quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A COMUNIDADE MODELO (3)

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«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.» Act 2, 42-47



«Eram assíduos…à fracção do pão»


Ao reflectirmos sobre esta verdade, logo outra passagem bíblica nos vem ao coração, ao pensamento:
«E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença.»*

Na «fracção do pão» reconheciam Jesus Cristo entre eles, com eles, neles, alimentando-os, fortalecendo-os, lutando com eles pela proclamação, pelo reconhecimento do Reino de Deus, já, aqui e agora, esperando a plenitude do que há-de vir.

«Reconheciam-nO na fracção do pão.»

E nós, ainda ou também O reconhecemos na «fracção do pão», na Eucaristia, que todos os dias é celebrada, é vivida nas igrejas, e não só, em todo o mundo?

Que “reconhecimento” de Jesus Cristo fazemos nós na Eucaristia?
Que é simbólico? Que a Hóstia consagrada representa Cristo? Que é uma imitação, uma memória do que Jesus Cristo fez? Que é uma representação? Que Jesus Cristo está ali presente em espírito?

Ou acreditamos verdadeiramente que Jesus Cristo está ali presente, tão presente como quando estava no meio dos Apóstolos após a Ressurreição?
Ou acreditamos que é Ele que se dá verdadeiramente como alimento, num Mistério tão incompreensível para nós, mas no entanto tão palpável, tão real, tão “experimentável” nas nossas vidas?

E assim sendo, se assim acreditamos, somos nós «assíduos à fracção do pão»?
Vivemos num mundo em que, graças a Deus, somos livres de praticar e viver a nossa Fé, e em que, apesar de algumas dificuldades, temos a celebração da Eucaristia diária em quase todos os lugares, (mais perto ou um pouco mais longe), onde vivemos.

Fazemos nós tudo o que nos é possível para participarmos celebrando a Eucaristia diária, vivendo-A todos os momentos das/nas nossas vidas?

É que naquele tempo, aqueles primeiros cristãos tinham com certeza de se deslocar às casas onde era celebrada «a fracção do pão», muitas vezes com risco da sua própria vida, tendo em conta as perseguições de que eram alvo.

Porque era e é ali, na Eucaristia, que nos encontramos preferencialmente com Jesus Cristo Nosso Senhor e Salvador, que dando-se como alimento divino nos afirma a Sua presença em nós e connosco, que dando-nos a certeza de que se fez igual a nós em tudo, excepto no pecado, nos reafirma a nossa filiação divina, e assim nos faz irmãos uns dos outros, filhos do Nosso Pai que está nos Céus.

Porque era e é ali na Eucaristia, que Ele nos dá forças, alento e coragem, para vivermos o Caminho, para proclamarmos a Verdade, para testemunharmos a Vida, que Ele nos dá no/do Seu Amor.

«Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.»*

Aqueles discípulos de Emaús tinham fugido de Jerusalém, tinham medo, já não acreditavam, para eles tinha sido uma aventura que tinha acabado, no entanto, e depois de terem ouvido a Palavra, de caminharem como irmãos com Jesus Cristo, (invisível aos seus olhos), reconheceram-No na «fracção do pão», e, perante esse reconhecimento, essa certeza da Verdade, voltaram de imediato a Jerusalém, esquecendo o medo, ou vencendo-o, para anunciarem que Jesus Cristo estava vivo, porque também eles O tinham visto.

Que Deus de amor, de bondade, de humildade, de entrega é o nosso, que assim, num «pedaço de pão», se oferece aos homens a quem Ele próprio deu a vida!

E todos os dias assim se entrega por nós, e todos os dias está ali disponível para cada um de nós, e todos os dias e em todos os momentos a Igreja nos chama a estar com Ele, e todos os dias tantos de nós faltam a esse encontro sem razão de nenhuma espécie.

Mas até podemos dizer, (tentando desculpar-nos), que não faltamos à Missa Dominical!
Mas porquê, porque é que não faltamos? Já nos perguntámos porquê?
É porque realmente queremos estar com Ele, queremos encontrar-nos com Ele, para O adorar e Lhe dar graças, ou é por tradição, por rotina, ou até por superstição, (não vá alguma coisa correr mal na nossa vida).

Perdoem-me a irreverência e brutalidade da ideia, mais é mais ou menos como um amigo “chato”, que nos dá emprego, que nos ajuda quando precisamos, mas que temos de aturar pelo menos uma vez por semana, não vá ele deixar de ser nosso amigo!

Às vezes até se escolhem as Missas em que o Sacerdote é mais rápido, (para o encontro com Deus não ser tão demorado!), esquecendo-nos da comunidade paroquial, daqueles que são nossos vizinhos e se cruzam connosco todos os dias, esquecendo-nos da «união fraterna».

As coisas que hoje em dia vemos durante a celebração da Eucaristia são de “bradar aos céus”:
São os telemóveis que tocam e alguns até se levantam e saem para os atender, quando não o fazem mesmo no seu lugar.
(Gostava de os ver atender o telemóvel durante uma entrevista para um emprego!)
São as conversas sobre tudo e sobre nada, como se estivéssemos num qualquer café social!
E paro por aqui porque a lista não acabaria.

Na altura da Comunhão confundimos dignidade e seriedade, com tristeza e abatimento, e é vermo-nos em procissão de cabeça baixa, ombros inclinados, como se um peso insuportável nos fizesse assim, e depois regressarmos ao lugar no mesmo estilo, ou pior, ou então conversando com quem vamos encontrando no caminho de regresso.

Chega-se atrasado, porque no entender de alguns a Missa só começa no Evangelho, e depois, depois não temos tempo para os avisos, (já demos tempo demasiado ao nosso Deus!), e por isso saímos, nem sequer esperando pela bênção final, nem esperando por algum breve convívio com aqueles que são nossos irmãos na Fé.

Também eu, obviamente, ao escrever tais palavras, me confronto comigo próprio e com as minhas atitudes, reconhecendo tanta coisa a mudar em mim.

Tanto para dizer sobre a «fracção do pão», e tão pouca inspiração para o fazer, reconheço-o humildemente, mas encontramos já aqui muita coisa para reflectir.

Lembro-me da história verdadeira do Cardeal Nguyen Van Thuan, preso treze anos no Vietnam, sobre a celebração da Eucaristia, de que aqui deixo relato.

«Sempre inspirado pela criatividade amorosa, Van Thuan escreveu uma carta aos amigos pedindo que enviassem um pouco de vinho, como remédio para doenças estomacais. Assim, a cada dia, três gotas de vinho e uma de água eram suficientes para trazer Jesus eucarístico à prisão. Os pedacinhos de pão consagrado eram conservados em papel de cigarro, guardado no bolso com reverência. De madrugada, ele e os poucos católicos detidos ali davam um jeito de adorar o Senhor escondido com eles.»

Nós, no nosso mundo, temos as portas das igrejas abertas, e, como acima digo, um pouco mais perto ou um pouco mais longe, temos com certeza a celebração da Eucaristia.

O que esperamos então nós para sermos também «assíduos à fracção do pão»?


*Lc 24, 30-31; Lc 24, 33-35

Monte Real, 6 de Outubro de 2010
(continua)
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14 comentários:

Utilia Ferrão disse...

Amigo Joaquim

"Na altura da Comunhão confundimos dignidade e seriedade, com tristeza e abatimento, e é vermo-nos em procissão de cabeça baixa, ombros inclinados, como se um peso insuportável nos fizesse assim, e depois regressarmos ao lugar no mesmo estilo, ou pior,"

Sabe que por vezes as conversas com Jesus também são um pouquinho dificeis de suportar, sobretudo quando sentimos o peso das nossas culpas e temos dificuldade em nos perdoarmos e a aceitarmos o perdão.
daí talvez essas caras tristes não?
Tudo leva tempo para entrar na ordem,Deus sabe o que se passa na alma de cada um.
Gostei de ler, mas vou voltar porque há coisas que vou reler atentamente
Abraço fraterno
Utilia

concha disse...

Amigo Joaquim!
A fracção do pão é sem dúvida o alimento para a vida.Ainda não consigo participar diáriamente, mas estou com esse propósito e há uma semana que tento não faltar.Sei que é uma força que levo para o dia quando vou à missa pela manhã.Quanto ao comportamento de alguns na comunhão,interpreto como uma tentativa de interiorizar o momento e que poderá ser um confronto entre a presença do Senhor e aquilo que essa presença possa põr em evidência do menos bom de vidas que nem sempre serão lineares e sem mancha.Outros comportamentos, como sejam telemóveis que tocam e se atende,conversas que de certo não se justificarão, diria que é o reflexo de uma vivência em igreja em que faltam aspectos básicos, para se entender que tudo isso está fora de questão.
Comecei por reaprender a estar na eucarístia há meia duzia de anos,observando a postura de um homem guineense que tinha sofrido um desastre e por isso apresentava o rosto um pouco desfigurado.De livrinho na mão, ele seguia passo a passo a celebração e isso interpelava-me de tal modo que achei que ele sabia o que estava a fazer e seguia-o em tudo.Ele até tinha o cuidado de desviar um pouco o livro para que eu pudesse também participar activamente.Estou-lhe grata pela ajuda que me deu, embora tmabém o esteja em realção a outros.No entanto este foi o príncipio.
Um abraço na Paz com o meu obrigada pela partilha

nova civilização disse...

Amigo Joaquim,

Quantas reflexões... as vezes me sinto distante, digo, que também preciso perseverar mais. Me entregar mais... Sabe o que acontece, o que percebo, é que este mundo está ficando tão enraizado na gente, que a sensação que dá é que vamos ficando presos. Achando que somos imortais e que a nossa vida sobrevive apenas da matéria.A espiritualidade vai ficando em segundo plano. Só para termos uma idéia quando falamos da morte, a maioria das pessoas tem medo, verdadeiro pavor...onde na realidade não deveria ser assim. Se somos Cristãos convictos, deveriamos sim nos preparar para isso. Não sei se você está me entendendo. Deveríamos viver com o olhar voltado para uma vida em que o fim é o começo. E que precisamos trabalhar, nos entregar .Caminhando... Um olhar voltado para a nossa essencia prima, a que nos faz caminhar na verdadeiro direção do amor. E isso só é possível unido a Cristo, cada vez mais. Mas nos dispersamos, vamos nos dissipando. Mas tenho fé. Muita fé. Acredito também que nada escapa a Deus. Ele sabe o que se passa em nossos corações antes mesmo da gente saber. Por isso eu peço, imploro a Ele para que me dê cada vez mais clareza de espírito!

Obrigada pela lembrança do meu aniversário e por essa reflexões tão profundas que fazem a gente meditar em nossas condutas,

abraços fraternos

Gisele

joaquim disse...

Amiga Utilia

Obrigado.

Provavelmente não soube explicar bem o que queria dizer com aquele parágrafo sobre a Comunhão.

Explico então melhor.

Um dos testemunhos que mais falta aos cristãos hoje, (é a minha opinião), é a alegria.

A alegria que vem da paz, da serenidade de quem acredita que o Nosso Deus está connosco sempre.

Ele próprio no-lo diz: «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz.Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde» Jo 14, 27

Esta paz, esta alegria, vem não só da certeza de que o Nosso Deus está connosco, mas também de que a Sua misericórdia é infinita e eterna, pelo que, arrependidos, nos devemos sentir perdoados, dando graças a Deus.

E aquele que confessa os seus pecados, deles se arrepende, e reinicia caminho de conversão constantemente, deve sentir-se "aliviado" e feliz, porque o seu Deus está com ele e perdoa os seus pecados.

Ao aproximarmo-nos da Comunhão com tristeza, com abatimento, (não quer dizer que as pessoas não possam estar tristes em determinado momento das suas vidas), parece aos outros, sobretudo àqueles em quem a Fé ainda não é caminho de vida, que o Nosso Deus é "castigador", que é mais um "fardo" do que uma libertação.

A nossa alegria de cristãos, não é a alegria da gargalhada fácil, mas do sorriso sereno e pacifico que devem mostrar aqueles que têm Deus e sabem no seu intimo que «só Deus basta».

Ouvimos muitas vezes dizer: os cristãos são tão tristes!

Como é que os jovens podem ser chamados a uma vivência cristã que parece mais dor do que amor?

Quando as mulheres e os Apóstolos encontram Cristo ressuscitado, a alegria é palpável e logo lhes vem a coragem de anunciarem ao mundo, a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor.

Espero que assim se perceba melhor a minha intenção, que é assunto que dá "pano para mangas"!

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Amiga Concha, obrigado.

Quanto aos comportamentos na Comunhão que refiro peço-te que leias a minha resposta ao comentário da Utilia, porque lá expresso aquilo que queria dizer e não ficou bem explicado.

Obrigado também porque nas tuas palavras mostras bem a importância do testemunho de outros na nossa caminhada, e no teu caso, um testemunho que te levou à descoberta de um bem maior.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Amiga Gisele, obriagdo pela tua reflexão.

Realmente muitos olham ainda a morte como um castigo, como um mal, mas verdadeiramente não é assim.

Para não me repetir e se te interessar peço-te que leias este texto

http://queeaverdade.blogspot.com/2009/11/onde-esta-o-morte-tua-vitoria.html

Que Ele nos ilumine sempre em cada momento do nosso caminhar.

Um abraço amigo em Cristo

Anónimo disse...

Eu Te bendigo, ó Pai, (...) porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11, 25).

Paulo disse...

Por vezes, os "esquecidos de Deus" por nós seus irmãos em Cristo, dão mais valor à fracção do pão do que nós, sentados no sofá com o telecomando a fazer zaping. Nós que vamos à missa dominical, nós que nos dizemos Cristãos, enquanto esses, esquecidos de Deus, presos acamados, doentes terminais, entre outros, dão mais valor á fracção do pão e, mesmo que o envangelho dure 1 minuto, tenho a noção que o vivem mais do que nós, aqueles que vão às missas mais rápidas. Realmente, pagando no comentário anterior, as Verdades de Deus são reveladas aos mais pequenos...e eu (sim eu) não sou muito grande mas ainda não sou pequenino.

joaquim disse...

"Sinais no mundo", obrigado!

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

É verdade, Paulo, muitas vezes aqueles que mais dificuldades têm em conseguir ter acesso aos Sacramentos com mais assiduidade, são aqueles que mais valor Lhes dão.

É ver, por exemplo, como a Igreja perseguida nalguns paises, se torna mais forte, e mais empenhada.

Falo por mim, pois durante um tempo estive afastado da Comunhão, por razões particulares, e vivia essas comunhões espirituais bem melhor do que algumas vezes agora vivo a Comunhão eucarística.

Lembremo-nos bem disto e tentemos sempre dar testemunho verdadeiro e empenhado, de verdadeiros cristãos católicos.

Um abraço amigo em Cristo

malu disse...

Tenho vindo a seguir com muito interesse esta 'série' e agradeço por tanto que me dás a reflectir.


Abraço em Cristo e Maria.

RETIRO do ÉDEN disse...

Amigo Joaquim,
Ao ler e reler o seu conteúdo, identifiquei-me com tudo o que aqui foi escrito.
Posso dizer que abomino as conversas durante os momentos em que estamos em meditação no local de oração...ou enquanto esperamos alguma cerimónia religiosa ... mais parece que se está num arraial...ao invés de estarmos em concentração e em união com ELE.
Quanto à «fracção do pão», para mim, é o meu alimento espiritual que procuro o mais possível diariamente. É um conforto para o meu espírito e para a minha carne...sinto-me mais leve quando, assíduamente, consigo estar presente nesse ritual.
Forte abraço e fiquemos com ELE sempre nas nossas vidas.
Mer e família

joaquim disse...

Obrigado Malu.

Continuemos a caminhar juntos em oração.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Obrigado Mer, pelo seu testemunho, pelas suas palavras.

Um abraço amigo em Cristo