sexta-feira, 2 de maio de 2014

OS "RE-CASADOS" SÃO IGREJA (5)

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Também a linguagem se torna fonte de revolta, indignação, quando utilizamos a despropósito palavras como pecado e condenação.
Com isto não quero dizer que o pecado não existe, e que as pessoas nessas situações, à luz da Doutrina da Igreja, não vivem em pecado, mas há muitas formas de o dizer, de o explicar, para que percebam o que a Igreja lhes diz.

Mas pior ainda se a palavra pecado vem acompanhada de alguma palavra que refere condenação, ou seja, qualquer coisa como: “Se continuares a viver assim estás condenado”.
Isto é terrível, e se nos colocarmos na situação de quem ouve algo parecido podemos perceber como a relação com a Igreja termina nesse momento e como dificilmente voltará a surgir.

Não pensemos que isto não acontece, que estou a exagerar, porque já aconteceu comigo.
Um dia, em que estávamos, (minha mulher e eu, casados civilmente por não podermos então celebrar o Matrimónio na Igreja), numa assembleia do Renovamento Carismático em Fátima, ela sentiu uma grande necessidade de se confessar.
Disse-lhe para não o fazer ali, com um sacerdote desconhecido, mas para aguardar para conversar com algum dos sacerdotes que nos conheciam e conheciam a nossa situação conjugal.
Ela no entanto achou que não havia problema e lá foi à procura de um sacerdote para se confessar.
Voltou passado pouco tempo, lavada em lágrimas, porque tendo encontrado um sacerdote, tendo-lhe explicado rapidamente a situação e pretendendo confessar-se, levou como resposta que vivia em pecado, que não podia confessar-se, e que se não se arrependesse e mudasse de vida, estaria condenada, tudo isto dito de forma abrupta e rude.
O efeito no momento foi devastador, sobretudo para ela. Demorou algum tempo a fazê-la perceber que o que aquele sacerdote tinha dito era uma enormidade e que não era assim que a Igreja pensava e agia.
Valeu-nos, obviamente, a nossa intensa vivência da fé e os sacerdotes nossos amigos para ultrapassarmos essa situação.

Mas se fossem outras pessoas na mesma situação, e não tivessem o apoio que nós tínhamos, nem a vivência tão intensa da fé que nós vivíamos, essa seria uma resposta adequada?
Claro que não, porque não deixando de ser verdadeira quanto à Doutrina, é terrivelmente dura, e sem dúvida afasta quem quer que seja, que se queira aproximar da Igreja.
Há muitos modos de explicar porque é que uma pessoa nessas circunstâncias não se pode confessar, e esta maneira não é seguramente a indicada.

A melhor resposta a dar, seria sem dúvida disponibilizar-se para ouvir a pessoa, explicar-lhe com amor e paciência porque não pode uma pessoa nesta situação receber a absolvição, mas ter a conversa necessária, deixando a pessoa desabafar, aconselhando, aliás como Bento XVI aconselha na Sacramentum Caritatis: «um diálogo franco com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual»

O mesmo vale para a resposta a dar quando é perguntado porque não podem as pessoas nessas situações, receber a comunhão eucarística.

Mas não se julgue que apenas os sacerdotes, (alguns, claro, e sem dúvida sem qualquer intenção de magoar, mas por falta de discernimento no momento), têm atitudes destas para com estes irmãos que vivem re-casados.
Uma outra vez, numa celebração em Igreja, uma senhora veio ter connosco e disse-nos cara a cara, em frente da muita gente que ali estava, que sabia muito bem que nós não eramos casados pela Igreja e que por isso não tínhamos nada que ali estar.

Ora isto tem que levar-nos forçosamente a pensar, que tem de existir toda uma formação para os leigos, para que entendam a verdadeira situação destes irmãos re-casados e saibam também acolhê-los em Igreja, para que se sintam amados e não colocados de lado.
Lembro-me bem de alguns muitos olhares que recebia nos primeiros tempos de regresso a Deus e à Igreja, olhares do tipo: O que está este aqui a fazer? Este não tem lugar aqui!
E obviamente esses olhares doíam, sobretudo pela incompreensão das pessoas perceberem que é sempre tempo para regressar a Deus e à Igreja, regresso esse em que quem o faz tem necessidade de ser acolhido, de ser aceite, de se sentir amado em Igreja, porque esse amor é, podemos dizê-lo, o amor palpável de Deus.

A verdade, é que a mágoa, a dor que acontece pela falta da comunhão eucarística, pela impossibilidade de comungar na Eucaristia o Corpo e Sangue do Senhor, seria muito aliviada se as pessoas se sentissem acolhidas e amadas em Igreja, entendendo esta Igreja nas pessoas que a formam, ou seja, sacerdotes e leigos.

Precisamente por isso, não basta explicar doutrinalmente, (digamos assim), o porquê da impossibilidade da Confissão e da Comunhão, mas avançar com todo o amor para introduzir estas pessoas na realidade da sua situação em Igreja, fazendo-as sentir-se Igreja, isto é, dentro de tudo o que lhes é possível pela Doutrina, chamá-las a serviços na Igreja, no coro da paróquia, por exemplo, nas obras de beneficência, na organização das festas religiosas, nos conselhos económicos, etc., enfim na vida comunitária da Igreja.

Obviamente, podemos reflectir aqui se as pessoas nestas situações estarão disponíveis para esta colaboração em Igreja, mas a verdade é que se não lhes apontarmos esses possíveis caminhos, também elas por falta de informação se podem colocar de lado por terem receio que ao oferecer-se, ouçam um não como resposta.


(continua)
Joaquim Mexia Alves


Nota:
Continuação do texto da segunda intervenção da recoleção para sacerdotes, no Santuário de Fátima, que orientei no dia 7 de Abril passado, a convite do Senhor D. António Marto.
O texto é, obviamente, algo extenso, pelo que o publicarei aqui em diversas partes.
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4 comentários:

Anónimo disse...

ao ler este seu texto lembrei-me de uma situação que aconteceu comigo há uns anos qdo tb senti necessidade de me confessar. Não fui a Fátima mas sim numa paroquia de um arciprestado próximo onde mora um dos meus irmãos. Quando me aproximei do sacerdote e lhe disse ao que vinha a primeira coisa que ele me disse foi: Menina, não se brinca com os sacramentos.
Foi como se me tivessem despejado um balde de água gelada. A minha vontade foi fugir dali mas acho que o meu anjinho da guarda estava alerta e me segurou. O sacerdote arrepiou caminho e depois até conversámos de forma civilizada e esclarecedora. Às vezes são situações similares que fazem as pessoas sentirem-se mais marginalizadas e afastarem-se cada vez mais.
Outra vez tb me lembro que alguém na comunidade me lembrava que eu
só subia ao ambão pq o Sr. padre deixava. Na altura a única coisa que me ocorreu dizer foi: Pois nem tenha duvidas. Eu aqui só faço o que me pedem e faço-o com todo o prazer. Não exijo nada a ninguém.
Como vê caro amigo, destas situações há em todo o lado. Tem que haver muito esclarecimento e muita disponibilidade e perseverança de quem se encontra nestas situações.
Saudações amigas.

Cristina disse...

Há uns bons anos atrás,como católica,fui-me confessar.Era muito jovem e senti necessidade o fazer.Estava casada pelo civil há dois anos.Fiz a minha confissão,e qual não foi o meu espanto quando o padre me disse que não me absolvia.Perguntei porquê,visto que nada de tão grave assim me acusava.Porque não era casada,respondeu.E que devia abandonar o meu "marido".Expliquei-lhe em que condições o meu então marido tinha casado canónicamente-tinha feito um casamento misto,assinado um documento como não era crente mas não impediria a sua então mulher nem os filhos que adviessem dessa união a praticar a religião católica. Não aceitou a minha explicação.Senti uma tristeza enorme e os meus olhos encheram-se de lágrimas...Ao sair do confessionário,olhei para o Sacrário e senti o Amor de Deus a envolver-me.voltei-me para o Sacrário e disse baixinho "O Senhor nunca me falaria assim".Continuei a rezar e a ir à Igreja,falar com Deus.Deixei de ir à missa,embora um tio meu conseguisse através de um padre seu amigo que eu comungasse mas jurei a mim mesma que não comungaria dessa forma,como quem entra com "cunha".Acabei por me separar de facto e mais tarde divorciei-me.Entretanto fui profundamente tocada por Deus,através da sua Palavra,e foi o início de uma bonita caminhada.Apesar de divorciados eu e o meu ex-marido continuámos amigos.Conversávamos imenso e,intrigava-o bastante o porquê da minha mudança,ao que lhe respondia
que se devia únicamente a Jesus e à Sua palavra.Ele quis conhecer a Bíblia e começámos a orar juntos. Passado alguns meses ele encontra o renovamento carismático e começou a frequentar.Mais tarde fui eu e fiquei.Não poucas vezes íamos a Fátima ora os dois ou com o nosso filho.
Não há dúvida,a Igreja tem a obrigação de analisar os re-casados caso a caso,com todo o discernimento e misericórdia.Integrá-los e fazê-los participantes da comunidade.

Cumprimentos,

joaquim disse...

Obrigado minha amiga anónima, que para mim já não o é.

São esses testemunhos que têm de ser dados para que os sacerdotes e leigos percebam o que devem mudar nos gestos e na linguagem.

Muito pode ser feito, mesmo no "quadro" doutrinal em que vivemos, porque tudo pode ser imposto sem mais, mas esse será sempre um gravíssimo erro.

Devemos explicar para melhor podermos aceitar e viver.

Muito obrigado, mais uma vez.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Muito obrigado Cristina pelo seu tão importante testemunho.

Julgo, permita-me que o diga, que a primeira parte, ou seja, a sua união com um divorciado de um matrimónio misto, não terá sido devidamente analisada pela pessoa com quem falou.
Um Tribunal Eclesiástico poderia encontrar forma de tratar a situação de outra maneira, mas só conhecendo toda a situação, claro.

É muito bonita a sua caminhada, apesar do sofrimento a ela inerente, e essa certeza do amor de Deus na sua vida, que é fruto também em grande parte dessa sua aceitação da sua situação.

Também a mim o Renovamento Carismático Católico me ajudou a superar dificuldades e sobretudo me conduziu na extraordinária relação de intimidade que vivo com o Senhor, por Sua graça, claro.

Gostava muito de saber mais sobre o seu testemunho, se não for indiscrição, pois poderá ajudar-me muito com o grupo de divorciados e recasados que formámos na minha paróquia.

Se não vir inconveniente nessa "troca" de testemunhos, poderá contactar-me pelo mail joquim-alves@gmail.com

Chamo a atenção para que é mesmo joquim e não joaquim-

Obrigado mais uma vez e um abraço amigo em Cristo