terça-feira, 31 de maio de 2011

LUZ E TREVAS

.
.


Na sonolência de uma manhã, no fim-de-semana passado, veio à minha memória uma anedota que já tinha ouvido contar há muito tempo:

«Um sujeito encontra outro numa sala, muito atarefado, a procurar qualquer coisa e pergunta-lhe:
- Perdeu alguma coisa?
O outro responde:
- Perdi umas chaves!
Diz o primeiro:
- Vou ajudá-lo. Tem noção onde as perdeu mais ou menos?
Responde o outro:
- Foi na sala ali ao lado!
- Na sala ali ao lado e está à procura nesta???
Responde o outro:
- É que na sala onde as perdi não há luz. Está tudo às escuras!!!»

É uma graça, sem muita graça, mas que me levou a reflectir, na luz e na ausência da luz.

Com efeito, não vale a pena procurar o que quer que seja numa sala sem luz, na escuridão, pois nada se conseguirá encontrar.

Se não levarmos luz connosco, será impraticável a procura, pois, com certeza, nada encontraremos.

Isto faz-me lembrar aqueles que querem procurar Deus na escuridão dos seus pensamentos, dos seus raciocínios, sem quererem “usar” a luz própria que nos permite encontrar Deus.

Essa luz própria chama-se fé e é o próprio Deus que no-la dá, quando de coração aberto e sincero O procuramos, mesmo nas trevas em que possamos viver.

É que querer procurar Deus sem essa luz, é querer encontrar Deus apenas com as nossas capacidades, e Deus está muito para além daquilo que somos e podemos entender, pois na sua infinita simplicidade, ultrapassa totalmente a nossa maneira complicada de procurar a verdade.

Para que as nossas capacidades, a nossa inteligência, o nosso saber, a nossa ciência, possam perceber a existência e a dimensão de Deus, têm que ser iluminadas pela fé, têm que ser iluminadas pelo próprio Deus, porque se assim não for, apenas podemos conhecer aquilo que está na nossa dimensão, apenas podemos encontrar aquilo que está ao nosso alcance encontrar.

Ao longo da História da humanidade, não são poucos os cientistas que procurando Deus com toda a sinceridade, O encontraram, não em fórmulas matemáticas, científicas, mas sim na simplicidade do coração, que depois se comunica à certeza da mente, à confirmação da inteligência.

Querer entender a Palavra de Deus, que é o próprio Deus, apenas com uma leitura “normal”, como se de um qualquer romance se tratasse, é com certeza tarefa que não leva a lado nenhum, e apenas servirá para fazer interpretações literais, que provocam muito mais rejeição, do que edificação.

Ler, reflectir ou meditar a Palavra de Deus desse modo, é ler, reflectir e meditar na escuridão e já percebemos que na escuridão nada se encontra.

Agora, ler, reflectir e meditar a Palavra de Deus à luz da fé, iluminados pelo Espírito Santo, é uma experiência viva e de uma riqueza inigualável.

É, (perdoem-me a comparação), encontrar as chaves da anedota inicial, no sítio onde não se perderam, na sala que tem luz, porque a Deus nada é impossível.

Mas há ainda outra reflexão, (ou muitas mais), que se pode fazer sobre a história de humor que deu origem a este texto.

É que se formos procurar algo na escuridão, o mais provável é irmos batendo nos diversos obstáculos que estão nas trevas e que por isso mesmo não vemos, correndo o risco de nos magoarmos seriamente.

E ao acontecerem-nos essas dificuldades, esses tropeços no caminho, deixaremos de querer procurar mais, e acabamos por desistir, nunca chegando a encontrar o que procurávamos.

Se, ao invés, nos servirmos da luz para procurar, mesmo nas trevas mais intensas, acabamos por fazer caminho seguro, pois os obstáculos estão perante nós, e podemos rodeá-los, ultrapassá-los, vencê-los e chegarmos ao encontro do que tão empenhadamente procurávamos.

Interessante como uma história sem sentido, reflectida á luz da fé, nos dá tanto para pensar e nos mostra tanto caminho a seguir!
.
.

terça-feira, 24 de maio de 2011

SER SANTO

.
.
Quando eu era rapaz, lá pelos finais dos anos 50, começo dos anos 60, os Santos e Santas, eram algo muito longínquo no tempo, na história da Igreja.

Eram quase sempre bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos, ou mártires dos primeiros alvores do cristianismo.

Tirando algumas excepções, as suas vidas descritas em livros, eram quase “lendas”, recheadas de pormenores místicos, em que os milagres acontecidos pela sua intercessão, ocupavam a nossa imaginação, mais do que as suas virtudes e também suas fraquezas.

Esta realidade que envolvia os Santos daquele tempo, levava-nos a uma distanciação da santidade, como algo de inatingível a nós, “pobres mortais”, muito longe daqueles “eleitos”, que assim apareciam aos nossos olhos.
Havia até quase um sentimento, (falo por mim e por aqueles do meu tempo), que os Santos tinham acabado, e que nos tempos que vivíamos e nos tempos vindouros, não haveria lugar a mais canonizações, a não ser que viessem do longínquo passado.

Esta situação, (e repito que falo por mim), abria uma distância espiritual, sentimental e até física, com esses Santos, e como tal, a relação com a santidade era algo muito mais de devoção e admiração, do que vontade e prática de imitação das virtudes, na sensação de que a santidade era algo de inatingível nos nossos tempos.

O Concílio Vaticano II, sobretudo na Constituição Dogmática Lumen Gentium, veio, no entanto, chamar-nos e mostrar-nos esse caminho da santidade nos diversos estados de vida de cada um, como uma vocação de todos os baptizados

Entretanto, chegados aos pontificados, sobretudo, de João Paulo II e Bento XVI, a Igreja começou a revelar-nos Santos e Santas dos nossos dias, dos nossos tempos, perto de nós, dos nossos pais e avós, gente como nós, que viveu tempos como nós, que viveu as motivações, as alegrias, as tristezas, as dificuldades destes últimos três séculos.

Alguns, conhecemo-los já realmente, fisicamente. Tiveram parte nas notícias dos nossos jornais, das nossas televisões, vimo-los com os nossos olhos, pudemos tocá-los com as nossas mãos.
As suas virtudes tornaram-se reais para nós, e percebemos que percorriam os mesmos caminhos que nós percorremos, ou seja, que não viviam num qualquer estado de graça fora deste nosso mundo.
Viviam, sim, num estado de graça, mas neste mundo, porque procuravam em tudo fazer a vontade de Deus, o que não amenizava, nem tornava mais fácil, antes pelo contrário, as dificuldades de viver a Fé e a Doutrina num mundo particularmente adverso a essa vivência coerente e em testemunho constante.

Vem isto a propósito da Beatificação da Madre Maria Clara do Menino Jesus, ocorrida neste Sábado em Lisboa, e em que, graças a Deus, estive presente.

Lembro-me bem da minha mãe me falar da sua prima, (como gostava de lhe chamar), dizendo-me do orgulho em pertencer à família de tão virtuosa mulher.

Não sei o que pode ser mais chegado à realidade da santidade do que isto, ou seja, ter na sua própria família alguém que a Igreja colocou nos altares, e que está afinal tão perto de nós no tempo.

Realmente, quando a Beata Maria Clara faleceu em 1 de Dezembro de 1899, já o meu pai era nascido há 5 meses, e minha mãe nasceria apenas 10 anos depois!

Mas de tudo isto, o que mais importa, é percebermos que a santidade não é algo de longínquo, mas sim uma realidade permanente em cada vida que a queira procurar, não para se ser reconhecido como santa ou santo, mas apenas e tão só, para fazer a vontade de Deus.

É que, ao fazermos a vontade de Deus, estamos a dar-nos, a Ele e aos outros, e estamos a aceitar a vida como um dom de Deus com tudo o que Ele nela queira permitir, em alegrias e também em provações.

E vemos, nesta lista imensa de Santos e Santas nos últimos anos beatificados, canonizados, desde crianças, a pais e mães de família, a jovens, a gente enfim, em tudo semelhante a nós, e vivendo no mesmo mundo em que nós vivemos.

Teria gostado que a Igreja em Portugal tivesse dado uma muito maior divulgação e projecção a esta Beatificação da Madre Maria Clara do Menino Jesus, bem com há cerca de 5 anos à Beatificação de Madre Rita Amada de Jesus, em Viseu, aproveitando para fazer desses dias, duas grandes festas, duas grandes celebrações de alegria, de união, de comunhão, por mais estas duas grandes graças que o Senhor quis conceder aos Portugueses.

E, seja-me permitido, tomar o exemplo da Beata Maria Clara e transportá-lo para os nossos dias de agora, para estes nossos tempos conturbados em que a Fé e a Doutrina são permanentemente postos em causa por um mundo que se afasta de Deus.

Com efeito, a Madre Maria Clara arrostou no seu tempo com uma perseguição maciça e total á Igreja, com a expulsão de Ordens Religiosas, perseguições e atentados de toda a espécie.
Mas nada disso a retirou do seu propósito, da sua vontade, de fazer a vontade de Deus na sua vida, e, se teve que ir para França para prosseguir a finalidade de se consagrar inteiramente a Deus numa congregação religiosa, não deixou de voltar ao seu país para, arrostando com contínuas provações e dificuldades, levar a cabo a vontade Deus inscrita no seu coração, e fundar uma congregação que se dedicava inteiramente aos outros, sobretudo aqueles que mais sofrem.

Não vemos então o paralelismo com os nossos tempos?

Nem todos somos chamados, com certeza, a fundar congregações ou outras instituições, mas somos sem dúvida chamados a darmo-nos aos outros, a entregarmos a nossa vida, as nossas capacidades, os dons que o Senhor nos dá, ao Seu serviço, que é no fundo servir os outros, amando-os e ajudando-os, exactamente como Ele nos ama e serve.

«Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão.» Mt 20, 28

E essa coragem que a Beata Maria Clara teve, para afrontar um mundo hostil que se afastava de Deus, é a coragem que devemos encontrar em nós, pela graça de Deus, para darmos testemunho constante e permanente, de não cedermos a leis iníquas, que atentam contra a vida, contra a família, e, na força do testemunho coerente, (também pelo nosso voto no dia das eleições), afirmarmos que só em Deus encontramos o verdadeiro Caminho, a verdadeira Verdade, a verdadeira Vida.

Que a Beata Maria Clara do Menino Jesus interceda por nós, portugueses, para que o Senhor derrame em nós continuamente o Espírito Santo, para na Sua força, darmos testemunho vivo, coerente e permanente em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Monte Real, 23 de Maio de 2011
.
. 

terça-feira, 17 de maio de 2011

AS ELEIÇÕES E O CRISTÃO CATÓLICO

.
.
Aproxima-se mais um dia de eleições no nosso país.

Nunca é demais recordar que é um dever de cada cristão católico empenhar-se na construção de um mundo melhor, mais justo e mais fraterno, dando testemunho da Fé que vive e da Doutrina que enforma o seu modo de viver.

Assim, para além de tudo o que pessoalmente possa e deva fazer, na família, na paróquia, no trabalho, no lazer, nos que lhe estão próximos, também é sua missão escolher os governantes das nações, que melhor sirvam os valores que são indeléveis à vida cristã católica.

Não se trata aqui de “imiscuir” a religião na política, trata-se isso sim, de que o cristão primeiro é filho de Deus, e só depois é Português, ou qualquer outra nacionalidade ou especificidade.

E o cristão católico é constantemente chamado ao testemunho da Fé que professa e da Doutrina que vive, e como tal tem que ser coerente com esse mesmo testemunho e com essa vivência da Fé.

Não é por muitas palavras que se chama alguém à verdade, mas sim, se essas palavras são acompanhadas de um testemunho de vida condizente com as mesmas.

Como diz o velho ditado português: «Bem prega frei Tomás, faz o que ele diz não faças o que ele faz.»

Por isso mesmo se pode enganar muita gente durante algum tempo, mas nunca toda a gente, a tempo inteiro e para sempre.

Os governos e os governantes passam, até os países vão aparecendo e por vezes desaparecendo, mas a fé em Jesus Cristo, a comunhão em Igreja, Católica, sempre acontece, sempre é vida, apesar das quedas, das provações ou de tempos mais ou menos difíceis.

A Igreja Católica, não deve fazer discursos políticos?

Claro que não, não é essa a sua missão!

Mas é sem dúvida sua missão ensinar e conduzir o Povo de Deus ao encontro da Verdade, e só o pode fazer, se constantemente chamar a atenção dos seus filhos para a incoerência de uma vida cristã que apoia politicamente aqueles que estão contra a Doutrina que a própria Igreja Católica defende e ensina.

O homem primeiro pertence a Deus, e é para Deus que caminha, vivendo no mundo.

Mas a sua vida no mundo deve pautar-se pela vontade de Deus e não pela vontade dos homens, por isso mesmo a Igreja nos apresenta tantos mártires ao longo da História da Revelação de Deus aos homens.

Viveram no mundo fazendo a vontade de Deus e não cedendo à vontade, aos caprichos, aos erros dos homens.

A essa heroicidade espiritual e física daquele tempo, tem que hoje corresponder uma heroicidade espiritual e mental, ou intelectual, (se assim quisermos chamar-lhe), que leve cada cristão católico a não abdicar dos seus valores para votar em alguém, ou “alguens”, que preconize e leve à prática tudo aquilo que é contrário à Fé e à Doutrina que todos os dias esse mesmo cristão católico se compromete a viver, quando chama a Deus, Pai, ao rezar o Pai Nosso, ou quando afirma crer no próprio Deus, Trindade Santíssima, ao rezar o Credo.

E será preciso indicar quem são esses homens ou mulheres que assim apresentam um programa político que não vá contra a coerência de uma vida cristã católica?

Cada um deve abrir a sua consciência ao dom do Espírito Santo e não se deixar enganar por siglas, por discursos, por afirmações indignadas, não esquecendo nunca que «há muitos lobos no meio das ovelhas, só que estão vestidos com as peles das mesmas.»

E não vale a pena dizer a outrem que não se votou neste partido ou nesta pessoa, para esconder a sua incoerência, porque se o outro não pode saber a verdade, Deus sabe-a, sem dúvida.

O testemunho do cristão católico não se esgota na Igreja, bem pelo contrário, pois a Igreja do cristão católico é o mundo em que vive e em que dá, em cada momento e atitude, testemunho de Jesus Cristo.

Porque uma coisa é a Igreja Católica e outra é a igreja edifício em que se vai celebrar, que só é Igreja na medida em que reúne a Assembleia dos filhos de Deus em oração.

“Não vale a pena”, é expressão que nunca deve constar do vocabulário ou pensamento de um cristão católico, porque todos e cada um, cada vida e cada momento de cada vida, é importante e amado por Deus nosso Senhor, que deu a vida por cada um, e ressuscitou para a cada um dar a vida eterna.

E essa só se alcança por Sua graça, fazendo a Sua vontade a todo o tempo.

Que Deus nosso Senhor, Trindade Santíssima, nos ilumine e conduza a exercermos, com consciência cristã católica, o nosso direito e dever de voto.




Nota:

V. Conclusão

9. As orientações contidas na presente Nota entendem iluminar um dos mais importantes aspectos da unidade de vida do cristão: a coerência entre a fé e a vida, entre o evangelho e a cultura, recomendada pelo Concílio Vaticano II. Este exorta os fiéis “a cumprirem fielmente os seus deveres temporais, deixando-se conduzir pelo espírito do evangelho. Afastam-se da verdade aqueles que, pretextando que não temos aqui cidade permanente, pois demandamos a futura, crêem poder, por isso mesmo, descurar as suas tarefas temporais, sem se darem conta de que a própria fé, de acordo com a vocação de cada um, os obriga a um mais perfeito cumprimento delas”. Queiram os fiéis “poder exercer as suas actividades terrenas, unindo numa síntese vital todos os esforços humanos, familiares, profissionais, científicos e técnicos, com os valores religiosos, sob cuja altíssima hierarquia tudo coopera para a glória de Deus”
.
.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

BENTO XVI E O CONCÍLIO VATICANO II

.
.
Alguns cristãos católicos decidiram não aceitar o Concílio Vaticano II, afirmando que o mesmo estaria contra a Doutrina e a Tradição da Igreja Católica.

Estão obviamente enganados nessas suas convicções que apenas dividem, porque a Igreja Católica é a mesma desde Pedro a Bento XVI, a Doutrina e a Tradição são as mesmas, porque é o mesmo Espírito Santo que ilumina e conduz a Igreja, desde sempre e até ao fim dos tempos.

Para que não permaneçam dúvidas, basta ler o Discurso do Papa Bento XVI aos membros do Instituto Litúrgico Santo Anselmo por ocasião dos seus 50 anos de fundação, recolhido na Zenit.

Eminência,
Reverendo Padre Abade Primaz,
Reverendo Reitor Magnífico,
Ilustres Professores,
Queridos Estudantes:

Saúdo-vos com alegria por ocasião do IX Congresso Internacional de Liturgia que estais realizando no âmbito da comemoração do cinquentenário da fundação do Pontifício Instituto Litúrgico. Saúdo cordialmente cada um de vós, em especial, o grão-chanceler, Abade Primaz Notker Wolf, e agradeço pelas amáveis ​​palavras que me dirigiu em nome de todos vós.

O Bem-aventurado João XXIII, recolhendo as instâncias do movimento litúrgico que pretendia dar um novo impulso e um novo fôlego à oração da Igreja, pouco antes do Concílio Vaticano II e durante sua realização, quis que a Faculdade dos Beneditinos no Aventino constituísse um centro de estudos e de pesquisa para garantir uma sólida base para a reforma litúrgica conciliar. Na véspera do Concílio, de fato, parecia cada vez mais viva, no campo da liturgia, a urgência de uma reforma, postulada também pelas petições realizadas por diversos episcopados. Além disso, a forte demanda pastoral que motivava o movimento litúrgico requeria que se favorecesse e suscitasse uma participação activa dos fiéis nas celebrações litúrgicas, através do uso de línguas nacionais, e que se aprofundasse na questão da adaptação dos ritos às diversas culturas, especialmente em terra de missão.

Além disso, mostrou-se clara desde o início a necessidade de um estudo mais aprofundado do fundamento teológico da Liturgia, para evitar cair no ritualismo ou promover o subjectivismo, o protagonismo do celebrante, e para que a reforma estivesse bem justificada no âmbito da Revelação e em continuidade com a tradição da Igreja. O Papa João XXIII, incentivado por sua sabedoria e seu espírito profético, para acolher e responder a estas exigências, criou o Instituto Litúrgico, ao qual quis atribuir imediatamente o título de "Pontifício", para indicar seu vínculo especial com a Sé Apostólica.

Caros amigos, o título escolhido para o Congresso do Ano Jubilar é muito significativo: "Instituto Pontifício: entre memória e profecia". Quanto à memória, devemos observar os frutos abundantes suscitados pelo Espírito Santo em meio século de história, e assim devemos agradecer ao Dador de todo bem, apesar também dos mal-entendidos e erros na realização efectiva da reforma. Não podemos deixar de recordar os pioneiros, presentes na fundação da Faculdade: Cipriano Vagaggini, Adrien Nocent, Salvatore Marsili e Burkhard Neunheuser, que, ao acolherem os pedidos do Pontífice fundador, empenharam-se, sobretudo após a promulgação da Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, em aprofundar na "função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam - e, cada um à sua maneira, realizam - a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral" (n. 7).

Pertence à "memória" a vida do Pontifício Instituto Litúrgico, que ofereceu a sua contribuição para a Igreja comprometida com a recepção do Concílio Vaticano II, através cinquenta anos de formação litúrgica académica - formação oferecida à luz da celebração dos santos mistérios, da liturgia comparada, da Palavra de Deus, das fontes litúrgicas, do magistério, da história das instâncias ecuménicas e de uma sólida antropologia. Graças a este importante trabalho formativo, um grande número de graduados e licenciados já presta seu serviço à Igreja em várias partes do mundo, ajudando o povo santo de Deus a viver a liturgia como expressão da Igreja em oração, como presença de Cristo entre os homens e como actualidade constitutiva da história da salvação. De fato, o documento conciliar evidencia o duplo carácter teológico e eclesiológico da liturgia. A celebração realiza, ao mesmo tempo, uma epifania do Senhor e uma epifania da Igreja, duas dimensões que se conjugam em unidade na assembleia litúrgica, na qual Cristo actualiza o mistério pascal de morte e de ressurreição e o povo baptizado bebe mais abundantemente das fontes da salvação. Na acção litúrgica da Igreja, subsiste a presença activa de Cristo: o que realizou em seu caminho entre os homens, Ele continua tornando operante através de sua acção pessoal sacramental, cujo centro é a Eucaristia.

Com o termo "profecia", o olhar se abre a novos horizontes. A Liturgia da Igreja vai além da própria "reforma conciliar" (cf. Sacrosanctum Concilium, 1), cujo objectivo, de fato, não era principalmente o de mudar os ritos e gestos, mas sim renovar as mentalidades e colocar no centro da vida cristã e da pastoral a celebração do mistério pascal de Cristo. Infelizmente, talvez, também pelos pastores e especialistas, a liturgia foi tomada mais como um objecto a reformar que como um sujeito capaz de renovar a vida cristã, a partir do momento em que "existe um vínculo estreito e orgânico entre a renovação da Liturgia e a renovação de toda a vida da Igreja. A Igreja extrai da liturgia a força para a vida". Quem nos recorda isso é o Beato João Paulo II, na Vicesimus quintus annus, na qual a liturgia é considerada como o coração latente de toda actividade eclesial. E o Servo de Deus Paulo VI, referindo-se ao culto da Igreja, com uma expressão sintética, afirmou: "Da lex credendi passamos à lex orandi, e isso nos leva à lux operandi et vivendi " (Discurso na cerimónia de oferenda de velas, 2 de Fevereiro de 1970).

Cume para o qual tende a acção da Igreja e, ao mesmo tempo, fonte da qual brota a sua força (cf. Sacrosanctum Concilium, 10), a liturgia, com o seu universo celebrativo, torna-se assim a grande educadora na primazia da fé e da graça. A liturgia, testemunha privilegiada da Tradição viva da Igreja, fiel à sua missão original de revelar e tornar presente no hodie das vicissitudes humanas da opus Redemptionis, vive de uma relação correcta e consistente entre a sã traditio e a legítima progressio, lucidamente explicitada pela Constituição conciliar no n. 23. Com ambos os termos, os Padres conciliares quiseram gravar seu programa de reforma, em equilíbrio com a grande tradição litúrgica do passado e do futuro. Não raro, contrapõe-se, de maneira desajeitada, tradição e progresso. Na verdade, os dois conceitos estão integrados: tradição é uma realidade viva, que por isso inclui em si o princípio do desenvolvimento, do progresso. É como dizer que o rio da tradição leva em si também sua fonte e tende à desembocadura.

Queridos amigos, espero que esta Faculdade de Sagrada Liturgia continue, com um vigor renovado, seu serviço à Igreja, em plena fidelidade à rica e bela tradição litúrgica e à reforma desejada pelo Concílio Vaticano II, de acordo com as directrizes da Sacrosanctum Concilium e dos pronunciamentos do Magistério. A liturgia cristã é a liturgia da promessa realizada em Cristo, mas também é a liturgia da esperança, da peregrinação rumo à transformação do mundo, que acontecerá quando Deus for tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 28). Pela intercessão da Virgem Maria, Mãe da Igreja, em comunhão com a Igreja celeste e com os padroeiros São Bento e Santo Anselmo, invoco sobre cada um a Bênção Apostólica. Obrigado.

Mais palavras não são precisas, julgo eu.
Sublinhados meus.
.
.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

MEU SENHOR E MEU DEUS

.
.
Quando eu era menino, uma das primeiras coisas que os meus pais me ensinaram, bem como na catequese, foi a oração “ideal” para se rezar durante a elevação da Hóstia e do Cálice na Consagração: «Meu Senhor e meu Deus!»

De tal modo assim rezei sempre ao longo desses verdes anos, durante a Consagração, que ficou em mim enraizada essa prática, por isso mesmo uma das primeiras a ser recordada, quando ao fim de muitos anos de afastamento, reencontrei a Fé e a Igreja, pela graça de Deus.

Mas confesso que essa oração saía muito mais da minha boca, numa forma rotineira, do que verdadeiramente uma oração do coração, meditada e abarcada em toda a sua dimensão espiritual de afirmação de Fé, em Jesus Cristo.

Julgo até, (a memória não me ajuda), que durante muito tempo, nem sequer liguei essa oração ao “credo” proferido por São Tomé, quando do seu encontro com Jesus Cristo ressuscitado.

No entanto, essa ligação indelével entre a passagem bíblica e o presente tempo, ao rezar essa oração, tem-me surgido como reflexão, como meditação, e este ano mais ainda no Domingo passado, em que foi proclamado esse Evangelho.

Como nos narra o Evangelho de São João 20, 24-29, Tomé não acreditou, quando os seus irmãos Apóstolos lhe disseram que tinham visto o Ressuscitado.
Respondeu-lhes, como nós hoje em dia tantas vezes respondemos, um tanto displicentemente, uma qualquer frase do tipo: “Pois sim, está bem, mas só se eu vir com os meus olhos e tocar com as minhas mãos.”

Passados oito dias, (sempre no primeiro dia da semana), Jesus Cristo apresentou-se novamente diante deles e convidou Tomé a ver com os seus olhos e a tocar com as suas mãos.

Tomé, não era com certeza um céptico, até queria acreditar, mas estava preso da sua humanidade.

Ora quem tem o coração aberto à fé, ao ser encontrado, ao encontrar-se com Jesus Cristo, nunca fica indiferente, e a relação puramente humana e racional, adquire uma nova dimensão espiritual, que permite “ver” o que os olhos do corpo não vêem.

Jesus Cristo convidou Tomé a pôr as mãos nas suas chagas, mas o Evangelho não nos diz que ele assim terá feito.

O Evangelho diz sim, que Tomé, imediatamente a seguir ao convite de Jesus, respondeu apenas: «Meu Senhor e meu Deus!» Jo 20, 28

Perante o encontro pessoal com Jesus Cristo, Tomé faz a profissão de fé mais explícita até então feita pelos Apóstolos.

Porque nesse encontro Tomé acreditou, e ao acreditar, pode “ver” para além do que os olhos do seu corpo lhe mostravam, e assim pode “ver” a Pessoa de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

Se eu, no momento da Consagração, repito essa oração apenas rotineiramente, se não a torno uma oração de coração aberto à presença real de Jesus Cristo, então apenas posso ver com os olhos do corpo, e apenas vejo um pouco de pão branco de forma redonda, e um cálice com vinho.

Mas se eu me abro à presença real de Jesus Cristo na Consagração, então os meus olhos passam a ser os olhos do coração, passam a ser os olhos da fé, e o que eu vejo com os olhos do corpo, toma a dimensão real e verdadeira do Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, na Hóstia e no Vinho consagrados.

Então não me resta mais nada, como Tomé, a não ser proclamar: «Meu Senhor e meu Deus!»

«Felizes os que crêem sem terem visto!» Jo 20, 29, diz Jesus a Tomé.

E eu medito nesta frase e quero perceber que aqueles que hoje acreditam, vêem pela fé, porque os olhos do corpo apenas lhes mostram um pouco de pão e um cálice com vinho.

E assim são felizes, porque para “verem”, não o podem fazer apenas por si próprios, mas pela graça de Deus, que lhes concede o dom da fé, que os leva a ultrapassarem a sua própria humanidade, e a “verem” para além de si próprios.

Glória ao Senhor!


Monte Real, 5 de Maio de 2011
.
.


domingo, 1 de maio de 2011

DIA DA MÃE

.
.
Evangelho segundo S. Mateus 28,1-10.

Terminado o sábado, ao romper do primeiro dia da semana, Maria de Magdala e a outra Maria foram visitar o sepulcro.
Nisto, houve um grande terramoto: o anjo do Senhor, descendo do Céu, aproximou-se e removeu a pedra, sentando-se sobre ela.
O seu aspecto era como o de um relâmpago; e a sua túnica, branca como a neve.
Os guardas, com medo dele, puseram-se a tremer e ficaram como mortos.
Mas o anjo tomou a palavra e disse às mulheres: «Não tenhais medo. Sei que buscais Jesus, o crucificado; não está aqui, pois ressuscitou, como tinha dito. Vinde, vede o lugar onde jazia e ide depressa dizer aos seus discípulos: 'Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis.’ Eis o que tinha para vos dizer.»
Afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias de temor e de grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos.
Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes: «Salve!» Elas aproximaram-se, estreitaram-lhe os pés e prostraram-se diante dele.
Jesus disse-lhes: «Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.»



Ao ouvir proclamar este Evangelho na Vigília Pascal e depois durante a homilia, lembrei-me das mães, lembrei-me da minha mãe.

Porque me veio ao coração o facto de ter sido dada às mulheres essa primeiríssima missão, de anunciar aos próprios Apóstolos a Ressurreição de Jesus.

Foram as mulheres que tiveram a primeiríssima missão de avisar os Apóstolos que se deviam encontrar com Jesus Cristo Ressuscitado.

Foram as mulheres, sem dúvida, que pressurosamente e sem duvidarem, fizeram o primeiro anúncio àqueles que nasciam para uma vida nova, a vida que haviam de receber do Espírito Santo, depois do seu encontro com Jesus Cristo Ressuscitado.

E então lembrei-me, (por associação de pensamentos do coração), dessas mulheres que são mães, e que acreditando em Jesus Cristo, são sempre as primeiras a d’Ele falarem aos seus filhos.

Ainda com os seus filhos no ventre, e já as mães falam deles a Jesus, e Lhe pedem protecção e amparo para essas vidas que hão-de vir ao mundo.

Pequeninos, bebés frágeis ao seu colo, e essas mulheres, as mães, vão falando com eles, numa linguagem que só eles entendem, falando-lhes em surdina de Jesus, apresentando-os, entregando-os à sua protecção.

Assim que eles vêem, andam, falam e podem entender alguma coisa, logo no primeiro Natal explicam aos seus filhos pequeninos, quem foi Aquele outro Menino que nasceu num presépio em Belém.

E depois … depois, continuam pela vida fora, levando-os aos primeiros encontros com Jesus na catequese familiar e depois na catequese na Igreja.

E não cessam de por eles rezarem e de os exortarem ao encontro pessoal e decisivo com Jesus Cristo Senhor.

Colocam até como maior o amor que os filhos devem ter a Jesus, do que a si próprias, pois sabem que é nesse amor que os filhos podem encontrar a verdadeira felicidade.

E não cessam de fazer sacrifícios, de desistirem do que para si desejam, de darem tudo de si, para que os seus filhos cresçam e sejam felizes e bons.

E sabem, oh se sabem, que o melhor que podem dar aos seus filhos, é um amor forte e fiel a Jesus Cristo, pois reconhecem que é nesse amor que uma boa vida, que uma vida boa, se constrói e edifica.

E como elas, as mães, se desempenham bem desta missão!

Como elas, as mães, têm as palavras e os gestos certos para falarem de Jesus aos seus filhos.

E se não os alcançam para Jesus pelas palavras que lhes dizem, não desistem e oram constantemente, para que Jesus vá ao encontro daqueles que elas tanto amam.

Terá sido por isto, que Deus deu aquela primeiríssima missão de anúncio da Ressurreição às mulheres?

Sem pretensões de interpretação teológica, (pobre de mim, que para tal não tenho conhecimentos), deixo “apenas” o meu coração dizer-me que sim, que foi essa a razão, porque Deus sabe que uma mãe nunca desiste de dar aos seus filhos o melhor de si, o melhor de tudo, e para uma mãe que acredita, o melhor de si que pode dar ao seu filho, é sem dúvida, Jesus Cristo Nosso Senhor, vivo e constantemente presente na vida dele.

Hoje, Dia da Mãe, homenageio assim todas as mães, rezando por elas, as que já o são, as que estão para o ser, e as que ainda o vão ser.

E dou graças infindas a Deus pela mãe que me deu, que tão bem me apresentou a Jesus.

De tal modo O colocou em mim e me apresentou a Ele, que mesmo tendo-me afastado tanto tempo d’Ele, a Ele tive que regressar, sem dúvida para colocar um sorriso de felicidade no rosto da minha mãe, a quem Jesus, (que a tem no seu regaço), diz agora com certeza:
«Conheço esse teu sorriso, mulher!»



Monte Real, 1 de Maio de 2011 .
.