segunda-feira, 23 de junho de 2008

"ARDER EM FEBRE E TREMER DE FRIO"

Aqueles que já tiveram paludismo, ou qualquer doença em que se registem febres altas, conhecem perfeitamente a sensação, a realidade de estarem a “arder em febre” e no entanto “tremerem de frio”.
Isto fez-me lembrar umas certas atitudes, ou melhor, certas maneiras de viver a vida religiosa, ainda muito enraizadas na nossa prática de viver a vida cristã.
São aquelas ou aqueles que permanentemente rezam orações, as mais variadas, preocupados mais com a quantidade, do que com a qualidade.
No fundo, não rezam, mas “debitam” orações como se de alguma fórmula mágica se tratasse, mas na sua vida diária não se reflecte a vivência da fé.
É assim mesmo, estão a “arder em febre”, mas a “tremer de frio”.
Ou seja, vivem no “calor” de um frenesim de orações, cheias de esquemas programados, mas ali não está a fé, a fé que aquece a alma, que aquece o coração, por isso “tremem de frio”.
É que rezar é elevar o coração ao Pai, é conversar com Jesus Cristo, é entregar-se ao Espírito Santo.
Rezar é falar, mas também é ouvir, também é escutar, também é deixar-se envolver no amor de Deus.
E muitas vezes temos medo de escutar, temos medo de nos deixarmos envolver no Seu amor, porque temos medo do que Ele nos vai pedir, da mudança que Ele quer operar em nós, das exigências da prática da vida cristã, que nos levam muitas vezes a pensar que nos afastam da vida do dia a dia, quando é precisamente o contrário, isto é, a mudança, (conversão), a vivência da prática cristã, dá sentido à vida, torna a vida mais fácil, mais segura e forte porque acompanhada pelo Senhor da Vida, no fundo e na realidade dá mais vida à vida, porque enraíza no Autor da Vida.
Isto não quer dizer que não se rezem o Rosário, as orações da Tradição da Igreja, as Ladainhas, as Novenas e sei lá quantas expressões da piedade popular, mas sim que a nossa fé não está na oração, na quantidade de oração, (no sentido de que é a oração que tudo realiza), mas sim que a nossa fé se torna esperança, vida, realidade, no Pai, no Filho, no Espírito Santo, que tudo fazem e tudo podem.
E mais ainda, se a nossa oração não nos levar a um encontro pessoal com Jesus Cristo e portanto à mudança, (conversão), das nossas vidas, então não estamos a rezar, estamos apenas a debitar palavras, palavras que saem da boca, mas não vêm do coração.
Podemos “arder de orações”, mas “trememos do frio da ausência da fé”.

«Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para satisfazer os vossos prazeres.» Tg 4,3

«É assim que também o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza, pois não sabemos o que havemos de pedir, para rezarmos como deve ser; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis.»
Rm 8,26

segunda-feira, 16 de junho de 2008

ADULTOS NA FÉ

Apareceram na Capela das Termas, por cima dos bancos, umas fotocópias com uma oração de intercessão a Santa Rita de Cássia.
Até aqui tudo bem, também sou devoto de Santa Rita de Cássia a quem peço muitas vezes intercessão, e de quem venero e admiro a vida de entrega total a Deus, ao longo de tantas dificuldades vividas em diversos estados de vida.
Só que no final do texto fotocopiado lá vem escrito que para o pedido ser “completo”, têm de se fazer 25 fotocópias e distribui-las, aguardando ao terceiro dia a graça pedida, que não “pode falhar”.
Santa Rita fica nossa “refém”, bem como Deus fica “refém” de Santa Rita e de nós próprios, porque se cumprirmos com as 25 fotocópias, Deus “não tem hipóteses” de não nos conceder a graça que pedimos, precisamente ao terceiro dia, nem antes nem depois!
E como este exemplo, tantos outros, servindo-se de Santos, Santas, Anjos e até de umas “não sei quantas almas benditas”, usando anúncios em jornais, revistas, fotocópias, pagelas, sei lá o quê…
Vivemos ainda numa fé, que é “fezada”, uma vida “religiosa” do “toma lá dá cá”, do “se eu fizer isto, Deus faz-me aquilo”, do “se eu me portar bem, Deus dá-me o que preciso, seja lá o que for”, e por aí a diante…
A verdade é que muitas vezes a nossa vida espiritual, o nosso caminho para Deus, continua a ser infantil, sem conhecimento, sem razão, sem entendimento, sem entrega, fechados em nós próprios e no que queremos e desejamos, baseando-se mais no medo, na superstição, no “comércio” de “favores”, do que na vivência do Evangelho, que nos leva à união com Cristo, abertos aos outros irmãos, ansiando que em nós seja feita a vontade de Deus, seja ela qual for, porque será sempre a melhor para nós, para as nossas vidas.
Somos muitas vezes como uma criança que não quer crescer e que fica sempre dependente de seus pais em tudo.
Com 30 anos, por exemplo, ainda são os pais que lhe dão banho, que lhe dão de comer, que lhe lêem livros e lhe vão dizendo para que servem as coisas e como utilizá-las, porque não quis aprender a ler, porque não quis aprender nada, mas limitou-se a viver, pura e simplesmente, e assim está à mercê dos outros, os que lhe querem bem e os que lhe querem mal.
Ridículo não seria?
Mas quando procedemos assim, quando nos agarramos a estas “religiosidades” estamos a proceder de modo igual nas nossas vidas espirituais.
Deus, deu-nos a Palavra, enviou o Seu próprio Filho para no-la explicar, derramou em nós o Espírito Santo para nos iluminar, deu-nos a Igreja para nos conduzir, que nos deu o Catecismo, para além de incontáveis documentos e livros que nos mostram caminhos, modos de orar, modos de viver e celebrar a Fé no Pai Criador, no Filho Salvador, no Espírito Santificador.
E nós muitas vezes, agarramo-nos à “quantidade” das nossas orações, a “fórmulas mágicas” que serviriam para “manietar” o poder de Deus, a expressões de religiosidade pontual, por medo ou superstição, ou porque tendo cumprido os “requisitos acordados” podemos viver como quisermos, porque já “cumprimos as normas”.

«Quanto a mim, irmãos, não pude falar-vos como a simples homens espirituais, mas como a homens carnais, como a criancinhas em Cristo. Foi leite que vos dei a beber e não alimento sólido, que ainda não podíeis suportar. Nem mesmo agora podeis, visto que sois ainda carnais.» 1 Cor 3,1-2
«Que fazer, então? Rezarei com o espírito, mas rezarei também com a inteligência; cantarei com o espírito, mas cantarei igualmente com a inteligência.» 1 Cor 14,15

É tempo de ouvirmos, de lermos, de perguntarmos, de entendermos, de vivermos empenhados naquilo em que acreditamos ou queremos acreditar.
É tempo de crescermos e sermos verdadeiros filhos de Deus, templos do Espírito Santo, pela graça do Baptismo que o Senhor nos concedeu.
E isto nada tem a ver com a religiosidade popular, expressão carinhosa, intima e também colectiva de um povo que caminha para Deus, mas sim com crendices para que nos deixamos arrastar, sem pensarmos, sem reflectirmos, sem discernirmos, sem perguntarmos, deixando-nos conduzir para uma religiosidade fácil, mas falsa, que a nada nos conduz, antes nos deixa na ignorância e à mercê de todos aqueles que de nós se queiram servir para os seus propósitos, que nunca são bons.
Dentro das capacidades de cada um, saibamos abrir o nosso coração e a nossa inteligência à Palavra de Deus, à Doutrina da Igreja, e confiando, e esperando no amor do Pai e do Filho, deixemos que o Espírito Santo transforme e converta tudo aquilo que em nós precisa de ser mudado e que por nós próprios não conseguimos mudar.
Cresçamos assim como adultos na Fé, afim de atingirmos a plenitude em Jesus Cristo, Senhor e Salvador dos homens.

domingo, 8 de junho de 2008

SEGUE-ME

Sentado na banca da segurança da sua vida, ia verificando tudo o que tinha ou lhe fazia falta para ter uma vida boa, descansada e sem problemas.
Analisou tudo e chegou à conclusão que em todas as coisas importantes da vida ele tinha a sua opinião formada e que as certezas eram uma constante da sua vida.
Tinha a sua família e ela era o garante da sua realização e a companhia certa nos dias que haviam de vir na velhice.
Tinha aquele trabalho onde era considerado, respeitado e onde ganhava mais do que o suficiente para o seu dia a dia e o dos seus.
A casa era sua propriedade, bem como a outra que tinha na praia para as suas férias.
No banco tinha uma conta recheada que lhe garantia o futuro sem surpresas.
Bem, tinha tudo afinal, nada lhe faltava, mas apesar de tudo isso...
Foi quando Tu, Senhor, por ali passaste e olhando-o nos olhos disseste:
Segue-Me! Mt 9,9-13
Levantou-se de um salto e seguiu-O.
Não olhou para trás, mas pensou:
E todas aquelas coisas que eu pensava serem a minha vida o que lhes faço?
O Senhor olhando-o amorosamente nos olhos, disse-lhe:
Traz tudo contigo, pois tudo faz parte da tua vida. Fui eu que te dei tudo como resultado do teu trabalho e tudo isso faz parte da tua vida. Quero que me sigas com aquilo que és e com aquilo que tens e que uses tudo para ti, para os teus e para aqueles que Eu for colocando na tua vida para ajudares com tudo o que tens, em bens espirituais e materiais.
Percebeu então o que era o “apesar de tudo isso”...
Faltava-lhe o sentido da vida, faltava-lhe a própria vida, que ele agora descobria ao levantar-se aceitando o Segue-Me!