontece com certeza muitas vezes na vida de tantas mulheres, pressionadas pela sua vida, mas pressionadas também por alguns homens, pela sociedade, por conceitos errados, que vão contra a humanidade em nós existente, ou seja a defesa da vida.
Seria bom que as mulheres que fizeram aborto e se arrependeram, e são muitas com certeza, dessem testemunho para aquelas que vão sendo pressionadas todos os dias.
Abraço amigo em Cristo
Ui!
Quantas histórias como esta não andarão por aÍ?
Quantas não irão cair no engodo da "não-vida"?
Esta lei só vai aumentar casos como este, que relatas na história.
Olá, Joaquim
Uma história pseudo-inventada!
Será que as mulheres têm coragem de dar a cara para mostrar o seu arrependimento?
Srá que o pecado, confessado e perdoado deixa de atormentar?
Será, sertá, será...
O problema que se põe é das mulheres que de tão fragilizadas não têm, muitas vezes, como reagir e, quando reagem, já é tarde.
O homem chantageia, ameaça e diz que não quer saber.
Ela, porque pensda que vive o amor, cede e terá sempre que ceder, porque a vida não é fácil.
Vi um dia destes uma reportagem na televisão sobre as clínicas espanholas que já estão a afiar os dentes e a estender as garras para abrirem por cá.
Dizem eles: trabalho limpo...
E a consciência?
Já a perderam?
Como é possível viver com a sombra da morte sempre presente?
Aqui há morte, não há redenção, pois cada morte significa um caminhar para o caminho das trevas.
Também me pergunto:
Será que estes pseudo-médicos têm ou tiveram alguma prática cristã?
Não poderão ser considerados assassinos legais?
Eu chamo-os de mercenários.
Beijos peregrinos e obrigada pela tua estóris/história
Cara ana a.
Obrigado pela visita e pelo comentário.
Infelizmente é verdade o que dizes pois esta história deve tornar-se real muitas vezes, e mais ainda se esta lei inícua for "validada" no referendo.
Abraço em Cristo
olá andante
há algum tempo que não te via por estas paragens.
Obrigado pela visita.
Tudo o que dizes é pertinente e verdadeiro.
Em vez desta lei do aborto seria melhor uma lei que ajudasse os casais a terem filhos e a dar-lhes protecção bem como as mães a quem os homens irresponsáveis, abandonam.
Abraço em Cristo
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