terça-feira, 24 de agosto de 2010

A ESCRITA ORANTE

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Estava cansado!
A vida parecia que já não tinha nada para lhe dar!
Não lhe apetecia fazer nada e a única coisa que ainda lhe sabia bem, que ainda o entusiasmava de alguma maneira, era escrever.

Enquanto assim pensava, ia pedindo perdão a Deus por se sentir tão sem metas, tão indiferente a tudo e até a si próprio.

Sim, porque no seu íntimo ele sabia que isto era coisa passageira, era coisa que não condizia consigo e muito menos com a fé que vivia e queria viver.

A sua fé era uma fonte de esperança, de ânimo, de confiança, o que não podia estar mais em desacordo com aquilo que agora sentia.

Por isso mesmo decidiu pegar no papel, ou melhor no teclado do computador e escrever.
Escrever sem nenhum fim específico, deixando-se levar pelas palavras que ia escrevendo, ou melhor ainda, deixando que Deus lhe falasse através das palavras que fossem surgindo aos seus olhos e sobretudo ao seu coração.

Que coisa estranha, porque normalmente quando escrevia, tinha no seu pensamento um “esqueleto” daquilo que ia escrever, tinha sempre um princípio e um fim, e à medida que escrevia ia surgindo o “meio”.
Mas agora não, escrevia apenas aquilo que lhe ia surgindo á medida que escrevia!

O que iria afinal sair como texto, desta escrita sem principio, nem fim?

As palavras iam aparecendo na sua cabeça, até talvez mais rápidas que a sua capacidade de escrever.
Sentiu que algo o incitava a não parar de escrever e a continuar a alinhar as palavras na folha branca que lhe aparecia aos olhos, no computador.

O seu corpo que ao princípio estava dobrado, mole, quase num adormecimento, começou a endireitar-se na cadeira e agitar-se na necessidade de escrever.

Aquela má disposição, aquele cansaço inexplicável, aquela sensação de nada ter e nada querer, iam dando lugar a uma vontade de explicar o que se ia passando dentro de si naquele momento.

Escrevia e vinha-lhe ao pensamento uma pergunta que quase lhe apetecia fazer em voz alta:
Estás aí Senhor?

Curiosamente parecia-lhe que em vez de ouvir palavras, (ouvir no coração claro), apenas “ouvia” um Sorriso.
Mas que é isto de “ouvir” um Sorriso, pensou ele, quando leu as palavras que tinha escrito?

É que o Sorriso era uma presença, uma brisa suave que lhe passava no coração, e o fazia sentir como alguém, como pessoa, como parte importante de alguma coisa, mas que ele não sabia definir.

Fechou os olhos por um momento e parou de escrever!

No seu pensamento, no seu coração, em todo o seu ser apenas aparecia uma frase: filho de Deus!

Ele perguntou-se:
filho de Deus?
E então sentiu, mais do que ouviu:
Sim, filho de Deus! Tu és filho de Deus!

Ele pensou e respondeu:
Claro que sou filho de Deus, eu sei! E depois o que traz isso de novo agora?

Sentiu outra vez uma resposta:
Se és filho de Deus, tens uma família, a maior família que existe, que é a família dos filhos de Deus, que é a família de Deus.
Olha, que é a família do Reino de Deus!

Começou a sentir-se diferente, mais animado, mas mesmo assim perguntou:
E depois, o que há de novo em ser da família do Reino de Deus?

Então o Sorriso abriu-se e disse-lhe:
Não sabes tu que o Reino de Deus é sempre novo? Não sabes tu que o Reino de Deus não dispensa nenhum dos seus filhos? Não sabes tu que no Reino de Deus por muito que tenhas feito, tens sempre mais a fazer? Não sabes tu que aos olhos de Deus tu és o mais importante, tão mais importante como todos os outros são os mais importantes? Não sabes tu que Ele está sempre contigo, que Ele está sempre com todos?

Sim eu sei, respondeu, começando a compreender.

O Sorriso continuou:
Então se sabes como podes tu estar desanimado, ou a pensar que a vida já não tem nada para te dar? Já perguntaste a ti próprio o que tens tu para dar à vida? À tua e às dos outros com quem te cruzas? Como podes tu acreditar que Eu estou contigo e estares desanimado?

Quem sou Eu? Perguntou então o Sorriso!

Como num impulso, escreveu:
Tu és o Caminho, a Verdade e a Vida!

Então o Sorriso tomou conta de si!
Abriu-lhe a vontade de viver, trouxe-lhe o ânimo de testemunhar, colocou em si a importância do seu ser filho de Deus, e percebeu então, mais uma vez, que era muito, muito amado pelo Amor e que isso era mais importante do que tudo o resto.

Foi então que se me esgotaram as palavras que estou a escrever, porque a oração estava feita e tinha sido ouvida!


Monte Real, 24 de Agosto de 2010
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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

PRESSA EM SERVIR

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«Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia.» Lc 1, 39


«Maria dirigiu-se à pressa.»

Maria podia ter ficado a “contemplar-se”, a “encher-se de gozo”, por saber agora ter sido a escolhida para ser a Mãe do Filho de Deus, a Mãe do Salvador!

Eu não tenho dúvidas que essa seria a minha atitude, ou seja, “deliciar-me” com a “escolha” feita por Deus da minha pessoa.
Sentir-me-ia importante, chamaria ou far-me-ia encontrado com outros para lhes contar do que me tinha acontecido, recordaria passo por passo a visitação e as palavras proferidas pelo Anjo, apenas para meu deleite!
Não conseguiria conter o orgulho de me sentir mais do que os outros, ou seja, ser servido em vez de servir.
Por isso é que nunca poderia ser escolhido!

Mas Maria não!
«Por aqueles dias», ou seja, logo a seguir a ter conhecimento do Mistério de graça a que o Senhor a tinha chamado, parte «à pressa», para servir a sua prima que precisa de ajuda.

Não devia ser esta a nossa atitude quando nos deixamos encontrar por Deus, quando O sentimos nas nossas vidas, porque Ele se nos dá a conhecer?

Não foi isso mesmo que o Pai fez em Jesus Cristo, que Se fez Homem por e entre nós: servir-nos a Palavra, servir-nos o Amor, servir-nos a Verdade, servir-nos o Caminho, servir-nos a Vida, dar-Se inteira e totalmente em serviço divino ao homem.

Pois é, quando o encontro de Deus com cada um de nós acontece, (por Sua graça, por Seu amor), a urgência das nossas vidas deve ser servir!

Servir a Deus, servir a Palavra, servir em Igreja.

Não podemos já adiar a missão que nos foi dada, (a nossa missão), que é uma missão de serviço em qualquer estado/vocação a que somos chamados.

Não podemos já pensar que amanhã é que começamos, não podemos já pensar que para o ano que vem é que damos inicio à missão, não podemos já pensar que ainda temos tempo e que a missão pode esperar.

Não, o tempo é agora e devemos nós também «dirigirmo-nos à pressa para a montanha», que é a missão a que somos chamados como filhos de Deus, discípulos de Cristo.

O tempo é agora, porque desde logo é tempo de oração, tempo de testemunho, tempo de entrega, tempo de servir, porque o tempo d’Ele é o tempo de estar connosco, sempre!

Não percamos tempo, e «dirijamo-nos à pressa para a montanha», que é caminho de e para Deus.



Monte Real, 16 de Agosto de 2010



Nota: Esta reflexão foi provocada/inspirada pela bela e profunda homilia do Padre Manuel Henrique, (Vigário da minha paróquia da Marinha Grande), na Missa Vespertina da Assunção da Virgem Santa Maria.
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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A PERGUNTA CRUCIAL

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«Quem dizem as multidões que Eu sou?» Lc 9,18

Se hoje, Senhor Jesus, fizesses esta pergunta, como Te responderiam as multidões?

Uns dir-Te-iam que não exististe, e que nem sequer existes.
Outros dir-Te-iam que foste uma figura histórica, um revolucionário, um homem com um pensamento avançado para a sua época.
Outros dir-Te-iam ainda que não soubeste “cavalgar a onda do poder” e mudar tudo o que estava mal.
Uns quantos dir-Te-iam também que foste um grande meditador transcendental, uma espécie de mestre de yoga dos tempos antigos.
Mais uns quantos fingirão que nunca ouviram falar de Ti, ou que, não lhes interessa nada o que Tu foste ou possas ser.
Finalmente, uns quantos afirmando que Tu não exististe, desejarão mesmo que não tivesses existido.


«E vós quem dizeis que Eu sou?» Lc 9,20

E se hoje, Senhor Jesus, fizesses esta pergunta àqueles que se dizem Teus seguidores, o que responderíamos nós?

Uns dir-Te-ão que sim, que Tu és o Filho de Deus, que nos trouxeste uns ensinamentos que devemos seguir segundo a nossa consciência, e que é a nossa consciência e só a nossa consciência a luz do nosso proceder.
Estes dir-Te-ão, sem dúvida, que a instituição da Igreja é uma mera interpretação que alguns fazem da Bíblia, porque verdadeiramente cada um sabe de si e da sua vida e que a Igreja não é precisa para nada.

Outros dir-Te-ão que Tu és o Filho de Deus, e que tudo o que Tu nos disseste e está nas Escrituras deve ser seguido exactamente como está escrito, que não há lugar a interpretações, que uns são escolhidos e outros excluídos, e que apenas e só nessa radical leitura e seguimento, se será verdadeiramente Teu discípulo.

Outros ainda dir-Te-ão que Tu és o Filho de Deus, mas que tudo aquilo que Tu nos disseste se destinava apenas àquele tempo e que por isso mesmo, tudo se deve adaptar aos tempos de agora, e assim sendo, a vida pode ser questionada, seja ela na gestação inicial, seja ela na sua recta final.
Que as relações entre mulheres e homens devem ser ao gosto de cada um, porque isso pertence ao homem definir, e aquilo que Tu nos disseste sobre isso mesmo, era apenas para aquele tempo, para aquela cultura.
Dir-Te-ão que nós homens já “matámos” o demónio, porque o “dito cujo” nunca existiu.
Dir-Te-ão que a Igreja, é afinal as igrejas, edifícios onde vão rezar, (de pé, claro), e que toda a estrutura da Igreja são afinal apenas meros funcionários ao sabor das vontades de cada um, bem como a Doutrina, que deve ser seguida segundo a própria interpretação dos que assim pensam, e sempre mudando ao sabor dos tempos.

E outros tantos Te dirão isto e aquilo nas mais variadas formas e interpretações, reclamando-se como teus verdadeiros seguidores e teus legítimos “intérpretes”.

E haverá, finalmente, aqueles, (e eu espero bem ser um deles), que Te responderão dizendo:
«Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.» Mt 16,16

E nesta revelação, «porque não foi a carne nem o sangue que no-lo revelou, mas o Pai que está no Céu» Mt 16,17, tudo estará contido e aceite como Caminho, Verdade e Vida, desde o Filho de Deus, Jesus Cristo Nosso Senhor, à Igreja e à Doutrina, que Tu mesmo nos ensinaste e deixaste.

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.


Monte Real, 9 de Agosto de 2010
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terça-feira, 3 de agosto de 2010

«A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR E A DEUS O QUE É DE DEUS» Mc 12,17

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«o imperador e Jesus personificam duas ordens diferentes de realidades, que não devem necessariamente excluir-se uma à outra pois, na sua contraposição, encontra-se o rastilho de um conflito que tem a ver com as questões fundamentais da humanidade e da existência humana. «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mc 12,17): dirá Jesus mais tarde, exprimindo assim a essencial compatibilidade das duas esferas. Quando, porém, o império passa a interpretar-se a si mesmo como divino – implícito já na auto-apresentação de Augusto como portador da paz mundial e salvador da humanidade – então o cristão deve «obedecer antes a Deus do que aos homens» (Act 5,29)»
Jesus de Nazaré – Joseph Ratzinger – Bento XVI



Muitas pessoas têm citado a passagem bíblica, «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mc 12,17), para de alguma forma tentarem respaldar a feitura e aprovação de leis iníquas, como a “lei do aborto”, “lei do casamento homossexual”, etc., afirmando que o governo, e a feitura das leis, competem aos homens segundo a sua vontade, tentando demonstrar com essa citação que essa seria a vontade de Deus, ou seja, que os homens governassem e fizessem as leis segundo a sua própria vontade.

E realmente Deus, tendo-nos criado em liberdade, não interfere na governação dos homens, mas não “avaliza” todos os actos dos homens que governam e legislam.

Porque sendo as duas esferas, (para citar o Papa), compatíveis, só o são na medida em que o homem reconhece a Deus a primazia sobre o homem e a vida.
E se falarmos então em políticos cristãos, esta verdade tem de ser indestrutível, pois só se é verdadeiro cristão se em tudo na sua vida se der a primazia a Deus.

E o Papa, nesta pequena passagem deste seu livro, mostra-nos com uma perfeita clareza o porquê desta frase bíblica não poder ser “utilizada” para respaldar leis que vão contra a vida, tal como ela foi criada e desejada por Deus.

É que quando o homem legisla sobre o direito à vida, (lei do aborto, por exemplo), e sobre o modo como ela foi desejada e querida por Deus, (lei do “casamento” homossexual, por exemplo), está a transformar-se em “Augusto”, ou seja está a querer divinizar-se e ser senhor daquilo que pertence apenas e só a Deus.

E desta verdade não há, (ou não deve haver), a menor dúvida para qualquer cristão que acredita que o Senhor e Criador da vida é Deus, e que, por isso mesmo, o homem não tem o direito de ir contra a vida que não lhe pertence, e ainda, que todo o cristão perante este tipo de leis deve «obedecer antes a Deus do que aos homens» (Act 5,29).

E assim, mais uma vez, esta verdade torna-se mais premente e obrigatória para aqueles que sendo cristãos, foram chamados ao governo das nações, à feitura das leis dos homens, pois que deveriam assumir essa missão como uma vocação que Deus colocou nas suas vidas, para também aí, (como em tudo), serem testemunhas da fé que afirmam viver.

Quando assim não procedemos, eles, os políticos, e cada um de nós que aceita e segue essas leis, rompemos com Deus, pois estamos a tentar colocarmo-nos em pé de igualdade com Ele, atacando o maior dom do Seu amor que é a vida de cada um, tal como por Ele foi criada e desejada.

Podemos “assobiar para o lado”, podemos fingir que não compreendemos, podemos argumentar milhentas razões para aprovarmos esse tipo de leis, podemos até distorcer a nossa consciência como cristãos, mas no fundo quem segue Jesus Cristo, e com Ele, a Ele e n’Ele comunga, reconhece sempre no seu íntimo, onde Ele habita, que deve sempre «obedecer antes a Deus do que aos homens» (Act 5,29).


Monte Real, 3 de Agosto de 2010
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