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Este tempo da Quaresma, é um tempo particularmente indicado para meditarmos na nossa caminhada com Deus e para Deus.
Assim e mais uma vez me coloquei perante esta incrível constatação, que consiste em que quanto mais caminho, mais me falta caminhar, quanto mais tento resistir ao pecado, mais me parece que o pecado me tenta e ainda, que ao vencer, pela graça de Deus, algumas fraquezas do meu dia-a-dia, logo surgem outras que anteriormente não me parecia importante combater.
E, claro, lembro-me de algumas pessoas que me questionavam por isso mesmo, ou seja, que na caminhada que vão fazendo com Deus e para Deus, aquilo que dantes não lhes aparecia como fraqueza, se torna agora pecado a vencer.
Veio então ao meu pensamento esta imagem de me saber num quarto escuro, sem luz, escolhendo uma peça de roupa para vestir, mas que pretendo “perfeita”, não só na conjugação da cor, mas também numa perfeita qualidade de confecção.
A verdade é que, no meio das trevas, nada consigo distinguir e, portanto, ao toque, a minha sensação é de que aquela peça de roupa será a mais indicada pois parece-me não ter defeitos, e até posso acreditar que a cor é a mais perfeita para o que desejo.
Trago então a peça de roupa para um local com um pouco mais de luz, uma penumbra, e se ainda não consigo distinguir bem a cor, nem qualquer imperfeição, percebo sem dúvida uma mancha, que me parece uma nódoa, pois destoa na uniformidade do tom da peça que consigo ver. Mas não tem problema, julgo eu, pois com uma simples lavagem a nódoa sairá.
Passo então para um lusco-fusco e já me é dado perceber que a nódoa é efectivamente grande, mas mais do que isso detecto um pequeno buraco na peça de roupa que me parece um buraco feito por uma traça.
Ainda não me preocupo em demasia, porque um pequeno ponto de costura dado no sítio certo, fará com que tal buraco desapareça.
Aproximo-a então da luz de um candeeiro, o que já me permite perceber que a cor é de um tom indeterminado, e que talvez existam algumas imperfeições de confecção da peça de roupa.
Ainda não desanimo, porque provavelmente são coisas que não se notarão muito.
Saio então para a luz do dia e aí consigo já ver que o tom da cor não tem grande definição, ou seja, não é uma cor definida que eu possa conjugar com facilidade com o resto da minha roupa.
Confirmo também que se a nódoa é grande, sairá no entanto com facilidade numa lavagem simples e que o buraco da traça não se notará, depois de cosido.
Mas, àquela luz natural, a peça de roupa não me agrada muito, pois parece-me carregada de pequenas imperfeições que eu ainda não tinha conseguido identificar.
Se fosse para usar em ambientes fechados, com luz artificial, até poderia passar, mas para usar assim, à luz do dia, julgo que não me agrada, nem agradará a outros.
Sou então levado pela curiosidade de perceber até que ponto aquela peça de roupa tem defeitos e aproximo-a da luz do sol, para que incida totalmente sobre ela e eu possa descortinar os mais ligeiros defeitos.
Então, sob essa luz, já não ligo sequer à nódoa e ao buraco da traça, que facilmente serão eliminados, mas percebo perfeitamente pequenos defeitos na confecção da peça de roupa, que assim vistos e percebidos, retiram toda a graça, toda a beleza daquela peça de roupa que eu tinha escolhido para vestir.
Aquela peça de roupa que me parecia perfeita nas trevas, foi ganhando defeitos à medida que a luz incidia nela, de tal modo, que agora percebo que a não posso usar todos os dias, porque não só não me agrada, mas também porque com certeza não agradará àqueles que comigo se cruzam.
Connosco, na nossa caminhada com Deus e para Deus, sucede o “mesmo”.
À medida que nos afastamos das trevas para a Luz de Deus, vamos percebendo primeiro os grandes defeitos, os grandes pecados, que por Sua graça, combatemos com êxito.
Mas depois, à medida que nos vamos “examinando” à Luz de Deus, vamos descobrindo os nossos “defeitos”, as nossas fraquezas, que dantes não nos incomodavam, mas que agora, numa caminhada de verdade, percebemos que é necessário combater, para nos “fazermos” mais conformes à imitação de Cristo.
Por isso na nossa caminhada com Deus e para Deus, iremos sempre descobrindo na nossa vida terrena, “montes” para aplanar, “curvas” para endireitar, “espinhos” para aceitar, mas vivendo ao mesmo tempo a certeza inabalável que Ele está sempre connosco, e nos dá forças e “ferramentas” para a caminhada.
Por isso mesmo, ao contrário da peça de roupa que já não quero vestir, porque não a posso emendar de todos os defeitos, nós podemos sempre, pela graça de Deus, ir nascendo de novo pelo seu perdão, e purificando-nos do mal pelo seu amor.
E este é o caminho de conversão que nunca está acabado, enquanto não formos por Ele chamados, e pela sua graça, vivermos no seu gozo, eternamente.
Monte Real, 29 de Fevereiro de 2012
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12 comentários:
Quaresma, ano após ano, (re)lembra-mo-nos do quanto pecadores somos, do quanto Cristo deu por nós. Ano após ano vamos vendo melhor a Luz de Deus e esta, cada vez mais ir-no-á iluminando, não só o corpo, como principalmente a "alma suja e imunda que carregamos". Ano após ano, em romaria, vamos "descobrindo" Deus para que, no Dia final sejamos resgatados por Ele, na sua infinita misericórdia. Lindo artigo.
A comparação é muito feliz porque o pecado é, de facto, como uma peça de roupa que vestimos e, o pior, é que mesmo não nos 'ficando bem' vamos insistindo em usá-la não obstante a Igreja nos dizer repetidamente que tem 'peritos' em resolver o assunto.
Quando nos decididamente, e vamos à Confissão Sacramental, voltamos impecavelmente vestidos e nada mais há a dizer.
Vale a pena!
Muito feliz esta comparação.
À medida que vamos caminhando,vamos ficando com uma consciência mais apurada e daí também uma maior responsabilidade nos pecados cometidos.Dantes, alguns estavam como que escondidos pelos outros e o sentimento de ter errado, em relação aos primeiros, nem surgia.Hoje ainda nem acabei de pecar e já me dou conta que lá caí mais uma vez.Nesta Quaresma, fiz dois propósitos...um para cumprir diariamente e o outro é mesmo algo a limar e confesso que não está a ser nada fácil,porque quase já faz parte de mim.No entanto se conseguir, sempre com a ajuda do Espírito Santo,reconheço que será uma grande vitória.Os outros todos, ficarão para a próxima, embora procure estar atenta.
Continuação de boa Quaresma.
Boa comparação e é bem verdade: "iremos sempre descobrindo na nossa vida terrena, “montes” para aplanar, “curvas” para endireitar, “espinhos” para aceitar, ..."
Rezar, rezar sempre e melhor, ou, com maior verdade. De que me valem "Pai-Nossos" a fio, convencendo-me de que cumpri uma obrigação, se apenas os papagueei do princípio ao fim, e, no pedido ao Pai de que não me deixe cair em tentação, na verdade, verdadinha, nem sei bem o que disse, não faço o mínimo esforço, não cumpro a minha parte, não estou atenta ao perigo?
Este ano temos tido aí o sol, muita luz e há que aproveitar então para esta Quaresma na 'dica' que nos dás.
Abraço em Cristo e Maria.
Obrigado Paulo, pelo teu comentário.
Um abraço amigo em Cristo
Obrigado António.
A Confissão "refaz" a "peça de roupa".
Um abraço amigo em Cristo
Obrigado Concha.
Um dia de cada vez.
Tenho para mim que há fraquezas que vamos vencendo dia-a-dia, mas das quais nunca nos libertamos, para percebermos precisamente que somos fracos.
Um abraço amigo em Cristo
É verdade Malu!
Faz-me por vezes muita impressão a "velocidade" com que se reza por exemplo a oração tão bela dos pastorinhos:
«Meu Deus eu creio, adoro e amo-vos...»
Com tanta "velocidade" pensaremos nós no que acabámos de dizer/rezar?
Um abraço amigo em Cristo
Amigo Joaquim
Esse texto é riquíssimo em sabedoria.
Vou tentar vê-lo a Luz do Espírito Santo comigo
Entre algumas frases que me tocaram: assim como se apalpa uma peça de roupa na escuridão, assim se foi buscar a peça de roupa ás escuras, peça essa que se queria vestir, pois até parecia condizer com a outra roupa que ele iria colocar.
Segundo “a primeira impressão” do autor, ela ficaria harmoniosa e o conjunto ficaria lindo.
Pois bem: desilusão, nem a cor nem o tom iam com o conjunto.
Primeira questão: Porque teria sido criada aquela peça que o atraiu entre outros? Qual seria o plano de Deus em relação a essa peça?
Arrumar a peça de roupa nesse estado foi uma falha? Logo no inicio uma boa lavagem e tudo ficava claro.
Suponhamos que:
Pessoas, seriam as peças de roupa nesse conjunto harmonioso que é o corpo de Jesus.
E eu pergunto será que Ele, Jesus deitou fora todas as peças com nódoas, com buracos da traça ou com cores diferentes das que pretendia no conjunto?
Jesus nunca excluiu ninguém isso eu estou certa.
E vemos por ex. Em João 8, 1-11 “ Eu também não te condeno vai e não tornes a pecar”.
Mas que foi feito da veste aquela peça que o autor gostaria de colocar no conjunto?
Será que ele católico fez algo para a trazer para o conjunto?
A cor? o tom? Jesus nunca se importou com a cor nem com o tom, Ele apenas disse amai como eu vos amei.
Será que no conjunto não haverá maneira de renovar, arranjar outras vestes: “o homem novo de que nos fala Paulo?
Até mesmo a natureza se renova e cada Primavera traz-nos sempre folhas novos rebentos, vamos semear sementes novas, sementes de Esperança.
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Amigos pudemos falhar mas o arrependimento a reconciliação e os braços do Pai (como na história do filho pródigo) estão sempre abertos para nos acolher.
Abraço-vos em Cristo.
Humildemente
Utilia Ferrão
Amiga Utilia
Obrigado pelas tuas achegas.
Porque é bem diferente a situação da "peça de roupa" quando a nossa situação, no final do texto se faz essa distinção, para se perceber, como muito bem afirmas, que Deus tudo pode e nunca desiste de nós.
E cada um de nós, renovado por Ele, será sempre parte importante, harmoniosa e comungante do Corpo Mistico de Cristo que é a Igreja.
Um abraço amigo em Cristo
Amigo Joaquim,
Uma reflexão de que gostei muito.
Um apelo à nossa conversão, à nossa mudança interior, um vestir de uma roupa nova, transformada, em conjugação com um interior limpo e totalmente dedicado a Cristo.
Muito grata e santa Quaresma.
Abraço fraterno.
Ailime
Muito obrigado Ailime.
É verdade, a nossa conversão tem de ser contínua.
Um abraço amigo em Cristo
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