segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

A VERDADEIRA CURA - A SALVAÇÃO

Sentia-se sozinho, triste, abandonado, desprezado, desesperado.
Já tinha experimentado tudo, médicos, tratamentos, “videntes”, médiuns, “bruxos”, enfim tudo o que estivesse ao seu alcance e ele pensasse que poderia resolver o seu problema.
Ele não sabia o que era pior, se a doença que minava todos os dias o seu corpo, se o afastamento, o desprezo, a condenação, enfim o medo dos outros em aproximarem-se de si, em sequer olharem para si.
Sim, porque aquela doença, para além das dores físicas e da certeza do desenlace fatal, trazia consigo a condenação humana de todos os que o rodeavam, não só por causa do medo do contágio, mas também pelos motivos que todos pensavam o tinham feito contrair a doença.
Para uns era homossexual, para outros um drogado, para outros ainda um libertino, enfim era para todos um individuo com quem não convinha ter qualquer espécie de relação, social ou outra.
Sentia-se um proscrito, um impuro.
E como isso doía na sua vida, mais ainda que o sofrimento físico.
O pior ainda, é que por causa desta reacção de todos os outros, o seu coração começava a alimentar sentimentos de rancor, de ressentimento, de ódio por todos os que não conseguiam ter para com ele uma palavra de alento, um gesto de ternura, um sorriso ao menos que fosse.
Se já era má toda a doença e tudo aquilo que os outros lhe faziam, ou melhor, não faziam, eram piores ainda estes sentimentos que envenenavam o seu coração, a sua vida, a sua maneira de estar, retirando-lhe a pouca paz que ainda ia conseguindo ter.
Não morria só da doença, morria também envenenado pelos seus próprios sentimentos.
E para este problema não havia médico, nem tratamento, nem medicamento que atenuasse ou curasse.
Estava desesperado, não tinha mais nada, nem ninguém a quem recorrer.
Um dia em que estava no hospital, para fazer mais uns intermináveis tratamentos e análises, (que ele apenas fazia por rotina, pois já não acreditava em nada), recebeu a visita de alguém que ele não conhecia, mas que com alguma ternura e sem insistência incómoda, lhe falava de alguém que gostava muito dele, que até o amava; pelo menos era isso que essa pessoa lhe dizia.
Prestou atenção e ouviu o outro dizer-lhe que havia ou tinha havido um tal Jesus Cristo, que amava todos os homens, muito especialmente os que sofriam. Aliás, dizia ele, amava-os tanto que até tinha dado a vida por eles.
Pareceu-lhe tudo aquilo uma grande fantasia, mas a delicadeza e carinho do outro impediram-no de ser malcriado e agressivo, como normalmente era e impeliram-no a aceitar um livro que o outro lhe oferecia, dizendo ser o grande livro da vida, que contava a história desse tal Jesus Cristo.
No meio das dores aceitou o livro, pedindo no seu intimo que o outro se fosse embora e o deixasse em paz com os seus pensamentos, com a sua vida.
Quando deixou o hospital, indo mais uma vez para casa esperar o inevitável, viu o livro em cima da mesa de cabeceira, mas de propósito deixou-o ficar onde estava, pois pensou que não tinha paciência para nada e muito menos para ler histórias irreais.
Estava a sair do hospital, quando apareceu uma enfermeira que lhe vinha entregar o livro esquecido no quarto e que ele a contragosto aceitou.
Chegando a casa, colocou o livro em cima duma mesa e foi descansar, pois aqueles exames deixavam-no exausto. Acordou passadas umas horas, com muitas dores e, sobretudo, com um desespero ainda mais profundo que o habitual, pois em seu entender todos aqueles tratamentos para nada serviam a não ser retardar o fim.
Sentia-se verdadeiramente sozinho, desesperado e quase suplicava a si próprio, que se ninguém gostava dele, que ele ao menos fosse capaz de gostar de alguém.
Ligou a televisão para se distrair, mas mesmo a olhar para as imagens que passavam não se conseguia abstrair dos terríveis pensamentos que o assaltavam.
Desligou a televisão e o seu olhar caiu sobre o livro colocado em cima da mesa.
Pegou nele e folheou-o.
Era um livro estranho, com um papel muito fino, impresso a duas colunas e que lhe pareceu nalgumas partes com um texto muito denso.
Decidiu abri-lo ao acaso e ler o que estava nessas páginas.
Aquela parte tinha um titulo que dizia: “A filha de Jairo e a mulher com fluxo de sangue”. (Lc 8, 40-56)
Chamou-lhe a atenção aquela história do “fluxo de sangue”, pois não entendia o que poderia ser aquilo e decidiu então ler pelo menos aquele episódio.
Parecia uma historieta simples, ainda por cima contada num português estranho. Eram coisas passadas há muito tempo.
Quando chegou à parte da mulher com o fluxo de sangue, perguntou-se, porque é que a mulher não falava directamente com o tal Jesus e vinha por detrás para lhe tocar no manto.
Viu que essa frase chamava a atenção para uma nota no fim da página, relatando que a doença de que a mulher sofria, a tornava impura perante a sociedade de então e assim sendo, a afastava do convívio dos outros.
Não pode deixar de estabelecer um paralelo entre ele e a vida daquela mulher sem esperança nos médicos, tendo já experimentado tudo e que ainda por cima, por causa da sua doença, não podia ter uma vida normal, social, pois os outros afastavam-se dela e, com certeza, inventavam histórias a seu respeito.
Decidiu ler com atenção toda aquela história e à medida que o foi fazendo, ia invejando aquela mulher, por que apesar de todo o seu desespero, ainda acreditava, ainda tinha esperança que tocando no manto daquele Jesus, podia ficar curada.
E a realidade é que era isso mesmo que a história contava. A mulher tinha tocado no manto de Jesus e tinha ficado curada.
Pensou então: «Não é mais que uma história bonita e para além disso, mesmo que fosse verdade, foi há tantos anos, que este Jesus já morreu com certeza há muito tempo».
Fechou o livro e decidiu não se preocupar mais com aquilo, até porque não valia a pena ter esperança naquilo que estava perdido no tempo passado e presente.
Passado algum tempo, deu por si curioso, querendo saber quem era aquele Jesus, donde tinha vindo, como vivera, o que lhe tinha acontecido.
Não se ia incomodar muito com isso, mas iria ler mais um pouco do livro para saber mais alguma coisa, sobre esse Jesus.
Mal não lhe havia de fazer, até porque, lembrava-se agora, já tinha ouvido vagamente falar dEle quando era criança.
À medida que ia lendo, toda aquela história lhe parecia estranha, embora houvesse qualquer coisa que o fascinava, ou melhor, que o tocava, que quase o obrigava a ler e a querer saber mais sobre aquele homem.
Havia uma mulher a quem aparecia um anjo, e lhe dizia que ela ia ficar grávida de um Filho de Deus e mais incompreensível ainda, apesar de grávida e da criança nascer, a mulher seria sempre virgem, pois nunca conhecera nem conheceria homem.
Tudo isto ia para além da sua imaginação, mas na fase em que estava da sua vida, se alguma coisa lhe poderia prender a atenção, seria algo que não fosse deste mundo, pois descrente como estava, só uma coisa assim lhe poderia dar alguma esperança.
Ia lendo e cada vez mais lhe parecia inconcebível toda aquela história.
Então aquela mulher estava grávida do Filho de Deus e a primeira coisa que fazia era ir servir para casa duma prima velha, que também estava grávida.
Então aquele menino era Filho de Deus e nascia numa qualquer gruta, numa qualquer manjedoura, tendo por testemunhas uns míseros pastores.
Então o Filho de Deus, que tinha com certeza um poder imenso, fugia dum rei qualquer, indo montado num burro para um país estrangeiro.
Que Deus era este que colocava o seu Filho a aprender o oficio de carpinteiro e a obedecer a uma família normal, a uma mulher e um homem iguais a tantos outros e até a ele próprio, atendidas, claro está, as diferenças óbvias.
Que sentido fazia este Filho de Deus, que em vez de reunir um exército e conquistar a terra, ou mais fácil ainda, fazer um gesto e acabar com os seus inimigos, andava a reunir-se com pescadores e homens simples, a percorrer o país a pé, falando com as pessoas, com os mais desgraçados e humildes e até com aqueles que pelos vistos, pelas vidas que viviam, mais afastados estavam de Deus.
Então e os milagres!!! Fazia milagres permanentemente e não aproveitava para ficar rico ou convencer a multidão do seu poder.
Parecia que se preocupava mais com a alma, com o coração do que com o corpo.
Dizia coisas estranhas tais como: Que devemos perdoar aos nossos inimigos e a quem nos quer mal, que devemos amar a todos por igual e até àqueles que não gostam de nós, que não devemos viver para o mundo pelo mundo, mas sim acreditar numa vida para além da morte.
Tudo isto era muito estranho, muito confuso, mas o que achava mais extraordinário, é que o seu coração batia mais forte quando lia a história daquele homem e mais espantoso ainda, nascia nele uma esperança simples que há muito tempo julgava morta.
Começava agora a compreender aquela mulher do fluxo de sangue.
Curiosamente, já nem lhe interessava saber o que era isso do fluxo de sangue, porque começava a entender que essa era a parte menos importante de toda a história.
Ao ler e reler o episódio daquela mulher, cada vez encontrava mais semelhanças com a sua própria história.
Também àquela mulher tinham falado daquele Jesus Cristo, tal como a ele no hospital.
Ainda bem, pensou ele, existirem pessoas que falavam daquele Jesus. Tinha sido bom para aquela mulher e estava a ser bom para ele.
Também aquela mulher era uma escorraçada da sociedade, tal como ele, ambos por causa duma doença que não era aceite pelos outros.
Aquela mulher tinha procurado tudo, tinha gasto todos os seus bens tal como ele, e não tinha encontrado cura para o seu mal.
Tudo era igual, com uma só diferença, que se tornava aos seus olhos incontornável.
A história daquela mulher tinha sido há muitos anos, aquele Jesus Cristo já tinha morrido e por isso não podia esperar encontrá-Lo para Lhe tocar no manto.
No entanto, uma força interior inexplicável animava-o a prosseguir a leitura.
Os milagres continuavam e aquele homem era continuamente amado por uns e desprezado e odiado por outros, mas a verdade é que nunca fazia valer os seus direitos de Filho de Deus a não ser para fazer bem aos que precisavam.
Chegou então a um ponto da história que não conseguia entender, pois para ele não fazia qualquer sentido.
Aquele homem, Jesus Cristo, o Filho de Deus, era preso por gente “normal”, (aliás atraiçoado por um dos seus), era humilhado, espancado, desprezado e nada fazia para acabar com tudo aquilo.
Pelo contrário, falava sempre com Deus, a quem chamava Pai e apenas lhe dizia: « Que seja feita a Tua vontade».
E todos O tinham deixado sozinho, com toda aquela multidão enfurecida, liderada por aqueles que, ainda por cima, estavam á frente do culto a Deus.
Para ele era incompreensível, mas mais do que isso estava indignado!!!
Então onde estavam aqueles que O seguiam, onde estavam aqueles que Ele tinha curado, onde estavam aqueles que Ele tinha ajudado?
Ah, se ele ali estivesse não teria deixado aquilo acontecer!!!
Quando este pensamento lhe veio à cabeça, pensou para si:
«Estou doido ou quê, isto é uma história, que para além do mais não faz grande sentido, porque não há ninguém assim, que seja ofendido e maltratado e só pense em perdoar àqueles que o ofendem e maltratam».
Continuou a ler e de repente foi como se um “balde de água fria” o tivesse atingido.
Afinal o Homem tinha morrido. Afinal o Filho de Deus tinha morrido.
Perguntava-se a si próprio:
«Para que serviu afinal tudo isto»?
Só então se deu conta da esperança que tinha depositado naquele Homem. Tanta esperança que ao fim de tanto tempo tinha renascido no seu coração e afinal o Homem tinha morrido.
Como no entanto a história continuava, recomeçou a leitura.
Deu por si com a boca aberta de espanto: O Homem tinha ressuscitado ao fim de três dias!!!
Não, não tinha sido ao fim de algumas horas, em que até podia ter estado cataléptico. Não, tinha sido ao fim de três dias, depois, aliás, de ter sido sepultado.
O que mais o espantou, no entanto, não foi o que ele tinha lido, mas sim o facto de em seu coração acreditar no que tinha lido.
Compreendia agora perfeitamente aquela mulher. Ela tinha-se desprendido de tudo o que era mundo, até da sua própria vergonha, e com a esperança daqueles que já nada esperam do mundo em que vivem, com a confiança daqueles a quem já só resta confiar, com a fé daqueles a quem já só resta acreditar, tinha-se aproximado de Jesus porque acreditava que seria curada, (com uma fé para além da razão), e percebia ele agora, curada mais do espírito do que curada do corpo.
Percebeu então que aquela mulher apesar de ter ficado curada do seu mal físico, (Lc 8,44), só ficou verdadeira e totalmente curada quando falou com Jesus e contando toda a verdade, (Mc 5,33), como numa confissão, foi mandada em paz pelo Filho de Deus.
Pois, pensou ele, Jesus ressuscitou, mas partiu para junto de Deus, Seu Pai, pois com certeza não quereria mais nada com este mundo e com estes homens que tão mal O tinham tratado, levando-O até aquela morte horrivel.
Como poderia ele agora falar-Lhe, contar-Lhe a sua vida, esperar o Seu perdão e a Sua cura.
Continuou a ler e uma intensa alegria invadiu-o!
Mesmo depois de ressuscitado e junto do Pai, Jesus Cristo continuava no mundo e a falar aos homens.
Tinha falado com aqueles no caminho de Emaús, tinha comido peixe com os Apóstolos e no fim tinha prometido que ficaria para sempre com a humanidade.
Promessa de Deus é para cumprir, pensou ele.
Uma paz e uma calma muito grande invadiram-no.
Percebeu que nesse momento algumas pessoas lhe pegavam e o transportavam para qualquer sitio que parecia um hospital, mas já nada lhe interessava, que estivesse ligado a este mundo.
Abriu os lábios e disse sem se importar se era ouvido por alguém:
«Jesus, fica aqui comigo. Dá-me a Tua mão, dá-me o Teu perdão. Ajuda-me e ensina-me a perdoar a todos aqueles que me fizeram mal e a quem eu ofendi. Perdoa-me todo o mal que fiz, porque, percebo agora, eu também estava com aquela multidão no dia da Tua morte. Aceita-me. Entrego-me conTigo à vontade do Pai».
Sentiu então que Jesus sorrindo o tocava e lhe dizia:
« Fica em paz meu filho, a tua fé te salvou».
Dos seus lábios saiu um grito esforçado: «Estou curado»!!!
Uma paz imensa invadiu-o. Um sentimento de perdão tomou conta de si. Estava em paz com o mundo. Sentia-se amado e sentia que amava, mesmo aqueles que o tinham desprezado. Sentia mais do que tudo que Jesus o amava.
Abriu os olhos e viu todos aqueles seus familiares à sua volta, chorando e ao mesmo tempo com um olhar de espanto e incredulidade estampado nos seus rostos.
Voltou a repetir:«Estou curado»!!!
A paz, a serenidade, a calma, um desprendimento de tudo, tomaram conta de si.
Olhou para dentro de si e disse:
«Obrigado Jesus, recebe-me agora para sempre, Senhor».
Naquele momento, ninguém entendeu o sorriso de felicidade com que morreu.

2 comentários:

J disse...

Joaquim,

Uma verdadeira história de Conversão, de deixar Cristo dar-Se a conhecer, gostei imenso de ler, e "devorei " o seu conto até ao fim.

É impressionante como este conto, é tão real, e acontece mesmo na vida das pessoas, simples gestos como dar um livro, podem mudar uma vida, porque Cristo é assim, revela-se nas pequeninas coisas, não quis nascer rico, ou ficar rico, não quis formar um exercito obrigar as pessoas a reconhecê-Lo como Filho de Deus, Ele nada impõem, dá-Se a conhecer, convidá-nos, e mostra-nos o Seu Amor por nós.

O Amor de Cristo é mesmo revelado no nosso dia a dia, porque Ele está mesmo sempre connosco, por mais que muitas vezes nos custe a acreditar, mas não vale a pena duvidar, basta confiar, eu por exemplo leio as suas palavras e Acredito porque O vejo aqui neste momento presente.

Por tudo, Obrigado.

Um grande beijinho em Cristo

joaquim disse...

Obrigado Joana.
Realmente temos de fazer tão pouco!
Basta abrir o coração e deixar que Ele o toque e envolva no Seu amor.
Às vezes Ele sabe que O queremos, mas não sabemos como e então sacode as nossas vidas, para que nos abramos à Sua presença em nós, e nos deixemos conduzir à vida, à «vida em abundância».
Abraço em Cristo