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Os homens da família |
Lentamente, dia-a-dia, vai-se desapegando de mim a recordação do corpo, da existência física.
Vai-se esbatendo a imagem da “tenda” que dá forma física ao espírito e à alma.
Essa recordação vai dando lugar a algo mais perene, mais para sempre, mais eterno.
Talvez não me recorde do corpo, da voz, mas recordo fortemente o espírito, aquele espírito que comandava a vontade e o fazia estar sempre disponível para os outros.
Vejo claramente também a imagem da semente, que nos é dada em ensinamento por Jesus Cristo.
Sentados naquele sofá, naquela tarde, esperançosos de uma cura milagrosa, falava-lhe dessa semente que os nossos pais nos plantaram na vida, no coração, que por vezes não regávamos, nem deixávamos germinar.
E ele olhava-me, com aqueles olhos vivos, tentando ver em mim algo para além de mim e dizia-me numa voz firme e muito doce: «Não te preocupes, meu mano, é Ele quem me tem ajudado.»
Mas eu não ficava descansado e insistia, o mais delicadamente que me era possível, com medo de estragar aquele momento tão sentido, tão vivido: «Mas Zézinho, eu conheço um padre muito boa pessoa e que sei tu gostarias dele e vive aqui na cidade.»
E lá veio a resposta, cheio da paciência, ele que era tão impaciente, como todos nós, aliás:
«Não te preocupes, meu mano, já falei com um Franciscano meu amigo. Está tudo tratado.»
Repousei, deixei-me ficar assim calado, pois algo em mim me dizia que a paz estava com ele, tal era a serenidade com que comigo falava.
E depois … depois Deus é grande e é amor perfeito e por isso reconhece o amor naqueles que amam.
E o Zézinho, (que tinha as suas “coisas” como todos nós temos), nunca dizia que não a um pedido de ajuda.
Se ele conseguisse deslocar-se com a velocidade da luz, acredito que no momento em que lhe disséssemos pelo telefone, «Zézinho preciso de ti», ele se “materializaria” junto de nós.
Conseguia coisas que ninguém conseguia, com aquele seu jeito descontraído de fazer de cada pessoa que encontrava, um conhecido, um amigo.
Para ele não havia portas fechadas, havia sim portas que ainda não tinham sido abertas.
Havia nele uma ternura, um modo de se dar, que por vezes nos confundia, até porque não tinha medo dos gestos, (cumprimentávamo-nos de beijo na cara), das palavras, (chamava-me muitas vezes à frente fosse de quem fosse, meu mano querido), não que eu fosse especial, mas porque era assim que sentia os seus irmãos.
Se tinha defeitos?
Claro que tinha! Não os temos todos nós?
Mas a força da sua entrega aos que dele precisavam, o seu desprendimento do pouco ou muito que tinha, a sua ânsia de ajudar, de ser útil, acabavam por prevalecer sobre os defeitos, ou melhor as fraquezas, que deixavam de ter importância, até pela alegria que ele colocava na sua vida.
Por isso não me importo nada que a recordação do corpo, da forma física, da “tenda”, se esbata na minha memória, (o corpo, a existência física, é efémero), porque ao assim acontecer torna muito mais viva a recordação do espírito, da alma, que eternamente, pela graça de Deus, vive a paz e a felicidade que tanto perseguiu, e agora alcançou.
Até logo, Zézinho, como dizemos em Monte Real, mesmo que o logo possa ser ainda distante.
Monte Real, 30 de Março de 2012
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15 comentários:
Lindo, não tenho palavras...
Abraço
Maria
Eu, filho único, perdido na busca, mas buscando, só posso dizer: "Como é bom ter irmãos assim"!
Obrigado, Joaquim, pela beleza da expressão da essência do sentimento que aqui nos deixas.
Um abraço fraterno do,
Vasco
"...a imagem da tenda que dá forma física ao espírito e à alma."
Que bonita forma de falar de um corpo que só é importante pelo que contém.
Louvado seja Deus que permitiu que o teu querido mano partisse na paz do Senhor!
Louvado seja Deus que permitiu que vivesses esses momentos de despedida!
As bençãos do céu estão sempre a ser derramadas sobre nós e que feliz é quem tem olhos para as ver.
Acabei de chegar de uma via-sacra pelas ruas do local onde vivo e porque vou conhecendo a pesada cruz de alguns,pensei se a acolhem como acabei de perceber que o teu mano acolheu.Sinceramente nem eu sei perante uma situação de limite
qual será a minha reacção.
Fez-me pensar este texto tão bonito.
Um abraço com amizade na paz de Cristo
Obrigada, Joaquim, por esta partilha de Vida.
Abraço em Cristo.
Querido Joaquim,
rezo pelo teu irmão para que Deus o acolha e o receba de braços abertos no seu colo.
Rezo por ti para que Deus te dê o consolo e a força neste momento e te encha do seu Amor que consola o inconsolavel.
Um beijinho em Cristo
Pderia dizer e uma coisas mas...fico-me pelo silêncio de esperança do "até já"
Obrigado Maria.
Um abraço amigo em Cristo
Obrigado Vasco, meu amigo que tanto me acompanhaste nestes momentos.
Um abraço amigo em Cristo
Obrigado Concha.
A imagem da tenda não é minha. Apenas me servi dela.
É de São Paulo na 2 Cor 5, 1
«Sabemos, com efeito, que, quando a nossa morada terrestre, a nossa tenda, for destruída, temos uma habitação no Céu, obra de Deus, uma casa eterna, não construída por mãos humanas.»
Um abraço amigo em Cristo
Obrigado Fa.
Um abraço amigo em Cristo
Obrigado Joana.
Há tanto tempo que não te "via" por aqui!!!
E que bom "ver-te" novamente!
Um abraço amigo em Cristo
...Eles fazem-nos muita falta fisicamente a presença mas ficam heranças tão belas e quase que ao lembrar-nos dessas passagens da vida desses que estão do outro lado do cortinado tornam-se tão presentes como os que nos acompanham ainda por cá, é a saudade e talvez essa comunhão que nos une e uniu.
Abraço da Utilia
É verdade minha amiga!
Um abraço amigo em Cristo
Amigo Joaquim,
Estou comovida com o que acabo de ler.
As pessoas com uma maneira de ser especial são consideradas diferentes!
Abençoada diferença que tanto amor e carinho transmitem.
E o seu mano era especial, por isso Deus o chamou!
Muito obrigada.
Abraço em Cristo.
Ailime
É verdade Ailime, era um irmão muito especial!
Deus sem dúvida que olhou para ele com todo o Seu amor.
Um abraço amigo em Cristo
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