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Tinha
abraçado a vocação ao sacerdócio com toda a convicção, mas agora tinha dúvidas,
muitas dúvidas. E não eram, infelizmente, dúvidas sobre o sacerdócio, mas sobre
o próprio Deus.
Não
percebia porquê, mas agora que se aproximava o dia de Natal olhava para trás e
percebia o ano terrível que tinha vivido.
A
morte dos seus pais ainda relativamente novos, num acidente; aquele seu irmão,
tão novo, com aquela doença incurável; aquele seu amigo de infância que ao fim
de tantos anos de dificuldades, depois de nunca ter desistido de lutar, tinha
acabado por “vencer na vida” e de repente, por um incêndio fortuito, tinha
ficado novamente sem nada.
E
o mundo? Que mundo este em que se trucidavam crianças, se decapitavam pessoas,
se tratava melhor os animais do que os seres humanos, um mundo em que a
barbárie, não só da violência física, mas também a violência verbal e psíquica,
se tinha instalado e “dava cartas” em todo o lado.
E
Deus? Deus onde parava? Por onde andava?
Sim
ele sabia bem, (tinha-o estudado profundamente), que Deus nos tinha criado em
liberdade total e por isso não interferia na liberdade de cada um.
Mas,
caramba, há um tempo para tudo!
Então
Deus podia assistir impávido e sereno à destruição do bem, à destruição da
humanidade que Ele mesmo tinha criado à sua imagem e semelhança?
Tudo
isto, somado a uma Igreja que a seus olhos parecia não encontrar união, mas
parecia antes querer encontrar pontos de divisão, mais as conversas mantidas
com tanta gente desiludida e revoltada, levantavam-lhe dúvidas, muitas dúvidas,
a que ele não conseguia responder, sobretudo no seu íntimo.
Lembrava-se
perfeitamente da Missa que tinha celebrado no dia anterior e como lhe tinha
custado.
Na
altura da consagração apeteceu-lhe deixar a patena e o cálice no altar e não
proferir as palavras da consagração, mas depois lembrou-se que, mesmo que ele
não acreditasse, a consagração sempre aconteceria, tal como ensinava a Igreja.
Era
dia 24 de Dezembro e estava na sacristia pensando que ainda teria que celebrar à
noite a Missa do Galo.
Era
fim de tarde e a essa hora já não estava ninguém na igreja.
Foi
colocar-se em frente ao sacrário com a cabeça entre as mãos e ali se deixou ficar,
sem pensar, nem dizer nada, sem nada fazer.
Ao
fim de algum tempo, cansado da posição em que estava e percebendo que o dia já
estava a acabar, olhou o sacrário com um olhar ainda de esperança e disse:
Senhor
Jesus Cristo, se aí estás, dá-me um sinal, qualquer coisa que me faça sair
deste torpor que me afasta de Ti. Eu quero-Te, mas sinto-me cada vez mais longe
de Ti.
Saiu
da igreja e dirigiu-se para casa, mas em vez de seguir pela estrada normal,
decidiu atravessar o pequeno pinhal que ficava entre a igreja e a casa onde
vivia.
A
luz do crepúsculo provocava sombras estranhas nas árvores, mas isso não lhe
interessava minimamente, pois caminhava totalmente absorto nos seus pensamentos
sobre Deus e sobre a sua fé.
Pareceu-lhe
ouvir um ruído, um gemido, qualquer coisa, talvez um animal ferido.
Parou
e pôs-se à escuta.
Ouviu
então algo que lhe pareceu um choro de criança, pelo que começou à procura por
entre os arbustos, tentando descobrir de onde vinha tal lamento.
Encontrou
então deitada no chão da mata, envolvida num pequeno cobertor, uma criança, que
chorava lancinantemente.
Aproximou-se
e percebeu que, embora já não fosse um recém-nascido, era sem dúvida uma
criança nascida há muito pouco tempo.
Retirou
com todo o cuidado o cobertor que a envolvia e verificou que apesar das
circunstâncias a criança lhe parecia estar bem de saúde.
Tocou-lhe
numa mão com o seu dedo para ver a sua reacção, e logo os pequeninos dedos do
bebé se agarraram, como desesperados ao seu dedo, com uma força tal que o
espantou.
Colocou-o
ao colo e trouxe-o para a estrada, enquanto ligava para as emergências
explicando o assunto, e pedindo uma ambulância.
Sentou-se
num marco na berma da estrada com a criança ao colo e mais uma vez colocou o
seu dedo entre aquela pequena mão, que logo o agarrou novamente com toda a
força.
Estava
assim, embevecido a olhar para a cara do bebé, que entretanto tinha acalmado e
dormitava no seu colo com uma expressão muita calma, quando sentiu no seu
coração as seguintes palavras:
Vês,
meu filho, só tens que fazer isto mesmo! Abandona-te como uma criança, agarra a
minha mão com toda a tua força e perceberás que estás ao meu colo, que Eu estou
contigo, e que, quaisquer que sejam as tuas dúvidas, eu sou o Senhor teu Deus
que te ama, que te chama e que te guia. Hoje é noite de Natal! Quando
regressares à igreja, vai junto do presépio e coloca o teu dedo nas mãos da
minha imagem deitado nas palhinhas. Acredita, meu filho, que mesmo sem
sentires, Eu me agarrarei ao teu dedo e não te deixarei partir, porque te amo e
te quero para mim!
Ao
longe já se viam as luzes da ambulância e ele iria jurar que se pareciam
exactamente com as estrelas que tinha iluminado os pastores naquela Santa
Noite!
O
seu coração exultou de alegria e exclamou dentro de si:
Meu
Senhor e meu Deus! Ó meu Menino Jesus, obrigado pelo teu presente de Natal!!!
Foi
com muita relutância que deixou os bombeiros tirarem dos seus braços
aquele seu “Menino Jesus”!
Marinha
Grande, 19 de Dezembro de 2016
Joaquim
Mexia Alves
Com este Conto de Natal, quero desejar a todos os que por aqui passam, amigos e amigas face a face ou "virtuais", um Santo Natal e um Novo Ano cheio das bênçãos de Deus.
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