quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A COMUNIDADE MODELO (2)

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«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.» Act 2, 42-47


«à união fraterna»

Ao lermos e percebermos esta «união fraterna», tão bem descrita uns versículos mais à frente, «Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um», percebemos como estamos tão longe desta realidade de então.

E não é preciso levar “à letra” o que estes versículos nos narram, para reflectirmos sobre o tanto que nos falta, para vivermos a «união fraterna».

Não, com certeza que não é necessário «possuir tudo em comum», nem sequer «vender as terras e os bens, distribuindo o dinheiro por todos», mas é preciso percebermos que tudo o que temos nos vem de Deus e que, se só damos o que nos sobra, damos muito pouco.

Sim, é verdade que se possuímos muito ou pouco, tudo pode ser fruto do nosso trabalho, mas não podíamos nós como tantos outros não ter trabalho, não ter saúde para trabalhar, não ter sequer oportunidade de alcançar um trabalho?
E não é o nosso trabalho e a nossa capacidade para trabalharmos, uma graça de Deus, um colocarmo-nos ao serviço dos outros na construção do mundo que o próprio Deus colocou nas nossas mãos?
Ou queremos nós responder a Deus, quando Ele nos perguntar: «Onde está o teu irmão?»*, como respondeu Caim: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?»*

É que podemos não ter morto o nosso irmão, mas se o desprezámos, se não o ajudámos quando ele precisou de nós, se não fomos com ele «união fraterna», como queremos nós ser cristãos, como queremos nós ser Igreja?

Claro que aqueles cristãos naqueles tempos viviam assim em «união fraterna», com certeza não só entre eles, mas abrindo a porta a todos os que chegavam, ajudando e sendo irmãos daqueles que “andavam fora”, e por isso, sem dúvida, é que tinham «a simpatia de todo o povo.»

Temos nós hoje, cristãos em Igreja, «a simpatia de todo o povo»?

Claro que não, sabemos bem que não!

Então, e se procedêssemos como aquelas primeiras comunidades, e em vez de nos fecharmos em nós próprios, nos abríssemos verdadeiramente aos outros, não só naquilo que nos sobra, mas também naquilo que nos faz falta, seja em bens, seja em tempo, seja em amor, não teríamos nós também, nos nossos tempos em Igreja, «a simpatia de todo o povo»?

Ontem ouvia numa homilia de um Padre amigo esta reflexão:
Uma pessoa sai de casa, entra no seu carro, abre o seu portão com um comando, vai até ao centro comercial, estaciona na cave, sobe de elevador, ou escada rolante, entra no super mercado, faz as suas compras, paga nas caixas de pagamento automático, desce de elevador ou escada rolante, entra no seu carro, vai para casa, abre novamente o seu portão com o comando, estaciona o seu carro, entra em casa e … em tudo isto não falou com ninguém, se calhar não deu um bom dia a ninguém, muito provavelmente não mostrou um sorriso a quem quer fosse!
Que mundo é este em que vivemos, ou melhor, em que nos deixamos viver?

Transportemos este exemplo para o nosso trabalho, para a nossa vizinhança e até para a nossa família e podemos perceber quanto andamos nós neste mundo fechados em nós próprios, nas “nossas vidas”, nos “nossos mundos criados por nós, para nós”.

São os idosos que colocamos nos lares e nos “esquecemos” de visitar; são as crianças que colocamos em tudo quanto seja “tempos livres” e nos “esquecemos” de amar; são as nossas mulheres e os nossos maridos que cansados do trabalho nos “esquecemos” de beijar e acarinhar; são os nossos vizinhos, que preocupados com as “nossas vidas” nos “esquecemos” de cumprimentar; são os que precisam de nós e encontramos pelo caminho, e, aliviando as nossas consciências com os “deveres e obrigações” do Estado, nos “esquecemos” de ajudar; são os que se aproximam de nós para um abraço, uma palavra, e pela nossa “falta de tempo”, nos “esquecemos” de ouvir e abraçar; são os excluídos, os desprezados, os injustiçados pela sociedade, aos quais nós muito “pragmáticos”, encontramos razão para o serem, e assim nos “esquecemos” de incluir, de considerar, de confortar na justiça do amor.

E praticaremos nós a «união fraterna», até mesmo em Igreja, com os divorciados, com os homossexuais, e tantos outros, ou pelo contrário, achamos que não têm lugar à mesa da Igreja?
É que o pecador é bem diferente do pecado.
O pecado deve ser condenado, mas o pecador deve ser acolhido, ou não somos todos nós pecadores?
Ajudamo-los nós a entenderem a Doutrina verdadeira da Igreja, para que acolhidos caminhem caminho de conversão como todos nós devemos caminhar, ou pelo contrário, condenamo-los com base em falsas doutrinas, dimanadas por aqueles que não conhecem minimamente a Igreja, ou dadas como notícia na comunicação social?

E mesmo em Igreja, e até nas celebrações, vivemos nós e passamos aos outros essa imagem de «união fraterna»?
Ou pelo contrário, vivemos a Igreja e as celebrações como “espaço nosso”, como espaço da “nossa fé”, e que assim sendo é só “fezada”, é só rotina, é só até talvez superstição, porque é apenas coisa nossa onde os outros não têm lugar, o que é totalmente contrário ao Deus comunhão e serviço que Jesus Cristo nos revelou.

A lista é tão longa e verdadeira, que ao escrevê-la me sinto tão pequeno, tão ínfimo, tão pecador, tão envergonhado, por tantas vezes aparentar aquilo que verdadeiramente ainda não sou: um cristão católico!

Como queremos nós, ao não vivermos a «união fraterna», que «o Senhor aumente, todos os dias, o número dos que entram no caminho da salvação»?

Comecemos hoje, não deixemos para amanhã, o mudar das nossas atitudes, das nossas prioridades, do nosso viver cristão, para que possamos fazer caminho ao encontro da «união fraterna», que era característica das primeiras comunidades, alicerces desta Igreja que amamos e somos todos nós, os que acreditamos que o amor de Deus nos é dado, para o darmos ao nosso próximo, que são todos os que se cruzam nas nossas vidas, seja em que circunstância for, para que «o Senhor aumente, todos os dias, o número dos que entram no caminho da salvação», também hoje nos nossos dias.


* Gn 4, 9


Monte Real, 29 de Setembro de 2010
(continua)
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23 comentários:

NUNC COEPI disse...

Caro joaquim.

O tema é actualíssimo e descreves bem a sua realidade. Além do mais precisamos - todos - de alertas destes porque nos vamos esquecendo e adiando o que se passa hoje à nossa volta.
Espero com alguma impaciência a continuação prometida...

Um abraço

Maria João disse...

Fiquei com sede de ler o que ainda aí vem.

Como temos tanto para aprender ...


beijos muito amigos em Cristo e Maria

Dulce Gomes disse...

Amigo Joaquim
vou acompanhando e reflectindo. Fico à espera.
Conclusão por agora: Excelentes reflexões que me fazem meditar muito.
Abraço em Cristo e Maria

laureana silva disse...

Como tudo isto é verdade!...Por vezes também me ponho estas questões, e então vejo quão longe eu estou ainda do caminho que Jesus nos deixou.
Que longo caminho a percorrer para entendermos tudo o que o Mestre nos ensinou. É bom fazermos de vez em quando uma introspecção da nossa vida e da nossa maneira de ser Igreja.
Abraço fraterno.
Maria

Paulo disse...

Na verdade mais à frente, numa carta de São Paulo (se não me engano) vimos a tomar conhecimento que esta comunidade (vai-se lá saber o porquê) passou grandes dificuldades, no entanto, e voltando a este 2 apontamento riquissimo, a "união fraterna" cada vez é menor e, quando existe, muitas das vezes é por interesse e não pela fraternidade. Vamos à missa mas, olhamos o irmão ao lado, como se fosse bastardo e não como real. No trabalho, a "união fraterna" muitas vezes é como um jogo, ou seja, criam-se grupos dentro de um maior e aqueles que não se identificam com isso, normalmente são os primeiros a "serem abatidos". O mundo capitalista e democratico, leva tudo e todos à frente. O consumismo é atroz desde o 1º caminhar de uma criança e nós, cristão convictos, algumas vezes, neste tsunami em que estamos inseridos, tantas são as vezes que somos também levados. Não espero milagres, mas sim sinais de esperança. Em jeito de rodapé, por vezes ao ver certas comunidades ditas de 3º mundo, constacto que a felicidade neles é muito maior e mais verdadeira do que muitos ditos do 1º mundo. "temos" tudo e "eles" muito pouco, no entanto, "eles" transpiram FELICIDADE e nós?

Utilia Ferrão disse...

Amigo Joaquim
Linda reflexão.
O mundo de hoje é por si, um mundo egocentrico,os valores de: união partilha, em suma a fraternização começaram a perder-se isso o dizes e eu também dei conta dessa realidade.

O verdadeiro amor altruista começou a abandonar as familias.

Mas a familia "Cristã" se formos a ver está muito mais alargada, o Santo Papa tem feito os possiveis por se aproximar dos outros irmãos em Cristo, ortodoxos protestantes, importante... não é? Ele achou necessário abrir-se e confraternizar com eles.Quanto aos "excluidos".
Divorciados, homosséxuais,etc...a igreja Católica é a unica igreja em que tu entras e sais anónimo,talvez porque justamente as pessoas não se conhecem ou frequentam-na apenas ao domingo ou nas missas dos seus familiares mortos ou quando há um evento festivo, comunhão casamento etc,isto é mau no sentido em que
esta familia numa comunidade desconhece os seus irmãos.

Por outro lado se entrares numa outra igreja os adeptos dessa igreja , acolhem-te colocam alguém ao teu lado para te falar te ajudar.
Há muito para dizer,a nossa igreja tem regras mas falta-lhe muita vida.
Não digo mais, apenas que é a minha igreja e que tentarei por tudo quanto possa glorificar o Pai e trabalhar para edificá-la.
Sou pouco mas o pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada.
Abraço amigo
Utilia

joaquim disse...

Caro António

Obrigado.

Eu pelo menos esqueço-me muito e preciso de me relembrar constantemente.

Se Deus quiser para a semana cá estará a continuação que vai amadurecendo no meu coração.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Obrigado Maria João

É velha e verdadeira a frase: "estamos sempre a aprender"!

E para além disso precisamos muitas vezes de ser recordados daquilo que já sabemos, mas tantas vezes nos esquecemos ou colocamos de lado.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Obrigado Dulce.

Vamos caminhando juntos, em discernimento e oração.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

É verdade Maria, estamos todos longe, por isso temos de caminhar e ajudarmo-nos uns aos outros no caminho.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Paulo, obrigado!

É certo que esta comunidade depois passou por dificuldades, (quais não passam), mas soube resolvê-las e ultrapassá-las em oração e união, precisamente porque viviam como descrito.

É verdade sim que noutros paises, (ditos do 3º mundo), se vê mais alegria e união em Igreja.


Ainda não estão carregados do egoismo das nossas sociedades consumistas e individualistas.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Utilia, temn toda a razão!

Mas a verdade é que a Igreja somos nós e por isso mesmo nos compete aproximarmo-nos dos nossos irmãos e irmãs e acolhe-los.

Nenhum sacerdote irá contra isso, tenho a certeza, basta propor-lhes isso mesmo com bom senso e dedicação.

É juntos que somos Igreja e ainda precisamos de dar muitos passos nesse sentido.

Obrigado.

Um abraço amigo em Cristo

teresa disse...

hó meu querido amiga , que grande alegria teres-te juntado a nós , nesta caminhada do rosário , graças a deus ..
olha já anunciei lá no blog que vais caminhar connosco ,,, ficas para dia 10 de outubro , ok amigo ,, e depois vamos á 2-º rodada ..
nossa sra . nos guie ..

beijo ..

Utilia Ferrão disse...

Amigo Joaquim
Louvamos a Deus por termos mais duas mãos unidas ás nossas e sentirmos através do terço a presença de Maria tão humilde dizendo "sim".Ela cheia de graça.
Que o Espirito Santo nos ilumine
Abraço fraterno
Utilia

concha disse...

Amigo Joaquim!
Acabei de te ler e fui pensando que é bem verdade tudo o que dizes.
Hoje, mesmo quando se tem poder de compra, vive-se em guetos,evitando o desagradável da parte de fora.É o individualismo que impera e o que é curioso é que mesmo assim não se é feliz.
Viver em comunidade não é fácil,porque nos confrontamos com diferentes modos de ser.No entanto é precisamente aí que se beneficia,porque vamos verificando que não somos aqueles santos que julgávamos.O outro espelha o que temos de bom, mas também o que temos de menos bom.Assim vamos limando arestas e caminhando com e para Deus.É importantíssimo,perscrutar a Bíblia,fazer a oração em comunidade e a eucarístia diária, porque isso une sempre.
As comunidades primitivas viviam na partilha de tudo o que possuiam, porque sabiam bem que nada lhes pertencia.Somos só administradores do que julgamos possuir.
Também eu me sinto bem longe deste modo de viver,mas sei porque já o experienciei algumas vezes que a precaridade traz paz.Penso que quando confiar sem reservas na Providência Dívina,poderei viver assim e ser feliz.
Um abraço na Paz

joaquim disse...

Olá Teresa

É com todo o gosto que me junto a vós.

No dia 10 de Outubro cá estarei.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Amiga Utilia

Unido a vós em oração.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Amiga Concha

Obrigado pelas tuas palavras que noa ajudam a reflectir ainda melhor.

Com efeito somos apenas administradores do que possuimos e só somos bons administradores na medida em que partilhamos o que possuimos, não só em bens, mas também em conhecimentos e sobretudo em amor.

Um abraço amigo em Cristo

Gisele Resende disse...

Amigo Joaquim,

Hoje é dia de Francisco de Assis.Quanta alegria! Vim deixar um abraço de muitas Paz,

"Oração a São Francisco de Assis (do Papa João Paulo II)

Ó São Francisco,
estigmatizado do Monte Alverne,
o mundo tem saudades de ti,
qual imagem de Jesus crucificado.

Tem necessidade do teu coração
aberto para Deus e para o homem,
dos teus pés descalços e feridos,
das tuas mãos trespassadas e implorantes.

Tem saudades da tua voz fraca,
mas forte pelo poder do Evangelho.

Ajuda, Francisco, os homens de hoje
a reconhecerem o mal do pecado
e a procurarem a sua purificação na penitência.
Ajuda-os a libertarem-se
das próprias estruturas do pecado,
que oprimem a sociedade de hoje.

Reaviva na consciência
dos governantes a urgência
da Paz nas Nações e entre os Povos.

Infunde nos jovens o teu vigor de vida,
capaz de contrastar as insídias
das múltiplas culturas da morte.

Aos ofendidos
por toda espécie de maldade,
comunica, Francisco,
a tua alegria de saber perdoar.

A todos os crucificados
pelo sofrimento,
pela fome e pela guerra,
reabre as portas da esperança.

Ámen."


Paz e Bem

abraços fraternos

Gisele

joaquim disse...

Amiga Gisele

Obrigado pela lembrança!

Que Deus te abençoe sobretudo neste dia do teu aniversário.

Um abraço de parabéns, amigo e em Cristo

C.M. disse...

Amigo Joaquim, a lista é, de facto, longa, demasiado longa para "mal dos nossos pecados".

É a arquitectura desta sociedade que nos conduziu ao esquecimento do outro, à desconfiança no outro, ao "medo" do outro.

Isolamo-nos, e tentamos esquecer o "mundo" tal como ele está, pois que nos assusta.

Não sei se tal estado de coisas tem remédio...

joaquim disse...

Amigo Delfim

Por isso é tão importante o nosso testemunho de verdadeiros cristãos.

Só com a força que nos vem da Fé, graça de Deus, e da certeza que ela nos dá que Cristo está sempre connosco.

Um abraço amigo em Cristo

RETIRO do ÉDEN disse...

Amigo Joaquim,
Como é verdadeira esta sua reflexão.
Os católicos cristãos sentem-se ufanos e olham para os vulgares assistentes com uma certa soberba e vaidade.
Quando é a cerimónia de Lava-pés, pela Páscoa do Senhor Jesus, nunca encontrei um pedinte, um necessitado,um vulgar assistente da missa, nesse ritual...
O que se observa é serem sempre a serem lavados os pés dos mesmos SENHORES ...que quer isto dizer? Como vou diariamente à Igreja, por convicção e Amor a Cristo Jesus, nada me faz faltar a Fé...mas sinto que dá que pensar...pois, quando temos uma intuição ligada a ELE, percebemos claramente que ELE não ficará feliz por estas escolhas, na Sua própria Casa, não serem justas, não serem feitas aos "irmãos mais necessitados, quer de bens materiais, quer espírituais». Onde está essa «União Fraterna»?
Se encontramos um irmão que diariamente vai à missa, na rua, há quem volte a cara para o lado para não dar a salvação...
Há que reformular os nossos valores e procedimentos. Vê-se muita falsidade e fingimento.Tudo isso é contra a vontade de Jesus e Sua Sagrada Família (Jesus, Maria, José).
Obgda. pela sua partilha
Santo Domingo e forte abraço
Mer