quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A COMUNIDADE MODELO (6)

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«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.» Act 2, 42-47



«E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.»

Esta é a missão primária da Igreja, revelar Deus aos homens, levá-los à comunhão com Deus num encontro pessoal com Jesus Cristo, que é o caminho da salvação.

Ou melhor ainda, esta é a missão de todos nós, cristãos católicos, porque a Igreja somos todos nós, Assembleia Santa reunida em Seu Nome, para por Ele, com Ele, e n’Ele caminharmos para a salvação, proclamando a Boa Nova a todos, pelas palavras, pelas acções, enfim, pelo testemunho das nossas vidas.

Porque devemos ter em conta que Deus todos os dias nos pergunta ao coração: «Onde está o teu irmão?»*

E podemos nós responder com verdade, onde está o nosso irmão?
Aquele que ri e aquele que chora, aquele que tem e aquele não tem, aquele que se veste e aquele que anda nu, aquele que se sacia e aquele que tem fome, aquele a quem é feita justiça e aquele que sofre a injustiça, aquele que é livre e aquele que está preso, aquele que conhece a Cristo e aquele que não O conhece, ou conhecendo-O não O segue.

As “instruções” para podermos responder a esta pergunta com um sim verdadeiro, estão perfeitamente contidas e descritas naquela passagem dos Actos dos Apóstolos.

Com efeito temos de ser «assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações» em Igreja, porque se assim formos em comunidade, também o seremos individualmente e se o formos individualmente, também o seremos em comunidade.

Realmente está sem dúvida bem descrito o modo como devem proceder os cristãos católicos, em Igreja e por si mesmos, e os frutos de tal procedimento.

Devemos assim ouvir o ensino da Igreja e dele fazer norma de vida, na privacidade, na família, no trabalho, na sociedade, em todos os momentos e circunstâncias.

Devemos assim viver unidos, amando-nos uns aos outros, percebendo que os nossos bens são graça de Deus, (fruto do nosso trabalho, que também é graça de Deus), e que como tal devem ser partilhados com os outros que nada têm.

Devemos assim «ter uma só alma», como Jesus nos ensina na Sua oração ao Pai:
«…de modo que sejam um, como Nós somos Um. Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim.»*

Devemos assim «frequentar diariamente o templo», não só o “templo” de reunião dos homens, mas também o templo do nosso coração:
«Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te.»*

Devemos acercar-nos dos Sacramentos, (da Reconciliação, da Eucaristia, da Comunhão), que são o nosso alimento divino, que devemos celebrar e receber em «alegria e simplicidade», e não como rotina, como obrigação ou como um “peso” que não faz sentido, pois Deus criou-nos livres em tudo, e apenas quer a nossa salvação, apenas quer que a nossa alegria seja completa:
«Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa.»*

Devemos ainda louvar a Deus em tudo e em todos, nos momentos bons e nos momentos de provação, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, fazendo da nossa vida uma oração de louvor e entrega a Deus, como nos diz São Paulo:
«Orai sem cessar. Em tudo dai graças. Esta é, de facto, a vontade de Deus a vosso respeito em Jesus Cristo. Não apagueis o Espírito.»*

Então, e se assim procedermos, o Senhor dará a conhecer os frutos de tal procedimento, e acontecerão «inumeráveis prodígios e milagres» e teremos então também a «simpatia de todo o povo».

E por este proceder de todos nós em Igreja, e pelos frutos que o Senhor dará a conhecer, consequência pela graça de Deus deste procedimento, «o Senhor aumentará, todos os dias, o número dos que hão-de entrar no caminho da salvação» .

Sim, será o Senhor que chamará e aumentará o número daqueles que entrarão no caminho da salvação, porque essa será a recompensa maior de quem assim proceder, a alegria da salvação aqueles que ainda se encontram fora do Caminho, da Verdade e da Vida.
«Digo-vos Eu: Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão.»*

Parece utópico, irrealizável, afastado do nosso tempo e do nosso lugar?

Não, não é, porque quando nos entregamos a Ele, quando estamos com Ele, n’Ele e por Ele, Ele mesmo se encarrega de fazer tudo em nós, para que tudo seja feito segundo a Sua vontade.

Assim seja.


* Gn 4, 9; Jo 17, 22-23; Mt 6, 6; Jo 15, 11; 1 Ts 5, 17-19; Lc 15, 7

Monte Real, 27 de Outubro de 2010
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sábado, 23 de outubro de 2010

23º DIA DO ROSÁRIO

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No Rosário, estamos com Maria em Igreja.

Mas é muito importante sabermos o que nos ensina a Igreja sobre Maria, sobre a devoção a Maria, sobre o culto a Maria.
Para isso devemos servir-nos da Constituição Dogmática Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, que dedica todo o Capítulo VIII à Bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus. 

Aqui vamos citar apenas dois pontos, (66 e 67), mas convido todas e todos a lerem e meditarem a Lumen Gentium, não só o Capítulo dedicado a Maria, mas tudo o que esta Constituição Dogmática, (friso a condição Dogmática), nos ensina sobre a Igreja.


Capítulo VIII

A BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA MÃE DE DEUS NO MISTÉRIO DE CRISTO E DA IGREJA


IV. O CULTO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM NA IGREJA

Natureza e fundamento do culto

66. Exaltada por graça do Senhor e colocada, logo a seguir a seu Filho, acima de todos os anjos e homens, Maria que, como mãe santíssima de Deus, tomou parte nos mistérios de Cristo, é com razão venerada pela Igreja com culto especial. E, na verdade, a Santíssima Virgem é, desde os tempos mais antigos, honrada com o título de «Mãe de Deus», e sob a sua protecção se acolhem os fiéis, em todos os perigos e necessidades (191). Foi sobretudo a partir do Concílio do Éfeso que o culto do Povo de Deus para com Maria cresceu admiràvelmente, na veneração e no amor, na invocação e na imitação, segundo as suas proféticas palavras: «Todas as gerações me proclamarão bem-aventurada, porque realizou em mim grandes coisas Aquele que é poderoso» (Luc.1,48). Este culto, tal como sempre existiu na Igreja, embora inteiramente singular, difere essencialmente do culto de adoração, que se presta por igual ao Verbo encarnado, ao Pai e ao Espírito Santo, e favorece-o poderosamente. Na verdade, as várias formas de piedade para com a Mãe de Deus, aprovadas pela Igreja, dentro dos limites de sã e recta doutrina, segundo os diversos tempos e lugares e de acordo com a índole e modo de ser dos fiéis, têm a virtude de fazer com que, honrando a mãe, melhor se conheça, ame e gloria fique o Filho, por quem tudo existe (cfr. Col. 1, 15-16) e no qual «aprouve a Deus que residisse toda a plenitude» (Col. 1,19), e também melhor se cumpram os seus mandamentos.

Espírito da pregação e do culto

67. Muito de caso pensado ensina o sagrado Concílio esta doutrina católica, e ao mesmo tempo recomenda a todas os filhos da Igreja que fomentem generosamente o culto da Santíssima Virgem, sobretudo o culto litúrgico, que tenham em grande estima as práticas e exercícios de piedade para com Ela, aprovados no decorrer dos séculos pelo magistério, e que mantenham fielmente tudo aquilo que no passado foi decretado acerca do culto das imagens de Cristo, da Virgem e dos santos (192). Aos teólogos e pregadores da palavra de Deus, exorta-os instantemente a evitarem com cuidado, tanto um falso exagero como uma demasiada estreiteza na consideração da dignidade singular da Mãe de Deus (193). Estudando, sob a orientação do magistério, a Sagrada Escritura, os santos Padres e Doutores, e as liturgias das Igrejas, expliquem como convém as funções e os privilégios da Santíssima Virgem, os quais dizem todos respeito a Cristo, origem de toda a verdade, santidade e piedade. Evitem com cuidado, nas palavras e atitudes, tudo o que possa induzir em erro acerca da autêntica doutrina da Igreja os irmãos separados ou quaisquer outros. E os fiéis lembrem-se de que a verdadeira devoção não consiste numa emoção estéril e passageira, mas nasce da fé, que nos faz reconhecer a grandeza da Mãe de Deus e nos incita a amar filialmente a nossa mãe e a imitar as suas virtudes.


Que saibamos sempre seguir o que Maria nos diz todos os dias: «Fazei o que Ele vos disser.» Jo 2, 5
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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A COMUNIDADE MODELO (5)

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«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.» Act 2, 42-47



«Eram assíduos…às orações»

«Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus, com o Pai infinitamente bom, com o Seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo.» (Cat. Igr. Cat. 2565)

Se a oração é a relação viva dos filhos de Deus, com a Santíssima Trindade, com o nosso Deus Uno e Trino, compreende-se bem que uma comunidade que se pretende cristã, só o é verdadeiramente se viver em comunhão de oração, oração que a leva à relação viva com Deus, em comunhão de irmãos e individualmente.

E para que a comunidade viva em comunhão de oração, é preciso sem dúvida que cada um dos seus membros viva em oração também, pois só em oração cada um pode ter a relação viva com Deus que transforma o homem e o faz irmão do seu irmão, pela filiação divina que nos é obtida pela graça do Baptismo.

E somos nós «assíduos…às orações»?
E é a nossa comunidade «assídua…às orações»?
É que a nossa comunidade só pode ser «assídua…às orações», se nós o formos também.

E como são as nossas orações?

É que “normalmente” as nossas orações, são orações de petição, ou seja, são orações a pedir, sempre a pedir, e a maior parte das vezes por nós e por aqueles que nos são queridos.
E muitas vezes as nossas orações quedam-se pelo eu e pelos meus, quando deveríamos ao pedir por nós, pelas nossas situações, “alargar” essas orações a todos aqueles que vivem as mesmas circunstâncias, ou seja, passarmos do eu ao nós.

E ainda o que é “mais interessante” é que pedimos, pedimos, e não nos calamos um pouco, ou seja, não fazemos silêncio para escutarmos o que Deus nos quer dizer das e nas situações que enfrentamos.

Costumo dizer a quem me procura e me afirma que reza, reza sem parar, e que acha que Deus não lhe responde, que se fizer silêncio é capaz de “ouvir” a voz de Deus dizer-lhe: «Cala-te um bocadinho, para ouvires o que te quero dizer!»

E a adoração e o louvor, fazem parte das nossas orações?

Dizem alguns autores católicos que a oração de louvor “toca o coração de Deus”.
Se nos deixamos envolver pela oração de louvor, então a oração toma conta das nossas vidas, pois em tudo, até nas contrariedades louvaremos o Nosso Deus e Senhor.

A nossa vida, se em tudo louvamos a Deus, passa então ela própria a ser uma oração, e não é isso mesmo que é ser «assíduo…às orações»?

A verdade é que Deus colocou o mundo nas nossas mãos e chamou-nos a colaborarmos com Ele na obra da criação, o que nós fazemos sempre que trabalhamos tendo em vista não só o nosso bem-estar, mas também o dos outros, o que só podemos fazer, se o nosso trabalho for uma oferta a Deus, for feito com Deus e para Deus.

E se assim fizermos, não será o nosso trabalho uma oração contínua?

Claro que percebemos que nesta frase «eram assíduos…às orações», São Lucas nos remete para a oração comunitária, o que nos leva a reflectir sobre a necessidade de um verdadeiro cristão não limitar a sua vivência da fé, pura e simplesmente, à Eucaristia Dominical.

Com efeito, nas nossas paróquias há muitos momentos, (fora do Domingo), em que a comunidade paroquial se reúne em oração: nas festas religiosas, na recitação do Terço, em momentos de adoração ao Santíssimo, em tempos tão específicos como o Advento e a Quaresma.
E nós, unimo-nos á nossa comunidade nesses momentos de oração?
Somos assim «assíduos…às orações»?

Tal como acima está escrito, não há oração comunitária se não houver oração individual, a oração de cada um, e até a oração em família, que é no fundo a comunidade base, a “igreja doméstica”, onde o primeiro testemunho é dado aos jovens, não só para viverem a fé que lhes é transmitida, mas também para perceberem a importância imprescindível da oração na vida dos filhos de Deus.

Basta lermos os Evangelhos e percebermos que a vida de Jesus Cristo na terra, foi uma contínua oração que os evangelistas fazem questão de salientar, sobretudo nos momentos, digamos, mais importantes da Sua Missão: no Seu Baptismo*, na Sua Transfiguração*, na escolha dos Doze*, na agonia no Monte das Oliveiras*, no momento da Sua Morte*, etc., etc.

Se a vida do verdadeiro cristão é a imitação de Cristo, e deve sê-lo sem dúvida, então a oração deve ser a linha contínua que atravessa toda a sua vida, de tal modo que a vida do cristão seja uma permanente oração ao seu Deus e Senhor.

Só assim seremos verdadeiramente «assíduos…às orações».




* Lc 3,21, Lc 9,28, Lc 6,12, Lc 22, 41-44, Lc 23,46

Monte Real, 21 de Outubro de 2010
(continua)
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A COMUNIDADE MODELO (4)

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«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.» Act 2, 42-47



«Eram assíduos…à fracção do pão»


Fiquei a reflectir nesta característica tão importante das primeiras comunidades cristãs e tive de, forçosamente, reconhecer que nós cristãos católicos, no nosso tempo, não nos apercebemos ou sequer percebemos a real dimensão da importância de sermos assíduos à Eucaristia, como ápice da vivência da fé, como imprescindível à nossa vida cristã.

Com efeito, a Igreja que somos e a que pertencemos, Igreja Sacramental, todos os dias, em todas as partes do mundo, nos oferece a celebração da Eucaristia, memorial que torna presente, realmente presente, Jesus Cristo Nosso Senhor e Salvador.

Li em tempos num livro chamado "A fonte da Liturgia” de Jean Corbon, uma frase que me chamou a atenção e me deu alguma luz sobre esta presença real e verdadeira de Jesus Cristo, no Seu Todo, na Eucaristia: «Cristo, por ter ressuscitado, abriu uma brecha no muro do tempo mortal»

Com certeza que a presença real de Cristo na Eucaristia é um Mistério ao qual não podemos aceder totalmente pela razão, mas sim pela fé, dom de Deus aos homens, que O procuram de coração aberto.

Mas podemos humanamente perceber, que tendo Jesus Cristo, (verdadeiro Deus e verdadeiro Homem), ressuscitado, vencido a morte, venceu o tempo, o tempo que o homem conta na sua própria vida, contando-o em relação à sua, (do homem), própria morte, como um fim, que afinal deixa de o ser, porque em Cristo o homem alcança a imortalidade e o tempo deixa de o ser.

Assim, Jesus Cristo, vencida a morte, vencido o tempo, porque é Deus a Quem nada é impossível, faz-se presente sempre, verdadeiramente presente em cada Eucaristia celebrada por um sacerdote ordenado.

E é esta realidade que nós, cristãos católicos, tantas vezes não percebemos, não meditamos, não reflectimos e por isso mesmo não damos, repito, não damos a real e imprescindível importância, na nossa vida de filhos de Deus, discípulos de Cristo.

E nem nos apercebemos da infinita graça que a Igreja todos os dias coloca ao nosso alcance, na celebração dos Sacramentos.

Há uns anos atrás fui, com um grande amigo meu hoje sacerdote, ter um encontro com um Bispo americano de uma Igreja Evangélica.

Tratava-se de uma conversa preliminar para um possível encontro ecuménico, entre diversas igrejas cristãs, tal como já tinha acontecido noutros países da Europa e não só.

Estava também nesse encontro um Pastor português dessa Igreja.

No meio da conversa, muito agradável, por razão que agora não lembro, falou-se da Eucaristia, que esse Pastor presente “desvalorizou”, embora sem qualquer tipo de acinte, ou desprezo.

Nessa altura o Bispo americano tomou a palavra, e defendeu veementemente a Eucaristia, dizendo que era um Sacramento em que ele acreditava, que era uma riqueza imensa da Igreja Católica, e que ele lamentava profundamente não comungar, quando estava em cerimónias ecuménicas e havia celebração da Eucaristia.

Não me lembro obviamente das suas palavras, mas lembro-me da sua atitude e da forma intensa como falou sobre a importância da Eucaristia.

Ficou-me sempre esta impressão de que, infelizmente, nós católicos temos a riqueza maior que o Senhor nos deixou, e d’Ela não aproveitamos, d’Ela não vivemos a vida nova que nos é sempre dada.

Escrevo estas palavras e chego rapidamente à conclusão de que não tenho palavras para falar sobre a Eucaristia, a «fracção do pão».

Assim e para que percebamos melhor este Sacramento de amor infinito que o Senhor nos deixou sirvo-me do livro "Eucaristia" do Cardeal D. José Saraiva Martin:*

A presença de Cristo na Eucaristia é entendida, antes de mais, como presença de Cristo todo. Mesmo se falámos, seguindo a linguagem teológica comum, de presença do corpo e do sangue do Senhor, na Eucaristia, sob as espécies do pão e do vinho, está presente, na realidade, não só o seu corpo e o seu sangue, mas Ele mesmo todo na sua dupla dimensão, divina e humana.
O fundamento sobre o qual se apoia esta doutrina são os mesmos textos sagrados concernentes à Eucaristia, considerados no seu sentido biblico-filológico.
Segundo os relatos da instituição, Cristo, na Última Ceia, dá o seu «corpo». Como já foi dito, Ele usou, com toda a probabilidade, naquela ocasião o termo «basar» (den bisri «eis, minha carne»). Cristo deu, portanto, a sua «carne» aos seus como dom de despedida. O vocábulo «carne» (sarx) já fora adoptado por Jesus no discurso da promessa da Eucaristia.
Ora em hebraico e aramaico o termo «carne» indica a totalidade da pessoa humana, e não só o elemento material e corporal do homem, como acontece, aliás, com o termo grego «sôma» (corpo). Isto significa que quando Cristo no cenáculo disse: «isto é o meu corpo», entendia-se, com tais palavras, totalmente a si mesmo, todo o seu eu, toda a sua realidade concreta e histórica: corpo, sangue, alma e divindade.
Um discurso análogo deve fazer-se acerca do termo «sangue» (dam).
Ele designa, como é conhecido, a substância vital, bem como o seu sujeito, e, portanto, em última análise, a pessoa mesma na sua concretude histórica. O sangue escapa ao poder do homem, precisamente porque ele é sede da vida, antes, a vida mesma, e toda a vida, que provem de Deus, apenas a Ele pertence. Pelo mesmo motivo, o sangue não pode ser bebido, mas somente usado para o altar como meio de expiação. O sangue, em suma, é para os hebreus, a fonte da vida, a vida mesma concreta; e, tratando-se do homem, ele é, em última análise, a pessoa mesma concreta na sua vitalidade existencial. Portanto, quando, na ceia de despedida, o Senhor pronunciou as palavras: «isto é o meu sangue», Ele referia-se a si mesmo na totalidade, à sua pessoa mesma.”
Tudo isto é confirmado pelo autor do quarto Evangelho. De acordo com o estilo semita, ele gosta muitas vezes de repetir os mesmos conceitos com diversas palavras. Assim, no que diz respeito às palavras da promessa da Eucaristia, S. João declara: «quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia… Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e Eu nele. Como o Pai, que vive, me enviou e Eu vivo pelo Pai, assim também quem me come (e não só a minha carne) viverá por Mim» Jo 6, 54-57 Comer a sua carne e beber o seu sangue é, segundo as palavras de Jesus, comer a Ele mesmo. Trata-se de duas expressões completamente sinónimas.


Tanto mais haveria para dizer sobre o Sacramento da Eucaristia, e sobretudo sobre a nossa atitude perante Ela, mas, se nos servirmos de tudo o que aqui está escrito, e muito mais especialmente do Catecismo e dos Documentos da Igreja Católica, se abrirmos o nosso coração à presença de Jesus Cristo, teremos seguramente o nosso encontro pessoal com Ele, (que Se faz sempre encontrado pelos que O procuram), que trará a vida nova e o desejo profundo de sermos «assíduos…à fracção do pão» .



* "Eucaristia" do Cardeal D. José Saraiva Martins - Universidade Católica Editora - Lisboa 2005 - Colecção Estudos Teológicos - IV Teologia Sacramental

Monte Real, 13 de Outubro de 2010
(continua)
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domingo, 10 de outubro de 2010

10º DIA DO ROSÁRIO

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Avé Maria
(bom dia Mãe)


cheia de graça
(que lindo é o teu sorriso)


o Senhor é convosco
(como tu Mãe, O mostras tão bem a todos nós)


bendita sois vós entre as mulheres
(mãe há só uma, dizemos nós, e tu és a Mãe de todas as mães)


e bendito é o fruto do vosso ventre
(obrigado Mãe porque disseste sim ao Salvador de todos nós)


Jesus.
(tudo por Ele, n’Ele e para Ele)




Santa Maria
(sim Mãe, tu és a Santa das santas)


Mãe de Deus
(o teu nome mais antigo, Mãe: Theotokos)


rogai por nós pecadores
(teus filhos fracos, pobres, sedentos de amor, que se acolhem a ti)


agora
(sim Mãe, todos os dias, todos os momentos, intercede por nós)


e na hora da nossa morte
(que nesse momento estejas ali, ao nosso lado, e ao teu colo cheguemos a Jesus)


Amen.
(sim Mãe, amen, assim seja, sempre, em todos os momentos das nossas vidas)



A Oração continua amanhã em Alfa & Ômega
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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A COMUNIDADE MODELO (3)

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«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.» Act 2, 42-47



«Eram assíduos…à fracção do pão»


Ao reflectirmos sobre esta verdade, logo outra passagem bíblica nos vem ao coração, ao pensamento:
«E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença.»*

Na «fracção do pão» reconheciam Jesus Cristo entre eles, com eles, neles, alimentando-os, fortalecendo-os, lutando com eles pela proclamação, pelo reconhecimento do Reino de Deus, já, aqui e agora, esperando a plenitude do que há-de vir.

«Reconheciam-nO na fracção do pão.»

E nós, ainda ou também O reconhecemos na «fracção do pão», na Eucaristia, que todos os dias é celebrada, é vivida nas igrejas, e não só, em todo o mundo?

Que “reconhecimento” de Jesus Cristo fazemos nós na Eucaristia?
Que é simbólico? Que a Hóstia consagrada representa Cristo? Que é uma imitação, uma memória do que Jesus Cristo fez? Que é uma representação? Que Jesus Cristo está ali presente em espírito?

Ou acreditamos verdadeiramente que Jesus Cristo está ali presente, tão presente como quando estava no meio dos Apóstolos após a Ressurreição?
Ou acreditamos que é Ele que se dá verdadeiramente como alimento, num Mistério tão incompreensível para nós, mas no entanto tão palpável, tão real, tão “experimentável” nas nossas vidas?

E assim sendo, se assim acreditamos, somos nós «assíduos à fracção do pão»?
Vivemos num mundo em que, graças a Deus, somos livres de praticar e viver a nossa Fé, e em que, apesar de algumas dificuldades, temos a celebração da Eucaristia diária em quase todos os lugares, (mais perto ou um pouco mais longe), onde vivemos.

Fazemos nós tudo o que nos é possível para participarmos celebrando a Eucaristia diária, vivendo-A todos os momentos das/nas nossas vidas?

É que naquele tempo, aqueles primeiros cristãos tinham com certeza de se deslocar às casas onde era celebrada «a fracção do pão», muitas vezes com risco da sua própria vida, tendo em conta as perseguições de que eram alvo.

Porque era e é ali, na Eucaristia, que nos encontramos preferencialmente com Jesus Cristo Nosso Senhor e Salvador, que dando-se como alimento divino nos afirma a Sua presença em nós e connosco, que dando-nos a certeza de que se fez igual a nós em tudo, excepto no pecado, nos reafirma a nossa filiação divina, e assim nos faz irmãos uns dos outros, filhos do Nosso Pai que está nos Céus.

Porque era e é ali na Eucaristia, que Ele nos dá forças, alento e coragem, para vivermos o Caminho, para proclamarmos a Verdade, para testemunharmos a Vida, que Ele nos dá no/do Seu Amor.

«Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.»*

Aqueles discípulos de Emaús tinham fugido de Jerusalém, tinham medo, já não acreditavam, para eles tinha sido uma aventura que tinha acabado, no entanto, e depois de terem ouvido a Palavra, de caminharem como irmãos com Jesus Cristo, (invisível aos seus olhos), reconheceram-No na «fracção do pão», e, perante esse reconhecimento, essa certeza da Verdade, voltaram de imediato a Jerusalém, esquecendo o medo, ou vencendo-o, para anunciarem que Jesus Cristo estava vivo, porque também eles O tinham visto.

Que Deus de amor, de bondade, de humildade, de entrega é o nosso, que assim, num «pedaço de pão», se oferece aos homens a quem Ele próprio deu a vida!

E todos os dias assim se entrega por nós, e todos os dias está ali disponível para cada um de nós, e todos os dias e em todos os momentos a Igreja nos chama a estar com Ele, e todos os dias tantos de nós faltam a esse encontro sem razão de nenhuma espécie.

Mas até podemos dizer, (tentando desculpar-nos), que não faltamos à Missa Dominical!
Mas porquê, porque é que não faltamos? Já nos perguntámos porquê?
É porque realmente queremos estar com Ele, queremos encontrar-nos com Ele, para O adorar e Lhe dar graças, ou é por tradição, por rotina, ou até por superstição, (não vá alguma coisa correr mal na nossa vida).

Perdoem-me a irreverência e brutalidade da ideia, mais é mais ou menos como um amigo “chato”, que nos dá emprego, que nos ajuda quando precisamos, mas que temos de aturar pelo menos uma vez por semana, não vá ele deixar de ser nosso amigo!

Às vezes até se escolhem as Missas em que o Sacerdote é mais rápido, (para o encontro com Deus não ser tão demorado!), esquecendo-nos da comunidade paroquial, daqueles que são nossos vizinhos e se cruzam connosco todos os dias, esquecendo-nos da «união fraterna».

As coisas que hoje em dia vemos durante a celebração da Eucaristia são de “bradar aos céus”:
São os telemóveis que tocam e alguns até se levantam e saem para os atender, quando não o fazem mesmo no seu lugar.
(Gostava de os ver atender o telemóvel durante uma entrevista para um emprego!)
São as conversas sobre tudo e sobre nada, como se estivéssemos num qualquer café social!
E paro por aqui porque a lista não acabaria.

Na altura da Comunhão confundimos dignidade e seriedade, com tristeza e abatimento, e é vermo-nos em procissão de cabeça baixa, ombros inclinados, como se um peso insuportável nos fizesse assim, e depois regressarmos ao lugar no mesmo estilo, ou pior, ou então conversando com quem vamos encontrando no caminho de regresso.

Chega-se atrasado, porque no entender de alguns a Missa só começa no Evangelho, e depois, depois não temos tempo para os avisos, (já demos tempo demasiado ao nosso Deus!), e por isso saímos, nem sequer esperando pela bênção final, nem esperando por algum breve convívio com aqueles que são nossos irmãos na Fé.

Também eu, obviamente, ao escrever tais palavras, me confronto comigo próprio e com as minhas atitudes, reconhecendo tanta coisa a mudar em mim.

Tanto para dizer sobre a «fracção do pão», e tão pouca inspiração para o fazer, reconheço-o humildemente, mas encontramos já aqui muita coisa para reflectir.

Lembro-me da história verdadeira do Cardeal Nguyen Van Thuan, preso treze anos no Vietnam, sobre a celebração da Eucaristia, de que aqui deixo relato.

«Sempre inspirado pela criatividade amorosa, Van Thuan escreveu uma carta aos amigos pedindo que enviassem um pouco de vinho, como remédio para doenças estomacais. Assim, a cada dia, três gotas de vinho e uma de água eram suficientes para trazer Jesus eucarístico à prisão. Os pedacinhos de pão consagrado eram conservados em papel de cigarro, guardado no bolso com reverência. De madrugada, ele e os poucos católicos detidos ali davam um jeito de adorar o Senhor escondido com eles.»

Nós, no nosso mundo, temos as portas das igrejas abertas, e, como acima digo, um pouco mais perto ou um pouco mais longe, temos com certeza a celebração da Eucaristia.

O que esperamos então nós para sermos também «assíduos à fracção do pão»?


*Lc 24, 30-31; Lc 24, 33-35

Monte Real, 6 de Outubro de 2010
(continua)
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