segunda-feira, 25 de julho de 2011

HOJE ALMOÇEI COM O JOAQUIM GASPAR!

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Hoje almocei com o Joaquim Gaspar.

E perguntam aqueles que lêem estes textos neste espaço:
E quem é o Joaquim Gaspar, e o que é que eu tenho a ver com isso???

É muito simples, mas vou complicar um pouco.
O Joaquim Gaspar é do Brejo, entre Carvide e Monte Real, e faz hoje 65 anos!
Manda-lhe a Segurança Social, por carta, que deixe de trabalhar a partir de Segunda-feira, pois fica “automaticamente” reformado.

Ah, e o Joaquim Gaspar trabalha nas Termas de Monte Real há, “apenas“, 54 anos!!!

Hoje, a meio da manhã, bateu à porta do meu gabinete, e timidamente, como é seu feitio, disse-me com um sorriso:
Depois o Sr. Mexia Alves, quando puder havia de passar ali pela “cozinha” para comer um pouco de bolo.
Senti-me apanhado na falta de memória e, claro, já sem dúvida nenhuma perguntei-lhe:
Fazes anos hoje, não é?

Com um sorriso de “criança apanhada”, (ele é assim, não há nada a fazer), disse-me:
Faço 65 anos, e a partir de Segunda-feira tenho de deixar de trabalhar aqui nas Termas, porque estou reformado. Pelo menos é o que diz a carta que recebi da Segurança Social.

Fiquei sem saber o que dizer, porque me inundou um sentimento tão grande tão profundo, que tive medo de me “largar” a chorar à frente dele!

Perguntei-lhe então, com um ar que eu pretendia de amizade e intimidade:
Quantos são, Joaquim?
E ele com aquele seu ar tímido respondeu-me:
54! Há 54 anos que aqui trabalho!

Mais velho do que eu três anos, logo me lembrei, quando em garoto, lhe “roubava” a bicicleta, “estacionada” junto ao Hotel para dar uma voltinha.
É que a bicicleta dele tinha mudanças!!!
Nada destas coisas de hoje, em que se vêm uns matulões a pedalarem que nem uns loucos, parecendo que a bicicleta está sempre no mesmo lugar.
Não, senhor, aquilo era uma caixinha com uma espécie de gatilho que tinha três mudanças, que “inté” parecia que davam mais velocidade, sem a gente perceber que afinal o motor … eram as nossas pernas!

Deixei-me ficar ali um pouco a olhar para ele, e nesse instante passaram por mim recordações imensas, que envolveram os meus pais e todos os meus irmãos, e uma grande família feliz, que vivia um sonho de amor e união, que pretendia estender a todos aqueles que com a família trabalhavam num projecto comum.

Perguntou-me então:
Almoça hoje comigo?
Respondi-lhe:
Claro que sim, Joaquim! Claro que sim!

Saiu então do meu gabinete, e ainda bem, porque eu precisava de lidar com uma emoção que avassaladoramente tomava conta de mim.

O que é que eu digo a este homem, pensava eu?
Como exprimir-lhe tudo o que vai dentro de mim?
Como explicar-lhe que ele me pertence, como eu lhe pertenço a ele?
Como afirmar-lhe que eu sou família dele, como ele é minha família?

Bem, pensei, deixa passar agora, que quando chegar o tempo ele sentirá o que tu lhe queres dizer.

E lá fomos almoçar passada mais uma hora, eu com o meu coração nas mãos, e ele com o dele também.
E falámos da “ingricola”, e dos tempos passados, e de como esta gente de hoje não sabe o que é a vida, e isto e aquilo…

E quando o almoço acabou, num restaurante de alguém que também trabalhou no Hotel e nas Termas, vieram em alta voz as recordações, a tal bicicleta, e quando os olhos destes “sessentões” se avermelharam, foi só o tempo de dizer adeus, para deixar para mais tarde a homenagem inteiramente devida, inteiramente merecida, mas sobretudo inteiramente desejada.

Pois, perguntam os leitores, e depois o que é que isso interessa?

Interessa, para que esta nossa juventude perceba os tempos em que as pessoas se encontravam, em que as pessoas se conheciam, em que um vínculo de trabalho era um vínculo de amizade, em que as pessoas se preocupavam mais uns com os outros do que com eles próprios.
Interessa, porque é sempre tempo de regressarmos à amizade, á relação entre pessoas, que não seja apenas um contrato que defende uns contra os outros, mas sim um contrato que une uns e os outros.
Interessa, para que se perceba que quando é preciso cortar nos custos de uma empresa, não se vá pelo caminho mais fácil, que é dispensar/despedir pessoas, mas sim cortar no supérfluo que apenas serve uns e deixa os outros de fora.
Interessa, para que os projectos sejam comuns, e não apenas ideias de uns em que os outros são dispensáveis, mas sim como parceiros de um bem para todos.

Neste momento, os leitores pensarão:
Este indivíduo vive noutro planeta!
E este indivíduo apenas diz:
Se houver um planeta onde se viva e trabalhe para construir um bem comum, e em que as relações de trabalho e as outras sejam alicerçadas no entendimento, na paz e no amor entre pessoas, então é nesse planeta que eu quero viver!

Por enquanto, deixo-me ficar pela recordação, guardando dentro de mim este sentimento bom, de saber que ainda há homens bons, e assim esperar que um dia, perante a indiferença, o homem perceba que é melhor amar do que desprezar.

Do meu coração ninguém tira o Joaquim Gaspar, como acredito que do coração do Joaquim Gaspar ninguém é capaz de me retirar.

Até o seu filho, homem feito agora, por aqui trabalhou também!

Hoje almocei com o Joaquim Gaspar!
Sinto-me muito mais realizado, por o ter conhecido e por ser seu amigo
É sempre bom, ser amigo de homens bons!

Que Deus o abençoe!

Graças a Deus, e por causa deste almoço, amo mais um pouco a vida!



Monte Real, 22 de Julho de 2011


Nota:
Poderão perguntar os leitores, o porquê da publicação deste texto, (que descreve uma situação real por mim vivida na passada Sexta feira), que parece sair um pouco da temática deste espaço.
Mas no fundo, este texto representa um modo de viver enformado da prática cristã, do amor próximo seja em que circunstâncias for, na família, no lazer, no trabalho.
Realmente o trabalho deve ser entendido como uma colaboração de todos para o bem comum, e sobretudo deve entender-se que no trabalho, nas empresas, o mais importante são as pessoas, e não a empresa ou o negócio em si.
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18 comentários:

concha disse...

Amigo Joaquim
Pois é!Não conheço um nem outro,mas comovi-me com este teu relato.E de repente,lembrei algo que se passou um destes dias em conversa com o meu filho.A Cesaltina é uma mulher de Cabo Verde que vive numa barraca, tem o marido em França que lhe envia alguma coisa, "quando o rei faz anos" e é uma mulher de quem eu gosto muito.Na minha ânsia de fazer justiça, na minha vida sempre que recebi aumentos,mesmo sem mos pedirem,achei que devia dar.Na referida conversa,disse ao meu filho que não iria poder dar à Cesaltina o subsídio de natal na totalidade.Ele que apesar de baptizado, não frequenta a igreja só me respondeu isto..."falta-te para comer".Aquilo caíu em cima de mim como uma bomba.Que espécie de católica sou eu? Questionei-me eu em silêncio?Sempre preocupada com ir em auxilio dos outros e da parte de dentro da minha porta consigo pensar assim!Desculpa este comentário tão pessoal,mas senti que devia partilhar.
Um abraço na Paz de Cristo

laureana silva disse...

Gostei muito do seu comentário amigo Joaquim, e não sai muito da temática do blog, afinal trata-se do amor ao próximo e é uma grande lição. Infelizmente cada vez nas empresas existe mais a cultura do individualismo, do salve-se quem puder, do subir a todo o custo. A palavra solidariedade é uma utopia e amor ao próximo ninguém ou quase, sabe o que isso é. Falo p+or experiência própria.
Um abraço amigo.
Maria

Marina disse...

É tão bom ter amigos assim!
Hoje em dia as pessoas, no geral, fazem o que puderem para subir na carreira, nem que seja passar por cima dos outros. É difícil ter assim um círculo de amigos no emprego, só importa subir!
Fiquei contente com o seu testemunho. É uma prova que as "relações de trabalho e as outras" ainda podem ser "alicerçadas no entendimento, na paz e no amor entre pessoas".


Paz

Confessionário disse...

como conheço os dois, fiquei a reflectir bastante na vida, nas relações humanas, nas relações que temos de viver à luz da fé, no trabalho, na idade...

Desejo tudo de bom aos dois

Paulo disse...

E quantos Joaquins Gaspares não existem neste mundo, aliás, são pessoas como essa, que fazem o mundo andar, ao contrário daqueles que aparecem e fazem-se aparecer...

Dulce Gomes disse...

Amigo Joaquim
Com uma lagrimita no olho li esta partilha que nos fala de amizade pura entre duas pessoas.
Não sai da temática do blog porque se trata duma lição de como construir e cimentar as relações entre seres humanos. Mas ainda que saísse seria sobejamente ultrapassado pela grandeza e conteúdo deste texto.
Abraço em Cristo

C.M. disse...

pois eu gosto imensooooo destes textos intimistas...

joaquim disse...

Amiga Concha, obrigado pelo teu testemunho.

Às vezes precisamos ser confrontados, para ver melhor.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Obrigado amiga Maria.

Realmente impera o egoísmo nas relações entre as pessoas e sobretudo no mundo do trabalho.

Depois admiramo-nos dos fracos resultados das empresas, onde as pessoas trabalham sem gosto e sem esperança.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

É verdade Marina.

E devemos ser nós cristãos a dar esse exemplo.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Surpresa boa, meu amigo Padre, ver-te por aqui.

É verdade, às vezes pequenos factos levam-nos a reflectir sobre muita coisa que todos os dias tocam as nossas vidas.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

É verdade Paulo!

Muitas vezes são os mais discretos, que são os mais empenhados e que mais dão aos outros.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Obrigado amiga Dulce.

Acredita que também eu quando o escrevi, vi a minha vista toldada com a lágrima da amizade.

Um abraço amigo em Cristo

joaquim disse...

Obrigado, meu amigo Delfim.

Fazem-nos ter esperança de que o mundo ainda não se destruiu por completo!

Um abraço amigo em Cristo

carhonrado disse...

O sermos verdadeiros e simples, aceitar os outros com amor pelo o que são, pensar que outros têm tanta capacidade de amar, sorrir, serem simples e harmoniosos que são capazes de fazer como sabem também coisas belas, transformaria o mundo numa sinfonia de amor.
Por isso Parabéns ao Sr Joaquim Gaspar pela beleza de amor que nos transmitiu, Parabéns também ao Sr Joaquim Mexias Alves,pela forma que aceitou e retribuiu esse mesmo amor. O vosso testemunho são para todos desafios de vida
Um abraço em Cristo
Carmi

joaquim disse...

Obrigado Carmi, pelas suas palavras.

Que Deus a abençoe.

Um abraço amigo em Cristo

Je Vois La Vie en Vert disse...

E foi um bom relato dum almoço solidário e uma simples descrição das coisas da vida.
Não acho que vive noutro planeta, pelo contrário !
Abraço
Verdinha

joaquim disse...

Obrigado Verdinha!

Pois o planeta é o mesmo, mas há gente que o vive de forma diferente!

Obrigado

Um abraço amigo em Cristo