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No frio da sua cela, só e sem
alento, sentado na enxerga com a cabeça entre as mãos, pela milionésima vez
pensava em tudo o que o tinha trazido até ali, àquela prisão que lhe retirava
os anos jovens da sua vida.
Algumas más companhias, o
álcool, os “charros”, a falta de encontrar interesses na vida que não fossem os
imediatos, os prazeres rápidos e fortuitos, e aquela noite, aquela terrível
noite que o tinha mandado directamente para a prisão.
E mais uma vez lhe veio a
ideia, uma quase obsessão de fazer para o tempo, de recuar aos primeiros
minutos daquela noite e fazer tudo diferente. Sobretudo parar o tempo antes
daquele encontrão, que levou aos insultos e que num ápice lhe colocou aquela
navalha na mão, que sem qualquer verdadeira razão, tinha espetado violentamente
na barriga do outro jovem.
Ah, pudesse parar ali e ter
oportunidade de dizer qualquer coisa como, desculpa, foi sem querer, e seguir
caminho na noite.
Agora pensava assim, mas nos
tempos que se seguiram a essa noite, durante o julgamento, e nos primeiros anos
preso, uma raiva surda, um rancor, um quase ódio, tinham tomado conta dele.
Afinal o culpado era o outro, que em vez de se afastar, em vez de ter percebido
que o encontrão tinha sido sem querer, se “pôs a mandar vir” com ele, e por
isso mesmo ele lhe tinha espetado a navalha na barriga. Morreu, mas a culpa era
dele!
Mas os anos de prisão
tinham-no amaciado. O sentir a vida tão jovem ainda, correr-lhe por entre os
dedos, ali aprisionada, vivendo sem qualquer sentido, colocavam-no perante a
realidade de perceber que afinal a culpa tinha sido dele e que o outro apenas
tinha reagido como os jovens normalmente reagem. Era um arrependimento que
pouco a pouco ia tomando conta do seu coração e curiosamente isso dava-lhe uma
sensação de paz e de alívio.
Tinha havido uma audiência,
(ou lá o que era), para analisar a sua possível libertação condicional, mas ele
nada esperava, porque o seu comportamento anterior no julgamento, e durante os
primeiros tempos na cadeia, não augurava nada de bom.
Era dia de Natal, (o que a ele
dizia muito pouco ou nada), mas lembrava-se de uma ou duas conversas que tinha
tido com o padre da prisão, que lhe tinha explicado de modo muito simples a
história de Jesus Cristo, que tinha nascido no Natal e era Filho de Deus,
segundo o padre, claro, e que tinha vindo para nos salvar com o seu sacrifício
de amor.
Mal não fazia, pensou ele, e,
ajoelhando-se no chão da cela, olhou para o Céu e disse: Não sei quem és e se
estás aí, ou aqui, mas se me amas e se podes, ajuda-me como quiseres para que
não perca totalmente a minha vida.
Levantou-se sem qualquer
esperança de ser atendido no seu pedido e nesse momento um guarda chamou-o
dizendo que tinha uma visita. Ficou admirado pois não esperava ninguém, mas
seguiu o guarda até à sala de visitas dos presos.
Ficou ainda mais admirado e
receoso quando viu que a visita afinal eram uma mulher e um homem, nos quais
ele reconheceu os pais do rapaz que ele tinha morto naquela fatídica noite.
Não sabia o que fazer, mas o
olhar que lhe lançaram e o aceno das mãos pedindo que fosse ter com eles,
deram-lhe a necessária segurança para se aproximar, de cabeça baixa,
envergonhado.
Não tinha sido nada fácil no
julgamento senti-los a olhar para ele com um olhar duro que o trespassava. Mas
não era esse o olhar que agora lhe devolviam.
Estás com certeza admirado de
nos ver aqui? Ouviu ele dizer àqueles pais magoados e tristes.
Com uma voz quase inaudível
respondeu: Sim!
Eles falaram novamente: Sabes,
temos sabido da tua vida na prisão e sabemos que ultimamente te tens comportado
muito bem e que até tens falado com o capelão da prisão.
É verdade, respondeu ele
timidamente. Quero acreditar, mas é muito complicado, depois daquilo que fiz.
Eles disseram-lhe: Sabes, nós
somos católicos acreditamos em Deus e no seu amor infinito e acreditamos também
no seu perdão.
Olhou para eles admirado e
eles continuaram: Sabes também que houve uma reunião para decidir a tua
liberdade condicional. Nós quisemos estar presente e como nos ensinou Jesus
Cristo, quisemos dizer ao juiz e às pessoas que lá estavam que te perdoávamos
sinceramente e mais ainda, que tendo sabido do que se passava na prisão
contigo, pedimos que te fosse concedida a liberdade condicional.
Levantou a cabeça, olhou para
eles, os olhos encheram-se de lágrimas e não soube o que dizer.
Mas eles acrescentaram: Nós
pedimos e foi-nos concedido que fossemos nós a trazer-te a notícia. Sais hoje
em liberdade condicional e esse é o melhor perdão que te podemos dar. Quando
saíres daqui do pé de nós, podes ir fazer o teu saco, pois hoje mesmo vais
passar o Natal a tua casa.
Ia dizer qualquer coisa, como
obrigado, (sabia lá ele bem o que dizer naquela altura), mas eles
interromperam-no e disseram-lhe: Teremos depois tempo para falar, mas para já
agora o que deves fazer é acreditar, verdadeiramente acreditar, que neste
Natal, Jesus Cristo nasceu para te salvar.
Joaquim Mexia Alves
Marinha Grande, Dezembro de
2015
NOTA: Com este Conto de Natal desejo a todas as amigas e amigos que visitam este espaço, um Santo Natal e um Novo Ano cheio das bênçãos de Deus.
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